Já não entendo este mundo


Não entendo este mundo moribundo este mundo escuro
nascido sem sol e sem luar já não entendo esta onda de
sismos e cifrões esta dor de milhões de cabeças rolando
como esferas para o fundo dos abismos
Não entendo este mundo dilacerado e sem vida já não
aguento este frio de quatro paredes este jogo perdido no
vazio cemitério da história este profundo alarido este
diabólico mistério de morte concebido esta vida sem sentido
a que chama mercado e democracia a argentária escória
Não entendo este mundo de olhos vendados com barras de
ferro este silêncio absorto e abstracto no assalto impune a
soberanas nações este mundo de vidas e almas sem direitos
nem justiça este mar de sangue escorrendo pelas garras dos
algozes este rasgar de corações este martírio dolorosamente
tatuado na pele dos inocentes por tanques e aviões
Não entendo este mundo constantemente ameaçado
por mísseis e canhões já não entendo tantas metástases
do cancro da guerra este perigo sistémico diariamente
arquitectado esta inelutável evolução para a desordem
suprema e já não sou capaz de aguentar o peso
desproporcionado do crime chamado superlucro brilhando
como a luz do inferno na ponta dos punhais
Não entendo este mundo escorraçado para as bermas da
fome por esta infame corrida central para um inglório
podium por entre as malhas da ganância enlouquecida
neste imparável caminho do caos e da fatalidade desta
ensanguentada bandeira erguida para o nada este constante
apunhalar da liberdade
Não entendo este mundo apodrecido já não entendo a secura
do grande rio da esperança já não acredito no sonho do
poeta quando subiu a colina para admirar o céu povoado
e o céu desabou quando foram abarcados esses mundos
de conhecimento e prazer e o céu desabou no místico
obscurantismo da mente e da razão e a poesia morreu
devorada pela globalização da morte e da destruição