Não sei fazer uma rosa nem me interessa
não sei descer à cidade cantando nem é grande a pena minha.
Não sei comer do prato dos outros nem quero
não sei parar o fluir dos dias e das noites e nem isso me apoquenta.
Não sei recriar o brilho do poema azul…
e isso dá-me vontade de morrer.
Procuro para além das sílabas e dos versos
a voz poderosa mais vizinha do silêncio
o meu poema azul…
o suspiro de Outono onde a brisa se aninha
no breve silêncio do perfume do alecrim
lugar das palavras e dos versos no caminho do teu rosto
junto ao rio dos teus olhos
onde a vida se faz poema
e o mar se deita nos lençóis de luz do fim do dia.
Procuro para lá das sílabas e dos versos
encontrar meu barco à entrada do mar
onde repousa teu corpo entre algas e maresia
meu amor perdido num campo de violetas.
O meu poema é tudo isto que me vive e que me ilude
que me prende ao lugar azul que procuro dia e noite
por entre os versos do meu ser.
O poema mais lindo da minha vida ainda não nasceu
não tem asas nem olhos nem sentimento
que o traga um dia o vento se vento houver
que a saudade o encontre onde ele estiver.
Dizem que no cimo dos pinheiros ainda é primavera
mas tão alto não chego
mais à mão molho a minha camisa primaveril
no regato cristalino que vai correndo por entre os dedos
num solo de cores e violino.
Não sei colher uma rosa nem sei descer à cidade cantando
sou apenas aquele que ontem dormia sobre um poema azul
e das asas da ilusão se desprendia.
Sou aquele que ontem se despia nos braços do poema que vivia
sou aquele que ontem habitava em silêncio
o poema azul que acontecia
sou aquele que ontem sonhou em vão…
com o poema azul de mais um dia.