O sorriso dos teus olhos tristes


Cai sobre mim o amputado sorriso dos olhos tristes numa
altura em que os corpos não bailam e as crianças já não são
crianças

Não sei se me ouves e se me ouves não sei se entendes a
arritmia do ventre das nuvens onde não entra o sol e se
entra é o sol antigo dos olhos inteiros

Cerrado no grito que se não solta aqueço na sombra da
memória as lágrimas frias tecendo de ternura a força
quebrada que liga o sonho aos destroços da madrugada

O pão largo do teu corpo teima em não voltar para dentro de
mim como se o nada fosse o palácio das esperanças todas

O amor é por vontade minha e meu silêncio mas o sorriso
dos olhos tristes acende a toda a hora a primavera

Confundimos a paixão com jornada de lágrimas e risos e
suspiros e delírio onde a aurora desponta e onde começa a
morrer o manso regato do bosque sombrio

Trocámos inconscientemente a água pura fugidia sinuosa
por rectilíneas fábricas de vento e eu fiz do vento o hálito da
minha boca estranha aliança entre o vinho e o génio entre o
altar e o chão

Mesmo assim o sorriso dos olhos tristes renasce sempre
num rio de pranto e corre e salta pelos campos em direcção
à cabana onde ainda guardo o mel para as tuas feridas