Tradições do lugar de Viadal

Tradições do lugar de Viadal
Manuel de Almeida

1.  INTRODUÇÃO

Ao longo de vários anos (1991 a 1996) o Jornal Paroquial de Cepelos “Ecos do Povo” publicou, baseado em estudo da nossa autoria, datado de 1984, a Monografia de Viadal.  

Aí se descreve a povoação(1) e caracteriza  a sua população, nomeadamente no que respeita ao seu número  – 131 -, sexo, nível habilitacional, entre muitos outros indicadores.

Dedicamos também várias páginas às actividades das gentes da aldeia e às suas crenças de índole religiosa ou pagã.

Outras houve, como o enfeite das portas com ramos de giestas, as maias, que foram então superficialmente descritas, ou não se  lhe fez referência como seja o  uso de símbolos nas portas das residências ou dos currais para afastar o “mau olhado”

Passados vários anos sobre o estudo inicial assistimos, em 2002,  à tradicional afixação de ramos de giestas, enfeitados das referidas maias, na noite de 30 de Abril para 1 de Maio nas portas e janelas das casas da aldeia, conforme o relato  seguinte:

2. AS MAIAS

Quem conhece a região sabe que, na Primavera, os montes se enfeitam de flores e que as árvores e arbustos se tornam verdejantes. São os carvalhos e castanheiros que se enchem de folhas e sobressaem no meio dos muitos eucaliptos e pinheiros, hoje  existentes um pouco por todo o lado e são sobretudo as giestas que se engalanam com as suas vistosas flores amarelas, as maias.

Não espanta, por isso, que o tempo das sementeiras, nomeadamente do milho, seja comemorado com alegria pelas gentes da aldeia e das que lhe ficam em redor, com a afixação de ramos de maias nas portas e janelas, dando um grande colorido às ruas e caminhos da povoação.

2.1. A tarde 30 de Abril

Decorreu com normalidade o dia 30 de Abril em Viadal. Findo o trabalho nas fábricas foram ainda muitos os habitantes que se dirigiram aos campos, com os seus tractores carregados de estrume ou com as alfaias apropriadas para os lavrar(2). Ajudavam sobretudo os familiares mais idosos que ainda se dedicam à agricultura como actividade principal.

Porém, ao cair da tarde e pese embora o facto de chuviscar, começaram a aparecer,  várias habitantes, com molhos ou braçados de ramos de giestas cheios de maias, colhidos nas redondezas.  

De seguida, dirigiram-se para as suas residências e pertences (currais e canastros) e afixaram nas portas ou nas paredes, junto das mesmas, os mencionados arbustos. Recordamos, sem ser exaustivos, a Lucília, as tias(3) Flávia, Lina, Eufémia e o tio Oliveira.

2.2. A manhã de 1 de Maio

Já sem chuva, a aldeia acordou na manhã de 1 de Maio toda florida. A maioria das portas e janelas tinham a embelezá-las as coloridas maias. Como a maior parte dos moradores do lugar mantiveram a tradição, caminhos havia, sobretudo no sítio das Carreiras, que estavam todos engalanados com as vistosas flores das giestas.

2.3. Das origens desta  tradição

Inquirida uma habitante, de cerca de 70 anos, sobre a razão de ser deste costume, disse-nos:

Olha, é tradição! Já os antigos assim faziam. Lembro-me de se enfeitarem as portas, desde quando eu era pequenina”.

Outros, sobretudo o tio Floriano Brandão, têm uma explicação mais racional para este procedimento anual. Ligam-no com a vida, de criança, de Jesus Cristo, a saber:

Em nome dos romanos governava há muitos anos, na hoje Terra Santa, o rei Herodes. Este deu ordem para que matassem Jesus ainda menino. Alguém, a mando dos romanos, assinalou a sua residência com um ramo florido de giesteira, as maias, de modo a que só Este fosse morto. Sabedores os vizinhos enfeitaram todas as casas, de forma a protegerem Jesus.

O resultado foi que Herodes mandou matar todas as crianças, tendo então fugido Nossa Senhora e o S. José levando consigo o Menino Jesus, salvando-O”.

2.4. Os romanos e as maias

Tudo indica que esta prática radica num costume pagão dos Romanos. Na verdade, eram famosas nos seus tempos as festas em honra de Flora. Decorriam de 28 de Abril a 4 de Maio altura em que a licenciosidade extravasava o que a moral tinha como sendo tolerada. Com tais práticas se desagradou Séneca, célebre filósofo romano.

