O meu poema azul


O meu poema azul
Adão Cruz

Não sei fazer uma rosa nem me interessa 
não sei descer à cidade cantando nem é grande a pena minha.

Não sei comer do prato dos outros nem quero 
não sei parar o fluir dos dias e das noites e nem isso me apoquenta.

Não sei recriar o brilho do poema azul…
e isso dá-me vontade de morrer.

Procuro para além das sílabas e dos versos 
a voz poderosa mais vizinha do silêncio 
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha 
no breve silêncio do perfume do alecrim 
lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto 
junto ao rio dos teus olhos 
onde a vida se faz poema 
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia.

Procuro para lá das sílabas e dos versos 
encontrar meu barco à entrada do mar 
onde repousa teu corpo entre algas e maresia 
meu amor perdido num campo de violetas.

O meu poema é tudo isto que me vive e que me ilude 
que me prende ao lugar azul que procuro dia e noite 
por entre os versos do meu ser.

O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu 
não tem asas nem olhos nem sentimento 
que o traga um dia o vento se vento houver 
que a saudade o encontre onde ele estiver.

Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera 
mas tão alto não chego 
mais à mão molho a minha camisa primaveril 
no regato cristalino que vai correndo por entre os dedos 
num solo de cores e violino.

Não sei colher uma rosa nem sei descer à cidade cantando
sou apenas aquele que ontem dormia sobre um poema azul 
e das asas da ilusão se desprendia.

Sou aquele que ontem se despia nos braços do poema que vivia 
sou aquele que ontem habitava em silêncio 
o poema azul que acontecia 
sou aquele que ontem sonhou em vão…
com o poema azul de mais um dia.