Foi‑se o encanto


Muito difícil é desembarcar digo eu que nunca fui
marinheiro

Não consigo acostar o barco

Há sempre uma onda e outra e depois outra mesmo que o
mar esteja manso ou se é da terra ou se é do mar

No dia em que eu voltar e vir a figueira com figos e a erva
a crescer no merujo reluzente de prata das noites de luar
no dia em que eu voltar vestido de ilusão a olhar o mar e
acreditar nesse dia não chames por mim

Mata-me a memória e a história não deixes que viva uma
hora descrente

São duras as horas e os minutos das palavras descrentes
indiferentes alheias adiáforas frias incuriosas vazias

Uma espécie de árvore seca sem frutos nem sementes um
vento áspero que perpassa por entre os dedos dormentes

Na cegueira dos olhos sumidos de chorar sem lágrimas a
noite dos segredos não há coisa mais triste do que olhar a
chávena vazia sem palavras

Foi-se o encanto e a poesia não passa de um saquinho de
açúcar rasgado sobre a mesa do café desabitado