AntiDeuteronómio I


A cidade está deserta por dentro e por fora de nós começa
a não haver vivalma neste lusco-fusco brumoso neste
irracional azul de um céu de chumbo nesta descrença de
manhãs de sonho em bicéfalas e bárbaras bandeiras de um
mundo informe e medonho
Seguir em frente no deserto do fim do dia dilatar a
esperança até que raie a claridade no ventre da manhã de
fogo e sangue entrar na vereda enlameada e fria dos homens
de aço sem perfil e sem destino virar na esquina sem luz da
esperança perdida no contra-senso divino… ou voltar para
lugar algum
Como seria bom continuar eternamente o caminho que
nascendo dentro de nós em fio de regato cristalino se perde
ingloriamente à flor da pele
Assim que for dia se dia chegar a ser nesta aparência de
paisagem não podemos deixar que a nuvem negra sombria
e a negra miragem venha toldar a aurora da razão e semear
ruínas no coração apodrecido das nações e no cérebro
corrompido por obscenas falas armas e cifrões de imperiais
e acéfalos patrões
Se libertarmos da nuvem negra a aurora da nossa
interrogação se impedirmos a negra nuvem de apagar a luz
da inquietação na incontornável unidade do pensamento e
da razão o poema incendiará as asas do vento e queimará as
garras dos abutres devolvendo à humanidade algum alento
A terra engolirá os exércitos genocidas que à sombra da
nuvem negra de deuteronómicos evangelhos a ferro e
fogo se empanturram de vidas e se embebedam de sangue
para glória do Senhor dos Exércitos… e jamais haverá
Deuteronómio que resista por mais petróleo que na terra
exista
E jamais a exaltação da santidade estará na morte e nas
cinzas da cidade
E não haverá espinhos nos olhos e aguilhões nos flancos da
vida…e não haverá armas de destruição maciça no coração
das mães dos filhos exterminados
Na diáfana manhã de um novo dia apenas a plangente
harmonia de um Stabat Mater