Ó filha diz-me o que tens
Que andas tão incomodada
Tens um pai que te dá tudo
Nunca lhe disseste nada?!
– Meu pai, eu ando doente
É toda a minha tristeza;
A doença tira a cor
E a vontade de ir pra mesa.
Num sei o que sinto em mim,
Pra lhe falar com franqueza.
– Eu mando chamar o doutor
Para seres examinada?
– Mande o papá chamar o médico,
Qu’eu praí não digo nada.
Nunca tive fé com médicos,
É gente que tenho medo;
Pode-me dar um remédio
Qu’inda me mate mais cedo.
– O doutor é um bom homem,
Não mostra ser exigente,
Tem umas falas tão doces
Caté faz bem ao doente;
E promete em que melhorando,
De que vais visitá-lo sempre.
O médico chegou e disse:
– Olá, meu amigo, quem está
Por cá doente?
Assim que tive o recado
Partir logo de repente.
O amigo ‘stá gordo e fero
Tem uma cor excelente.
Responde o velhote:
– É minha filha, doutor,
Que anda muito incomodada;
Sofre há mais de quatro meses,
Segundo diz a criada;
Não come, não vai pra mesa,
Parece-me tão inchada!
– Vamos consultá-la já
Não há tempo a perder;
Hei-de empregar a ciência
E cumprir o meu dever;
Mas as moléstias desta idade
São sempre ruins de combater.
Ele entrou para dentro
E diz-lhe: – Ó filha!?
– Ai, senhor doutor,
Ando mesmo a morrer!
Faz favor de me dizer
Que doença vem a ser!
– Pergunta qual a doença?
Sabe melhor do ca mim!
Quem comia dessa fruta
Não gosta de coisa ruim!!
– Então logo que sabe de tudo,
Também não quero negar;
Não quero que o meu pai saiba,
Peça-me o que desejar,
Ou em solteira ou casada,
Eu prometo de pagar.
– Encubra como puder,
Qu’eu por mim, não digo nada,
Mas veja o que me promete,
Fica comigo empenhada:
Promete de me pagar
Estando mais desinchada.
O doutor saiu e o velhote diz:
– Atão, doutor, e a pequena escapará?
Palpita-me o coração,
Alguma malícia será?
Seja franco pra comigo,
Pois que moléstia será?
– É influenza, meu velho,
Que a pôs naquele estado;
Eu hoje não demoro mais,
Que ando muito ocupado;
Juro dar-te um remédio
Que dará bom resultado.
Adeus, vou-me embora,
Daqui por três meses
Está ela de perigo fora.
Paria.
João Maria Soares Casimiro, meu avô. Ossela, Abril de 1947