Crenças, tesouros, mitos

por Adcra Viadal

As Pessoas

No ano de 1960 viviam cerca de 152 pessoas em Viadal, mas em 1984 contavam-se apenas 131 pessoas, notando-se assim um decréscimo a nível da população residente. Este tem sido, infelizmente, contínuo, sendo que hoje em dia a população se deverá reduzir a meia centena.

Em termos de escolaridade, e devido ao facto de a escola apenas ter funcionado a partir dos anos 50, a faixa etária mais antiga saberá talvez apenas ler e escrever, não sendo de excluir algum analfabetismo, principalmente entre as mulheres, como bem o prova a seguinte citação da monografia em que me baseio:

“Aprendi a ler com o meu padrinho – irmão mais velho – e já me esqueci. Ainda fui à aula um dia com os meus irmãos. O meu pai não me deixou ir mais. Naquele tempo era o cabo dos trabalhos uma mulher estudar. A professora ainda me quis matricular, porque estava na idade.”

Habitante de 64 anos na altura da escrita da monografia (1984)

Hoje em dia as coisas são bem diferentes, uma vez que todas as crianças frequentam a escola, prosseguindo depois estudos e formando-se, por fim, nas universidades.

Este contacto com outros ambientes e outras mentalidades que não “a de Viadal”, faz com que muitas vezes se entre em conflito com os mais velhos, que mantêm ainda uma mentalidade algo retrógrada e muitas vezes baseada em mitos religiosos e crenças populares.

Transcreverei em seguida apenas alguns exemplos que considerei mais interessantes e dignos de serem apreciados.

Crenças populares

As Maias

É prática corrente nesta e noutras aldeias enfeitarem-se as portas das casas, incluindo dos currais, com giestas em flor, as “maias”, na noite do 1º de Maio.

É uma prática cuja origem se perde nos tempos, mas que se julga estar relacionada com a própria época das sementeiras que se inicia neste mês.

Ora, segundo a nossa fonte, já no tempo dos Romanos se festejava por esta altura as festas em honra de Flora, alusivas pois à fecundidade da terra.

Tendo em consideração que tais festividades apresentam um carácter pagão, a mitologia cristã apresenta igualmente uma explicação, alegando que tal costume se prende com o facto de os judeus terem assinalado com uma giesta a casa onde Jesus se encontrava, com o objectivo de mais tarde o prenderem.

No entanto, Jesus não foi preso, pois ao tentarem prende-lo, depararam com ramos de giesta em todas as casas, para assim os despistarem.  

O tição de Natal

Uma outra crença popular é o tição de natal. Este não é mais do que uma tranca de uma qualidade de carvalho existente aqui, o cerquinho, e que se julga ser capaz de apaziguar trovoadas, tendo este de ser cortado nas vésperas de Natal, dia 24, logo após o pôr-do-sol e não antes.

À noite, enquanto se “come a Consoada”, a ponta do tição deve ser colocada a queimar no lume. Este procedimento deve ser mantido até ao Dia de Reis, devendo depois ser guardado para os dias de Inverno forte. 

Ora, nestes dias de trovoada, põe-se o tição novamente ao lume até ficar em brasa.

Depois, coloca-se atrás da porta e sempre que se ouvir um trovão diz-se: 
“S. Jerónimo e Santa Bárbara, apazigue esta trovoada”.

Também se pode dizer a seguinte oração:  

“S. Gregório se levantou, numa bengalinha pegou e Nossa Senhora lhe perguntou:  

– Para onde vais Gregório? 

– Vou arrumar a trovoada, arrumá-la bem arrumada, para onde não haja pão, vinho, nem eira nem beira, nem folhinha de figueira, nem pedrinha de sal ou coisa que faça mal.” 

Reza-se depois um Pai Nosso e uma Ave Maria a S. Jerónimo e Santa Bárbara e guarda-se novamente o tição para uma próxima trovoada, sendo este depois substituído no Natal seguinte.

Tesouros

Tesouro dos mouros no Espinheiro

O Espinheiro localiza-se na cavada dos familiares de Diamantino Tavares, do lado esquerdo da barreira da estrada que leva à Felgueira. Nesse sítio, existem três cabeços (entenda-se pedras grandes em granito), e num deles conseguem-se ver algumas letras. É debaixo desse mesmo cabeço que está o tesouro ou “encanto”, como dizem muitos populares. 

Tesouro dos mouros no Cabeço dos Carros

O Cabeço dos Carros é junto ao cruzamento da antiga estrada dos almocreves, em direcção à Felgueira, pelo caminho que vai de Viadal para Carvalhal-do-Chão. É neste sítio, também chamado de Vale dos Galegos, que se encontra um conjunto de pedregulhos (entenda-se pedras grandes). Num destes pedregulhos há marcas dos “pés de um mouro”. Há quem diga que na direcção dos pés é que se localiza o tesouro escondido.

