por P. José António Martins de Pinho
Era assim em Castelões, nos anos 40.
A vida do linho é um martírio.
Semeia-se a linhaça em fins de Abril ou desde 9 de Maio a 24 de Junho.
Nascido, o linho torna-se verdejante; é regado, bem regado; assim os olhos com mágoas parecem irmãos do linho!
Crescido e criado, são convidadas as raparigas e rapazes para prosseguir à arrancada; estalam foguetes no ar, pairam no ar as cantigas, vinho no almude, pão no açafate, bandeira no ar.
– É para a frente, minha gente!
Seguem-se depois as ripadas, separando a baganha, que é levada para a eira e que, aos raios solares, abre e deixa sair a linhaça.
Entretanto o linho é alagado (mergulhado cerca de quinze dias na água corrente).
Arrancado da água, procede-se à seca com as estendidas no tendal.
Seco, o linho é escolhido e levado ao engenho (ou moinho do linho); em seguida é estriado e espadelado; nas espadeladas é que há que ver!
De noite, à luz frouxa do candeeiro, ou acetileno, juntam-se as meninas (em geral são rogadas as da arrancada) para a espadelada; dentro dos cortiços previamente as meninas se encarregam de colocar maçãs que, a seu tempo, os serandeiros, seus conversados, vindo dar a cheirar qualquer objecto perfumado, apanham metendo a mão no cortiço da namorada; e então, sentam-se por detrás delas, flartando à semi luz.
Depois, no fim das espadeladas, quando o uso convida, e não há mortes recentes na família, organiza-se o baile ou dança até às tantas.
Assim decorre. O linho, na sequência do seu tormento é sedado no cedeiro, dando a ‘stopa’ e o linho.
Fiado no fuso pelas mãos de velha, ou nova que começa a aprendizagem completa da antiga mulher portuguesa e palestinense, dá as massarocas que depois vão ao sarilho.
Feitas as meadas, colocadas em canas para empastar, vão às barrelas até branquearem; depois são massadas no lavadeiro, com o maço e expostas a corar, depois de cozidas nas panelas a desimborrar para sair a cinza.
Torcidas as meadas, secam e estão em termos de passarem para a dobadeira e ficarem em novelos.
Os novelos vão para a tecedeira e esta os gasta no tear.
Ali faz-se o pano-branco do linho e da ‘stopa’, ficando em peças.
Dos tomentos faz-se também a fiação que pode utilizar-se em pano de enxergões.
O pano de linho é mais fino, mais elegante e melhor.
O pano da stôpa fica mais grosseiro, mas um e outro pode ser trabalhado pela costureira.
A viola é de estopa, As cordas são de tomentos; O tocador que as toca, Tem os dedos bolarentos. Ah, se eu fora linho fino Que de mim fizessem renda, Andava nesse teu peito, Como jóias d'encomenda. Inda não é noute, Num é acabado o serão; Pelo girar do meu fuso, Bem sei as horas que são. Quem me dera ser o linho Que vós menina fiais; Que vos dera tanto beijo, Como vós no linho dais. Quem me dera verdizela Que anda na lançadeira! Que andava de mão em mão, Nos braços da tecedeira. Chamaste ó meu cabelo Dobadeira de dobar Eu também chamo ao teu, Sarilho de ensarilhar.
Do livro Cancioneiro Colectâneo de Castelões
(não publicado mas que pode ser lido e transferido neste espaço)