A luz do sol era azul…lembro-me como se fosse hoje a luz
azul azulava os claustros as caras e o sentir
Imaterial pálida e fria
As grandes janelas filtravam a luz azul que entrava dentro
de nós como chuva miudinha
Pela vida fora senti sempre um arrepio ao recordar essa luz
azul e fria
As batinas negras dos jesuítas eram azuis e frias… frias e
azuis como os olhos a alma e a sombra
A alma não era nessa altura apenas designação académica
por isso ela punha os braços de fora e estrangulava a minha
frágil personalidade de adolescente sem sexo nem liberdade
Se Deus existisse e fosse justo teria poupado Ignacio de
Loyola à mística cristocêntrica e ter-lhe-ia dado Catarina ou
Germana ou Leonor
Se Deus existisse e fosse humano teria posto A Freira no
Subterrâneo dentro da pureza dos meus lençóis aquecidos de
saudade e vazio azul e frio
A saudade excitava-me vivia-me de dia e adormecia-me de
noite
Saudade do Caminho Novo da minha fogueira quente e
vermelha do meu sol vermelho e quente do meu campo do
meu rio da minha noite de estrelas e luar
A luz azul e fria reacendeu-se ao fim de quase meio século e
eu tive medo
A imposição do azul desfaz as formas e os sons e remete para
a cidade da morte
Discordo de Kandinsky no movimento do azul para o
infinito solene e metafísico a caminho da eternidade
tranquila
A culpa foi daquela luz azul e fria
O medo do azul abre as portas do inferno e mostra lá dentro
a coragem a arder
Sem coragem não há saudade último reduto da liberdade
Coragem liberdade saudade inverteram as horas e perderam
o tempo
Correm agora fora das veias à velocidade de uma luz fria e
azul azul e fria