Mitos religiosos

Apesar de hoje em dia não se olhar para estes “mitos” com a mesma crença e temor, é interessante registar o que outrora foi prática comum e muito respeitada.

Orações

Quem se dissesse seguidora dos ensinamentos de Deus, tinha, logo ao levantar-se, de rezar uma oração, à qual se seguiam outras às refeições, depois ao cair da noite (com o Toque da Trindade), rezando-se finalmente o “terço” em família após a ceia.

Hoje em dia ouve-se às portas dos mais antigos o “terço” transmitido pela rádio, rezando-se assim ainda em conjunto. Ainda prática corrente é também a visita da “Sagrada Família” aos lares, pela qual se deve orar.

Jejum

Um costume mais praticado na época da Quaresma é o jejum ou abstinência. As pessoas devem abster-se de comer determinados alimentos nesta época, como por exemplo a carne às sextas-feiras e outros alimentos mais “ricos”, respeitando-se assim a abstinência imposta pela religião.

Talhar doenças

A falta de condições hospitalares, de médicos e das próprias estradas e vias de comunicação, fizeram com que o povo tenha desenvolvido certos rituais ou práticas para pôr cobro às doenças e a outros males. O uso dessas práticas chama-se “talhar”.

“Talhar o cobranto”

Por “cobranto” deve entender-se dor de cabeça.

“ (Diz-se o nome da pessoa), tens cobranto? Eu to quero talhar, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Dois to puseram e três to tirarão e são S. Pedro, S. Paulo e o Apóstolo S. João. Em louvor de S. Tiago, que este cobranto vá pró mar acolhado. Pelo poder de Deus e da Virgem Maria, rezar um Pai Nosso e uma Avé Maria.”

“Talhar a inveja”

“ (Diz-se o nome da pessoa), Deus te criou e Deus gerou. Deus te tire o mau olhado que no teu corpo entrou, Deus te desinveje quem te invejou. Deus te acabrante quem te acabrantou. Do mau homem e da má mulher quem bem fala e mal nos quer. Pelo poder da Virgem Maria tudo sararia.”

“Mézinhas”

As “mézinhas” são igualmente fruto da necessidade das pessoas em combater as doenças e males do corpo sem recorrer a médicos, usando para tal as variadas ervas de que dispõem.

Chá para urinar

Colhe-se raiz de morangueira, barba de milho e raiz de cereja (pés da cereja). Lava-se tudo muito bem e põe-se a ferver. Depois de bem fervido, deixa-se arrefecer, e depois deve-se beber frio.

Chá de “marcela”

Colhe-se a “marcela” (entenda-se macela) que se encontra abundantemente por regatos e beira de caminhos e deixa-se secar. Deve-se colocar uma certa quantidade com água a ferver, deixando-se depois arrefecer, para também beber frio. Diz-se que faz efeito em dores de estômago e indisposições.

Cancioneiro

Durante as épocas de trabalho agrícola, era normal ouvirem-se as mulheres a entoar cantigas, pois assim andavam “distraídas” do pesado trabalho que tinham pela frente. Cantar ao desafio também era costume da terra, que infelizmente se vai perdendo sem registo sonoro.

“Marcha do nosso rancho”

I

“Lá vai Fuste e Carvalheda,
Paço-do-Mato e Função,
Concorreram p’rá Igreja
com o seu cestinho.

II

Do cimo da freguesia,
com respeito e vontade,
concorreram pra Igreja
sem olhar p’rá idade.

III

Dai vivas a Portugal,
Terra de Santa Maria,
Dai vivas ao nosso pároco,
Prior desta freguesia.

IV

Rapazes e raparigas,
ao abrir esses pulmões,
as marchas do nosso rancho
hão-de deixar recordações.

V

Somos pequeninos, mas grandes um dia
nossos destinos, Deus os saberá.
Aprendi colegas a ler e contar,
coisa mais bonita e melhor não há.

VI

Olhai nosso rancho,
nossa medianeira.
Nossa Senhora da Ouvida,
Nossa padroeira.”

“A silva”

I

“A silva que nasce em casa,
vai beber à cantarinha.
Dança a videira, ó videirita,
ora dança a videira, ó videirinha,
ora dança a videira, olá priminha.

II

A moça que casa nova,
sempre pensa que é solteirona.
Dança a videira, ó videirita,
ora dança a videira, ó videirinha,
ora dança a videira, olá priminha.

III

A silva que nasce em casa,
vai beber à cantarinha,
Dança a videira, ó videirita,
ora dança a videira, ó prima minha.

Elaborado por Vera Mónica Fernandes e baseado na monografia intitulada
“Viadal, Aldeia de Cambra” de Manoel de Almeida