Romance – IX(a)

Romance – IX(a)

Variante do Romance de Carlota e Ernesto, mas mais completo.

Carlota e Ernesto

É uma história bem triste
A história que vou contar
E queira Deus que ela possa
Meus leitores acautelar.

Reza num ‘scrito de d’aldeia (ou Era uma escritura d’aldeia)
Não sei como se chamava
Que um rapaz da Índia
certa moça namorava.

Tinha-lhe amor tão sincero
Como não vi outro igual;
Até que nas suas falas
Sempre lhe fora leal.

Mas como era pobre, um dia,
Zombando da sorte vil,
Lembrou-se o moço, coitado,
De embarcar para o Brasil.

Foi ter com a namorada,
Seu projecto lhe contou,
E com lágrimas nos olhos
Desta sorte lhe falou:

Deixar-te, enfim, é custoso
Anjo do meu coração
Mas juro que t’hei-de amar
Com a maior afeição.

Nem as grandezas do mar,
Nem a ausência e o seu rigor
Me podem tirar do peito
Este puro e santo amor.

Trabalharei com vontade
Pede a Deus pra me ajudar,
Que eu daqui a quatro anos
Contigo virei casar.

Quero ausentar-me e não posso
Oh! que sorte tão cruel!
Juras-me por tua alma
De me seres sempre fiel?

Juro, sim, por minha alma
E por minha salvação
Que a mais ninguém neste mundo
Eu darei meu coração.

Por mim, mesmo que tu morras
(É um golpe tormentoso),
Juro por Deus que nos ouve
Que não quero outro esposo.

É uma coisa tão sagrada
O amor que, se eu o trair,
O teu espectro da campa,
Cá me venha perseguir.

Se algum dia por meus pecados,
Eu esta jura quebrar
A ventura sobre a terra
Nunca a possa eu gozar.

Agora vou sossegado,
Nada tenho que temer;
Um do outro nós seremos
Mesmo depois de morrer.

Abraçaram-se os amantes
A lua lágrimas viu;
No dia seguinte o Ernesto
Pra longes terras partiu.

… … … … … … … …

Passados eram três meses
Quando na aldeia constou
Que o pobre Ernesto morrera
Logo que ao Brasil chegou.

Carlota assim que o soube,
Amargamente chorou
E negro, pesado luto,
No mesmo dia botou.

Todos os rapazes da aldeia
De Carlota gostavam;
Todos aqueles que podiam
Casamento lhe falavam.

Ela a todos respondia
Que a mão terrível da sorte
Só lhe dava por esposo
A negra imagem da morte.

Mas um dia um lindo moço
Ante os olhos lhe apareceu;
Carlota assim que o viu
A sua jura esqueceu.

Dirigiu-se o moço a ela
Casamento lhe falou
E a moça convencida
Casamento lhe aceitou.

Deitaram-se logo os banhos
E tudo se preparava
Pra festejar a donzela
Que com outro se casava.

Foi já noiva prá igreja
Com rosto alegre e risonho,
Porém, junto do altar,
Lá viu um espectro medonho.

Então à lembrança lhe veio
A sua jura quebrada
E soltando um grande grito
Caiu no chão desmaiada.

Em braços a desgraçada
Da moça, foi conduzida
O noivo dela fugiu
Por vê-la quase sem vida.

Quase três horas esteve
Sem sentidos a donzela;
Quando ela veio a si
Viu Ernesto junto dela.

Mulher, disseste e juraste
De me seres sempre fiel
A tua jura quebraste,
Amante infame e cruel!

Eu não morri, estou vivo,
E graças darei à sorte;
Pela tua falsidade
Aborreço-te de morte!

Carlota em longos gemidos
Caiu na eterna agonia
E passadas duas horas
Entre lágrimas morria.

Ernesto fez testamento
E tudo aos pobres deixou;
A ver enterrar Carlota
Com um tiro se matou.

É uma história bem triste
A destes pobres amantes
Amantes que fazem juras
Juras de serem constantes.

Ouvida a Manuel Casimiro, Ossela, 31 de Dezembro de 1947