Romance – XIII

Romance – XIII

Romance

Mandamentos do grilo

Os mandamentos do grilo
São d’amar e aprender;
Uma carta te escrevi,
Com pena de te não ver.

– Essa carta, meu amor,
Inda me cá num chegou;
Se me queres alguma coisa,
Fala-me que aqui stou.

– Eu bem sei que stás aí,
Sisudinha, bem profeita;
Eu já não vou desta terra,
Sem tu seres minha sujeita.

– Sua sujeita não sou,
Que num é meu pai contente
De eu ficar nesta terra,
Defamada para sempre.

– Ó menina, não s’assuste,
Num é caso d’assustar;
Se eu a meter em fama,
De fama a quero tirar.

– Eu a fama num na temo,
Mas ela me pode vir;
Fale baixo, num acorde
O meu pai que stá dormir.

– Tanto m’importa c’aorde,
Que m’deixe d’acordar;
S’acordar e eu aqui,
Meu sogro hei-de chamar.

– Sogro seu, inda tem tempo,
E também ocasião;
Num preguntei, ó mancebo,
Pela sua geração.

– Minha geração é boa,
É melhor de Portugal;
Somos filhos da Senhora
E ela nos há-de ajudar.

– Ou im labor do Senhor,
Ou da Senhora da Guia,
Diga lá senhor mancebo,
Aqui bem por sua bia.

– Somos filhos da Senhora,
Mais da Senhora da Bia;
Num preguntei à menina
S’aqui bim por sua bia.

– Pela bia que aqui tenho,
Já lhe digo na verdade;
Venho aqui passar tempo,
São coisas da mocidade.

Por sua bia num bim,
A menina bem o sabe;
Venho rir e passar tempo,
São coisas da mocidade.

– Ora compre-me um bestido,
Com tenção de me manter;
Antes qu’ele seja de burel,
De burel o quero trazer.

– De burel num há-de ser,
Que é o trajo dos pastores;
Há-de ser de primavera,
Que é o trajo dos amores.

– Primavera, primavera,
Primavera de mil cores;
Que vale ser de primavera
E dever ós mercadores?

– Pregunta às lojas do Porto
E também às de Lamego;
Perguntós herdeiros todos
Cais é coisa que l’eu debo.

– A resposta stá bem dada,
Ó magano, bem na destes;
Se num sabes o caminho,
Volta por onde viestes.

– O caminho por onde eu vim,
Eu bem no vejo daqui;
Inda spero de labor
Rosa branca ao pé de mim.

– Diga lá quanto l’eu devo,
Já que stá tão persuída;
Eu vou pra donde eu quero,
Ninguém tem nada comigo;
A sujeitar-me a mulheres,
Só se fosse por castigo.

– Já me chamas a castigo,
Depois de star castigada?
Quando eu era um anjo,
Por você me chamava,
Nem tinha tantos defeitos,
Nem era tão desprezada.

– Os tempos também se mudam,
Num há bem que sempre dure;
Num stou prá’turar mulheres,
Quem nas tem que as ature.

– Dizes que não aturas mulheres,
Talvez tenhas que aturar;
E o povo fala de mim,
E agora me vou queixar.

– Queixa-te quando quiseres,
A mim não me dás cuidado;
Descobres a tua vida,
Não tiras bom resultado
E a maior pena qu’eu tenho
É de te num ter defamado.

– Agora queres encobrir
Coisas que num pode ser;
E o povo fala de mim,
E a barriga stá crescer;
Quando meu pai o souber,
Não sei onde m’esconder.

– Esconde-te mesmo em casa,
Que um bom pai tudo esquece;
Por tempo tudo escurece;
Não é a primeira filha,
Que tais trabalhos lh’acontece.

– Num é por um pai qu’eu tenho
Por um homem rigoroso,
Alimado por bons amigos
Antes eu quero morrer,
C’achegar-lhe ós ouvidos.

… … … … … … … …

Se me num arreceberes
Atiro-me da ponte abaixo.

– Num t’atires da ponte abaixo
Que isso é grande altura;
Do dito para o fazer,
Muda muito de figura.
Num é preciso morrer
De tão alta sepultura.

– Ai cuidas que num no faço?
Sempre t’ás-de enganar;
Deixo escrito nos papéis,
Só a ti hão-de culpar.

– Casemo-nos, amor, casemo-nos;
Já está tudo combinado;
Tens o pai pra dar ao filho,
No dia do baptizado.

E ficou tudo animado.

1947