A um grande amigo


Apenas dois raios da frouxa luz do crepúsculo penetram
na janela e atravessam a sala bordejando timidamente a
penumbra e tocando de leve brilho os sapatos negros
No além do quarto para lá da porta a densa quietude da paz
e do silêncio
Sobre a cama um corpo sem dobras estendido de cima a
baixo
Nem uma vela nem uma flor nem uma renda
O mesmo leito onde dormiu os sonos temporários
O mesmo leito onde o sono temporário se fez definitivo
A nudez física de singelo pudor enfiada num longo e magro
fato preto
A nudez da vida despida de mentira vaidades e impurezas
A nudez da morte limpa de crenças e fantasias
A nudez da vida e da morte abraçadas por fim no esquálido
encontro de um corpo que foi gente
Gente que a gente não gosta de ver partir por ser rara
Por ser um verso do Universo ou simples protão mas
daqueles que deixam na sua órbita um rasto de luz e
dignidade