TRADIÇÕES E LENDAS DO LUGAR DE VIADAL Cestes
O enigma da “Pedra dos Cestes” (III)
por Manuel de Almeida
in Voz de Cambra, 25 de Maio de 2006
Um dos antigos Brandões foi “arrear a calça” (6), à noite, no campo contíguo às casas de habitação.
Era Agosto, o céu encontrava-se muito azul e estrelado. O terreno havia sido regado, com a água das presas de cima, estava repleto de milho alto, muito verdejante e de maçarocas quase cheias. Tinham-lhe tirado já as bandeiras.
Encontrava-se agachado, entre o milho, ao fundo da leira, ali mesmo junto ao combro.
Acontece que viu uma luz, do outro lado do rio Caima, no Embaladouro, junto a Função.
Quando alguém Ihe dizia que havia “almas do outro mundo” por aí a vaguear, ria-se e dizia que não tinha medo do que quer que fosse.
Era o nosso Brandão, dado a brincadeiras e, como dito, pouco temeroso.
Desejoso de mostrar, a si mesmo, a sua valentia ou inconscientemente gritou muito alto:
– “Anda-me aqui alumiar!“
Passado pouco tempo dirigiu-se a casa e fechou o portão de madeira que dava para o caminho.
Ia já a subir a escadita em pedra que, partindo do aido interior, dava acesso à cozinha e aposentos, ouviu, então, um grande estrondo na porta de grossa madeira de carvaIho, e uma voz dizendo:
“O que te valeu foi estares aí dentro, senão vinhas, ainda hoje, ficar onde eu estou!” (7).
Assustado, meteu-se de imediato na tarimba, cuja enxerga era cheia de “folhelho” seco (8) ou palha centeia – isto não se averiguou bem – calado que nem um rato não fossem os irmãos, que dormiam sono profundo, acordarem e passarem o resto da noite a gozarem com ele.
Sucede que, na dependência contígua, estavam deitadas também, nas suas deficientes camas, as cinco ou seis irmãs.
Só que a mais nova, parece que de nome Rosalina, não dormia. Ouviu, por isso, o barulho.
Vendo, na manhã seguinte o irmão taciturno e pouco dado a conversas, ao contrário do habitual, perguntou-lhe o que se tinha passado.
Ele, contrariado, lá foi descrevendo os acontecimentos que chegaram, tal como os ouvi, até aos nossos dias.
Anotações:
(6) – O mesmo que “servir o corpo”. Termos usados num tempo em que não havia casas de banho.
(7) – Tratava-se de uma “alma penada”, seja alguém que havia morrido, mas que não estava em paz. Vagueava, sabe-se lá a fazer o quê, no Embaladouro.
(8) – Folhas que envolvem a maçaroca do milho,
Diz-se também aqui de “folhepo”.
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