Na recordação das canções antigas veste-se meu coração das
verdes folhas do desejo e entoa na fragrância dos campos a
melodia dos olhos pendurados na profundidade do céu
Na sombra da figueira diz-me adeus o sol em acenos de
azul e violeta por entre os ramos e os sons de uma flauta
de lábios doces que por ali poisou entre sonhos infinitos do
lusco-fusco
As primeiras chuvas do verão humedecem como lágrimas
as palavras ditas e não ditas no silêncio dos caminhos
perfumados de terra e folhas molhadas
E nada se reconhece na lembrança muda das tardes que
para sempre morreram mas os passos ecoam em silêncio por
entre os pés das oliveiras onde outrora floriram mil risos de
criança
Que fez de mim este crepúsculo azul como flecha espetada
no vento ferindo de morte toda a vida de meu sonho-menino
Onde está a pedra que se fez montanha o regato que se fez
rio a tripla chama infinita da vida luz e verdade que se
apagou na alma nua quando sagradas selvas e misteriosas
crenças de punhal à cinta quiseram que fosse santa
Meu coração peregrino de seu perdido tesouro entre o sol
e as desgarradas nuvens de infinitos céus ainda hoje se
arrasta entre a razão e o abismo em pálido reflexo de ouro
para ser criança na hora de partir