2.5. Um ditado popular ouvido a vários habitantes de Viadal:

Quem não puser o maio,
fica com o maio no cu
”.

ANOTAÇÕES:

(1) – Decorridas duas décadas sobre a primeira redação da Monografia é possível indicar, hoje, que o primeiro documento escrito que refere a povoação data de 1365 d.c.

Pagava então de foro ao Mosteiro de Grijó a quantia de 30 soldos. No século XVI são já abundantes as referências ao lugar e àqueles que lhe ficam em redor, sobretudo Vilar. (In, A Voz de Cambra nº/s 550 e 553 de 1 de Abril e 15 de Maio de 1994 e nº 476 de 15 de Outubro de 1991).
– Sobre a Festa em honra de Nossa Senhora da Ouvida, ver também a Voz de Cambra, anos de 1997 e 1998.

(2) – Em 1994, ainda se usavam, fazendo grandes chiadeiras, os carros puxados por vacas e se lavrava a terra com charruas ou arados.

(3) – O termo tio ou tia é usado com carinho, sobretudo para com as pessoas mais idosas, em vez da expressão Sr. ou Srª de cariz mais urbano.

3. O MAU OLHADO

Crença comum à maioria dos habitantes, bastante viva em 1984, mas hoje praticamente desaparecida, relacionava-se com o “mau olhado” ou “afastar das bruxas” das casas de habitação ou locais de recolhimento dos gados. Era comum ouvir-se então expressões do género:

A minha vaca adoeceu porque fulano ou fulana deitou-lhe o mau olhado”.

ou

Isso são coisas de bruxas

Com o fim de evitar tais males, colocavam-se na frente ou atrás das portas determinados símbolos que pintados ou afixados nas mesmas permitiam com que as “esconjuras” ou outros “mal-quereres” se afastassem para longe. Tais sinais eram a cruz de cristo pintada ou uma ferradura em ferro.

Se tais símbolos eram, no passado, visíveis um pouco por toda a aldeia, nos dias que correm já quase só os encontramos no sítio das carreiras, sobretudo nos currais de gado e em portas que ainda não foram substituídas.

Os habitantes mais novos já não sentem a necessidade de se protegerem de tais bruxedos, talvez porque o seu modo de vida principal já não seja a agricultura e também por se sentirem mais racionais mercê da escolaridade.

Certo, é que em tempos idos, os “maus olhados” e as “bruxarias” eram levados a sério e para os afastar lá estavam a cruz redentora ou a ferradura em ferro.

Se nem todos assumiam que tinham medo, pelo sim ou pelo não protegiam as suas casas ou animais. Rezava-se mesmo uma oração sempre que necessário e a saber:

ORAÇÃO PARA AFASTAR AS BRUXAS

De volta de mim, da minha casa e da minha gente toda, andam três senhores ‘constistas´(1): Sr. S. Pedro, Sr. S. Paulo e Sr. S. João Baptista.
Credo,  abrenúncia! Ferradura no pé e freio na boca. Côca e recôca
”. – Diz-se três vezes

Com tal reza era certo que qualquer “mau olhado” ou “efeito de bruxaria” ia para longe da pessoa em quem tinha recaído.

O SAL, O LUME E O MAU OLHADO

Quando o lume arde muito forte e assopra(2), deve-se mandar sal para cima  da fogueira e dizer:

Se houver algum vivo que aqui me quer mal,  se quebre este encanto com pedras de sal

Logo que o sal “estalar” deve-se repetir a reza, pelo menos, mais três vezes.

ANOTAÇÕES:

(1) – Talvez a palavra não seja exactamente esta. Supomo-la relacionada com os apóstolos ou pessoas sábias.
– Muito agradecemos à tia Adelina do Grilo – cerca de 70 anos – a forma amável como nos recebeu e se dispôs a ensinar-nos esta reza.

(2) – Situação em que a fogueira, por vezes, se torna mais viva e a lenha faz algum zumbido.

NOTA GERAL: Matéria publicada no jornal Voz de Cambra, em Maio de 2004.

Manuel de Almeida

Tradições do lugar de Viadal

Viadal: – Ramo de maias/giestas afixado em porta de curral, na noite de 30 de Abril para o dia 1 de Maio do ano de 2002.. Esta tradição remonta ao tempo dos romanos, na Península Ibérica.

Tradições do lugar de Viadal
Tradições do lugar de Viadal
Tradições do lugar de Viadal

Viadal: Cruz e ferradura afixadas em porta de curral e Lucília com molho de maias/giestas à cabeça. As fotos são do ano de 2002.