Qual a diferença entre carros de bois, carroça e carretel?
Já vamos ver.
Vale de Cambra produziu carros de bois. Foi em Arrifaninha, Codal.
Um grupo de alunos e professores descobriu onde se encontrava este último artesão do concelho, entrevistou-o e, tudo sobre carros de bois, foi publicado neste livro, que pode ser encontrado na Biblioteca Municipal.
Codal, Arrifaninha, 1980
Utilizado para o tráfego da produção agrícola entre o campo e a cidade ou daquele até aos pontos de ligação com a via férrea ou marítima, o carro de bois, outrora senhor das estradas, está actualmente em vias de extinção.
Devido ao avanço técnico, só é hoje utilizado pelo pequeno lavrador de poucos recursos e já são poucos os artesãos que se dedicam ao seu fabrico.
Disseram-nos que ele vivia para os lados de Arrifaninha (Vale de Cambra).
Depois de muito procurar lá o encontrámos sorridente, cheio de simplicidade, à porta da sua pequena e modesta oficina rodeado por alguns carros de bois, nos quais trabalhava.
– Boa tarde. O senhor é que é o Sr. José?
– Sou, sim.
– Está a trabalhar e viemos roubar-lhe o seu tempo; nós gostávamos que nos falasse um pouco sobre como começou a trabalhar nos carros de bois.
– Tinha eu 14 anos quando comecei a ajudar o meu pai até que já conseguia fazer tudo sozinho.
O meu pai, quando veio da tropa, tinha ele 13 anos, começou esta arte. Mas não foi ninguém que lhe ensinou. Ele via e foi fazendo.
Depois como eu já sabia fazer os carros sozinho, trabalhávamos os dois, cada qual no seu.
Ele está com 79 anos e já deixou de trabalhar há nove anos, porque está doente.
Eu trabalho agora sozinho, porque não sou casado e não tenho irmãos. São tudo mulheres.
– Lembra-se quanto custavam os carros de bois, na altura em que tinha 14 anos?
– Se não estou mal lembrado, o meu pai vendia-os a 400$00. Agora, santo Deus!, já custa um carro completo 13 contos.
– Que tempo demora a fazer um carro?
– “É consante der”. Aí uns cinco dias.
– Só faz um tipo de carro?
– Não. Faço carros de bois, carroças e carretel.
As rodas são de carvalho ou sobreiro e têm um metro de diâmetro.
São constituídas por três partes de larguras mais ou menos iguais.
O miul, parte principal e duas cambas. A ligação das três peças é feita pela recha e pelas meias-luas.
No centro para encaixe do eixo existe o olhal. E em volta o aro de ferro.
O chedeiro é feito em madeira de pinho.
É constituído por quatro pranchas, duas mais largas, ao meio, e duas mais estreitas nos lados, que estão assentes sobre as cadeias, quatro travessas horizontais de madeira de carvalho.
As pranchas dos lados são sobrepostas pelas chedas, travessas boleadas na parte voltada para o interior do carro.
Nas chedas, abrem-se quatro orifícios onde se põem os fueiros.
Por baixo do chedeiro, nas chedas, fica a cantadoira onde se fixam os cocões para prender o eixo.
Pronto e já está tudo. Perceberam bem?
– Sim, percebemos.
– São professores em S. João da Madeira?
– Somos sim. No ciclo preparatório.
– Os senhores para onde vão agora?
– Vamos aos rodízios, a um artesão que nos indicaram.
– Ah! Olhe, sabe, há um aqui pertinho, é em Azagães, que faz rodízios para os moinhos. Não é isso que vocês querem?
– Como é que os senhores sabiam que eu trabalhava aqui?
– Foi uma senhora que encontrámos em Cesar que nos indicou.
– Ah, pois. Eu faço muitos carros para lá e também para Arouca, Vale de Cambra, Canedo e Sever do Vouga. Vêm encomendar os carros e eu não dou vazão a eles.
– Foram sempre assim os carros de bois?
– Sim. Só as rodas é que não. Antigamente, as rodas dos carros eram de eixos presos e os aros das rodas pregados a pregos.
Mas como havia um desgaste muito grande nas estradas provocado pelos pregos, as autoridades não deixavam os carros circularem e teve-se que passar para aro liso.
– Quais as ferramentas que utiliza?
– Não são muitas: o trado para furar; o vandame para limpar o furo e escavar; o maço para bater; a enxó para “descavar” a roda; a plaina para aplainar; o machado para desengrossar a roda, a garlopa para aplainar a madeira comprida e grossa, o compasso para riscar; o esquadro para «esquadrejar» e a régua para alinhar.
– Que madeira usa na construção do carro?
– Sobreiro ou carvalho e no eixo eucalipto.
– Quer explicar-nos, agora, como faz e que partes constituem o carro de bois?
Dirigindo-se para o interior da oficina, o Sr. José volta pouco depois trazendo consigo uma tábua, um lápis, uma régua e um compasso.
– Eu vou desenhar aqui na tábua como faço, que assim é mais fácil para mim e vocês percebem melhor.
Um carro de bois é assim: