Vestuário, Alimentação e Matança do Porco

O VESTUÁRIO

Vestuário

Quanto ao vestuário, os homens, durante o trabalho, de verão, usavam calças de estopa, tingidas de preto ou, então, de cotim e camisas de tomentos; de inverno – ceroulas, camisa interior, calças de burel, camisolas de lã feitas pelas mulheres ao serão, assim como meias de lã, feitas à mão, e socos.

As mulheres vestiam saiote, saias compridas e avental de tomentos ou chita; as blusas eram fechadas até acima e de mangas com punhos. Habitualmente andavam descalças e usavam lenços na cabeça.

Ao domingo, a roupa era semelhante, mas os tecidos de melhor qualidade. No entanto, os homens usavam botas de atanado, raramente sapatos, e chapéu.

As mulheres usavam xaile, lenço na cabeça e, se com mais posses económicas, chapéu de plumas, meias de renda feitas à mão, chinelos, capa e muito ouro.

A ALIMENTAÇÃO

Alimentação

A alimentação dos homens do campo era feita, sem grande fartura, à base de bacalhau, carne de porco e, as vezes, sardinha. Vitela, só para os dias de festa.

Normalmente tomavam quatro refeições: almoço, jantar, merenda e ceia.

Dizia a voz popular: “O almoço quer-se cedo, o jantar bem aviado, a merenda com despacho, à ceia tenha-se cuidado.”

No tempo das colheitas eram cinco as refeições: ao nascer do sol – o almoço ou dejua, constituído por café com leite e broa, migas [1] ou batatas cozidas com molho de toucinho.

Às 10 horas era a primeira merenda ou “parva” [2] da manhã, que constava de batatas cozidas, couve galega e algum bacalhau ou toucinho frito.

Tudo era regado com uns fiozitos de azeite para dar aroma à comida que tinha sido colocada em duas ou três bacias, ou travessas. Todos comiam dessas bacias, cada um com seu garfo de ferro.

O garrafão circulava de boca em boca.

Ao meio-dia era o jantar que, sendo mais bem aviado, constava de um caldo comido em malgas, com alguns feijões à mistura, batatas e pouco arroz, hortaliça e toucinho.

Para conduto, arroz com bocados de carne de porco ou massa de frango.

Se o jantar era em casa e não no campo, o vinho era servido numa grande caneca, normalmente de louça branca que ia passando de mão em mão e todos comiam das mesmas bacias.

Às vezes, às cinco horas, havia a segunda merenda, que era pão caseiro com um ovo estrelado ou com um pouco de carne de porco frita.

Ao pôr do sol era a ceia: batatas cozidas com hortaliça e bacalhau – era o “escoado”.

As aves de capoeira e o porco destinavam-se, na sua maioria, ao uso doméstico dos seus criadores.

A matança do porco

A carne de porco constituía a base de alimentação da população. Os mais abastados faziam a matança do porco, uma vez por ano, em Dezembro, depois de criado com restos de comida, couves, farinha e, mais tarde, soro.

Começa-se por fazer os preparativos: o chambaril, [3] carro
de bois, palha de centeio enfeixada e a corda para, à mão, prender o porco.

De véspera, areiam-se os tachos de cobre e, de manhã, põem-se panelas com água a ferver à lareira.

Lavam-se os alguidares. Normalmente contrata-se um homem para vir matar o porco.

Traz várias facas para a matança – uma comprida e curva, e outras de menores dimensões.

Amarra-se o porco por uma perna e é puxado com dificuldade para cima do carro de bois; a cabeça fica por cima do cabeçalho do carro e o corpo já sobre o estrado, com as patas amarradas por corda aos fueiros.

O matador espeta na goela do porco o facalhão arqueado, de forma que a ponta afiada da faca vá direita ao coração.

O porco estrebucha e guincha lancinantemente, enquanto o sangue sai às golfadas para um alguidar grande de barro.

Logo que o sangue pára de sair, os grunhidos deixam de se ouvir. Deixa-se coalhar o sangue.

O porco é retirado do carro de bois e assente no chão, onde se chamusca com palha de centeio, [4] primeiro de um dos lados, depois entre as pernas e, finalmente, do outro lado.

