Magnífica surpresa nesta saga de poetas para as cinzas
nocturnas
Há um labirinto de -ismos que se entrecruzam de pontes
sobre um rio seco ou rio desviado para lá de mim lago de
silêncio com a cidade ao longe regateando simbolismos de
esferas ocas semeadas pelo parque monumental parque de
outros -ismos já mortos à espera de uma ressurreição sob
o reflexo de mil janelas empoleiradas nos altos muros da
cidade virtual em serena ode à quietude universal
Ali na esquina há fumo branco e o estribilho feroz de
um surrealismo macabro de um débil concretismo
experimentalista hermeticamente grosseiro gritando aos
ares habemus pacem
Na deserta anatomia do silêncio onde outrora a poesia
já morou grita bem alto o histórico fóssil da verdade em
pedaços de vida fumegante e monstruosas resmas de
páginas em silêncio montanhas de nomes a apodrecer entre
escombros de pensamentos que embrulharam a consciência
adormecida durante séculos inglórios sufocos de ar
emoldurados de paz e de vida
Lida a vida a vida inteira em semânticas fraudes
simbolísticas este atalho de fim de mundo nada encurta e
tudo alonga
Verdadeiro a correr e a cantar esgueirando pela rua a frágil
seara do corpo só o paraplégico fazendo cavalo na cadeira
de rodas verdadeiro apenas aquele gajo sujo de vanguardas
audazes colado à soleira numa caixa de cartão mostrando os
dentes que não tem em arremedo de sorriso de ilusão
Por isso o poeta é um descalabro à procura de se erguer nem
sequer é um fingidor enrodilhado em sublime consciente
atrofiado
O poeta é uma merda
Cada vez mais me enjoam os poetas na sua ambiguidade de
tempo e espaço no vazio da sua mentirosa e teatral ausência
Abrandado o tempo na escassez da vida nem da vida o poeta
se dá conta
O poeta é um cego com ares de quem tudo vê o poeta é
ridículo inventa céus que não existem engolindo patéticos
peregrinos nos buracos negros das palavras
Diz aquilo que ninguém entende para mostrar o que não
sabe fecha os versos no escuro como se branca fosse a noite
inteira
O poeta finge que diz o que mente naquilo que não vê
o poeta ingénuo chama-lhe deslumbramento criativo
contemporâneo cuspindo para o lado a lógica discursiva da
normalidade sintáctica
Não sabe que à volta do fumo se juntam quatro caminhos
ainda que nenhum deles tenha princípio ou fim e há um
atalho de fé sem madrugada sobre as areias movediças da
maldição onde inexoravelmente se afogam a mente e a razão
Entre a apriorística rejeição dos ismos como bandeiras de
vazio e a sublime depuração da beleza exaltante da poesia
eternamente perdido entre o silêncio e a palavra o poeta não
passa de um dilema
Por mais agudo que seja o grito da verdade se ele não traduz
a alma e a força da existência não há verdade na essência do
poema