A moagem do milho

Adolfo Coutinho

por Adolfo Coutinho

Nota: Ao fundo as partes que constituem um moinho

Na minha juventude (anos 50/60 do sec. XX) havia em funcionamento, ao longo do Rio Moscoso, vários moinhos de água, em regime de copropriedade e de uso comunitário.

A propriedade e utilização do nosso moinho, eram repartidas pelas casas da Cavada, Bacêlo e Casais.

No dia que nos era destinado, meu pai carregava um saco de milho às costas e ia pôr a moer, logo depois da ceia.

Chegado ao moinho, despejava o milho na moega, abria o pejadouro para que a água saída da seteira do cubo fosse bater nas penas do rodízio que transmitia o movimento rotativo à mó superior.

Regulava a saída do milho da moega para a quelha, onde os grãos deslizavam, graças à tremura produzida pelo saltitar da taramela sobre a face superior rugosa da de cima.

Guiados por uma espécie de funil, os grãos caíam, espaçadamente, na segurelha, através do olho da mó de cima.

Da segurelha deslizavam para a mó de baixo, que era fixa. Um maior ou menor espaço entre as duas mós, regulado pelo aliviadouro, fazia com que a farinha moída saísse mais ou menos fina.

Por volta da meia-noite voltava ao moinho, com mais algum milho, verificava que tudo estivesse em ordem, retirava algumas folhas presas nas verguinhas da grade que protegia a entrada da conduta de água para o cubo e, no regresso a casa, aproveitava para trazer ao ombro uma sacada de farinha, num fole de cabrito curtido para esse efeito.

De manhã bem cedo, antes que o sol espreitasse por cima dos montes do Areal e da Carreirinha, era preciso voltar ao moinho, apanhar toda a farinha, recolher o milho que não fora moído, limpar muito bem as mós, varrer o tremunhado e deixar a chave metida num buraco da parede, sobre a porta, para o próximo consorte.

A farinha para fazer a broa era mais fina, feita de milho de primeira escolha. Na loja, era guardada numa caixa própria, mais arejada para não ganhar saibo (saibro).

Para a baldada dos porcos e para a lavagem das vacas, usava-se já uma farinha mais grossa. Por alturas da matança do porco, meu pai moía uma farinha grossa mas de primeira qualidade, usada para fazer as papas de carolo.

De vez em quando e no fim da moagem normal, meu pai preparava o moinho para moer farinha de centeio ou trigo, usada para fazer o pão de centeio, para preparar uma espécie de cola com que se tapavam os tonéis por altura das vindimas, para fazer a mistura trigo-milho para as sêmeas, ou simplesmente para polvilhar as escudelas e a pá de madeira com que se tendia a massa e metiam as broas ao forno.

Algumas vezes, também, a mó de cima era aliviada, para moer uma mistura de grainha de uvas (trazida do Alambique de Entre Pontes) e restos dos carolos.

A farinha escura assim obtida era usada para preparar a lavagem das vacas.

Texto de Adolfo Coutinho, inserido no meu livro “Memórias”, editado em 2017.

Partes de um moinho:

Partes de um moinho

Uma curiosidade sobre a farinha de Vale de Cambra

Numa entrevista da Voz de Cambra, à cientista valecambrense Isa Monteiro, é relatado um encontro com o Dr. Manuel Luciano, nos Estados Unidos.

O Doutor Manuel Luciano sempre gostou de me propor desafios. Lembro-me, por exemplo, de numa das correspondência que trocamos, me ter desafiado […] e que tenho muita pena de não poder discutir os resultados com ele, consistia em analisar ao microscópio o tamanho das farinhas produzidas por moagem tradicional na região de Vale de Cambra.

A ideia do Dr. Manuel Luciano era que as farinhas produzidas em moinhos de água e de vento têm um valor alimentício, que não existe nas farinhas refinadas, sendo estas última maléficas para a saúde.

Espero conseguir concluir este estudo, com análise em microscopia de varrimento e partilhar as conclusões desta pesquisa, como era intenção do Dr. Manuel Luciano.

A entrevista na íntegra pode ser lida aqui.