O animal era depois raspado com um pedaço de telha antiga redonda e, em seguida, esfregado com carqueja. Arrancavam-se os unhatos e lavava-se bem. [5]

De seguida, leva-se o porco para a adega por meio de uma padiola [6] e no chambaril é dependurado com as patas traseiras para cima e a cabeça para baixo, a um ou dois palmos do chão.

Então é aberto o porco de alto a baixo com uma faca pequena e da parte da barriga é retirado o “fato” ou conjunto de vísceras, incluindo as tripas e a fressura (parte mais grossa).

Esta era pendurada na pata ao porco a escorrer, antes de ser mergulhada em vinha-d’alhos.

O porco assim aberto fica dependurado no chambaril durante quarenta e oito horas, o que origina o enrijamento da carne, dentro da adega fria.

No dia da matança, a alimentação era bacalhoada, como prato principal, e bifes de fígado fritos.

Quando o porco é desmanchado, os presuntos vão para a salgadeira de madeira, dentro da adega, por cerca de um mês, preservados em sal, antes de irem para o fumeiro por cima da lareira, já barrados com alhos, colorau e vinho branco.

Depois do desmanchar de porco come-se febras fritas ou assadas na brasa.

Entretanto as mulheres lavam as tripas em água corrente e depois passam-nas em água quente; no dia seguinte enchem-nas com carne entremeada para chouriços que vão para o fumeiro; parte das tripas vai para vinha-d’alhos juntamente com os couratos.

Alguns dos couratos são comidos na altura assados na brasa.

Parte da carne é cortada para os rojões que são fritos com a própria banha em tachos de cobre, sobre trempes de ferro à lareira.

Depois de fritos metiam-se em púcaros de barro cobertos com a banha; após a solidificação da banha, cobria-se o púcaro com um pano de linho branco e sal por cima.

Os rojões duravam até ao verão e, às vezes, até quase à matança seguinte.

O resto do porco (pés, cabeça, lombos, etc.) ia para a salgadeira, para ser comido em cozidos ou assados, durante o ano [1]

Alguns preceitos máximos da agricultura antiga:

  • Mal vai o lavrador que não for criador.
  • Chuva miudinha e névoa aturada são pingue, alimento da terra lavada.
  • A melhor rega é a que vem do céu.
  • Mês de Janeiro ou Fevereiro ou enche ou vaza o celeiro.
  • Sem gado lanar, pouco hás-de medrar.
  • Encherás os teus celeiros, se tiveres bons lameiros.
  • Nunca esperes ter bons gados, se não tiveres bons prados.
  • Não é o que semeia que produz, é o que esterca.
  • Dia de S. Lourenço vai à vinha e enche o lenço.
  • Lavra, racha, monda o campo e esterca-o no S. Martinho.
  • Bom estrume e bom louvor trazem tudo que é um primor.
  • Qual o animal tal estrume: boi magro, estrume fraco; boi gordo, estrume grosso.
  • A vista dos donos aduba os campos.
  • Quem não tiver prados, pouco trigo colherá.
  • Tanto monta não ter gado, como tê-lo mal tratado.
  • Não desejes vastas terras que não possas cultivar.
  1. Adaptação de um texto de António Correia de Pinho, in A Voz de Cambra, Ano XXXIII, n.780, de 10 de Abril de 2004

Notas de rodapé

1As migas eram preparadas com água a ferver à qual se juntava pingue, sal, leite e pão duro. Por vezes, adicionava-se açúcar.
2Parva” queria dizer pequena (refeição)
3chambaril é um pau curvo com ressaltos nas pontas, pendurado num gancho existente na trave-mestra do tecto da adega e que trespassa os jarretes do animal.
4Actualmente o porco é chamuscado com maçarico.
5Nesta altura “fazia-se o cu” ao porco, expressão popular que consistia em enfiar um rolho de palha de centeio dobrada pelo ânus dentro, e que depois se rodava de modo a limpar os excrementos aí localizados. Ao rolho, por brincadeira, chamava-se “rojão da palha”. Posteriormente cortava-se à volta do ânus de modo a separar o intestino com o ânus do resto do corpo. Nessa zona o intestino era atado, para evitar a saída dos excrementos, sendo, de seguida, o ânus muito bem lavado.
6Estrutura rectangular feita com tábuas de madeira com dois varais nas extremidades, sobressaídos para a frente e para trás, agarrados pelas mãos para transporte de materiais, especialmente pedra e terra – ou mesmo a pulso.