Na senda do poema azul


Cruzaram as portas correram os campos das árvores
novas e os olhos de trabalhar não cederam ao sono nem
triangularam o medo nem cavaram rugas no solo imponente
das alamedas sombreadas de tílias
Nesse dia demorou um pouco mais o beijo que ele
habitualmente depunha na sua face sedosa e apertou-a
levemente contra o peito era uma mulher cheia de ternura e
singularmente bela uma daquelas belezas que roubam tudo
o que se é no curto instante em que os olhos se cruzam
Não se erguem pedestais de peso vazio nem mulheres de
vitrina são granito de amor ou seara ondulante que o vento
não quebra ou lágrima doce de criança com cheiro a alecrim
Anos mais tarde abraçou-a longamente e apertou-a fortemente
tentando beijá-la mas ela cruzou o dedo sobre os seus lábios
De ambos era apenas a poesia seu único elo de ligação
Força centenária nunca inventada criada dia a dia na
cultura do percurso na perenidade do ser na alegria
renascida da memória revisitada sem mágoa num espelho
de lágrimas pode um dia o amor renascer e ganhar flor na
miragem do deserto
Tempos depois beijou-a sofregamente e disse que tinha de
fazer amor com ela pois morreria se tal não acontecesse Nem
pense não porque também o não desejasse ardentemente
mas não conseguia ultrapassar a barreira que a impedia
Não… não eram os vinte anos a menos mas o ser casada
Na posse de um presente incerto de nada valem carismas de
futuro nem linguagem detergente nem jogos de vitrina nem
letras ficcionais de reinvento externo encenando convulsas
narrativas de amor eterno
Um dia ela veio
Veio firme e decidida
Os cabelos caídos a beleza amadurecida pela idade e por um
lindo rosto ardendo de fogo beijou-o suavemente na testa
roçou os lábios pelos seus e espetou o dedo indicador no sítio
onde o beijara avisando com firmeza A primeira e última vez
nunca mais
O amor naturalmente estético não faz profecias nem confere
paradigmas de futuro nas assimetrias das almas o amor
triunfa na força de ser fraco na doçura decisória do dilema
na transparência da lágrima na equação matemática da
razão que reduz harmoniosamente o tempo e o espaço a uma
alma louca de paixão
Sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés e começou a voar
estonteado pelos céus vibrantes da emoção quando ela
começou delicadamente a despir-se abraçou-a pela cintura
como chama escaldante e os dois ajoelharam num fino
tremor que lhes atravessava o corpo como prenúncio de
terramoto ela apertou-lhe a face entre as mãos e colou a sua
boca à dele numa avidez devoradora abriu as entranhas
num vulcão de lume e a um passo do céu sentiram um novo
tempo a eternizar a vida
Uma hora depois seus corpos jaziam abraçados no chão
envoltos num pegajoso manto de suor um sorriso doce
caía dos olhos semicerrados e dos lábios ligeiramente
entreabertos dessa eterna imagem que nunca mais haveria
de libertar-se do Poema Azul onde a luz de sempre que a
noite amanhece muda o espaço inverte o tempo descobre o
sonho e no mais fundo do ser a dimensão aparece
Uma hora mais até que os corpos se descolassem e uma
profunda tristeza começasse lentamente a invadir-lhe
a alma à medida que o sangue arrefecia e o coração
insistentemente repetia Nunca mais nunca mais
Voltou a vê-la dois anos depois num cruzar de olhos e quatro
anos depois quando ela lhe ofereceu a face e um sorriso onde
umas finas rugas se inscreviam e diziam Nunca mais