por Manuel Almeida
Até à chegada da eletricidade* às aldeias da Freita, em Dezembro de 1965, os moinhos de água de roda horizontal eram abundantes nas margens do rio Caima e imprescindíveis para moerem os cereais, nomeadamente o milho grosso ou maíz.
Originário, pensa-se, da América Central o milho chega a Portugal com os descobrimentos e às faldas da serra da Freita aí por meados do século XVII, onde se adaptou muito bem.
Semeado aí por Maio e colhido pelo S. Miguel – fins de Setembro – guardado nos canastros, também conhecidos por espigueiros, depois de transformado em farinha proporcionou que as famílias passassem a ter pão quase todo o ano e muito mais estabilidade alimentar.
Sem necessidade do uso da força humana ou animal, mas tão só da força motriz da água é aqui que entram os moinhos, introduzidos pelos romanos e que se encontram atualmente em desuso.
Já são vestígios da pré-industrialização.
Sem utilidade, por terem sido substituídos pelos moinhos elétricos, mas ainda de pé, fotografamos em 1984, os três mais importantes existentes na margem esquerda do Caima e pertença do lugar de Viadal.
Descendo o rio, desde a ponte que liga a Paço do Mato, havia o Velho, o Novo e o do Rão, lá mais abaixo.
Deste, há vários anos que a sua foto é conhecida e que será também reproduzida aqui.
Foi restaurado em 2013, a expensas da população local, e pode ser visitado.
Nos cursos de água de menor caudal, designados na Freita de corgas, havia outros moinhos, que funcionavam somente no inverno, mas também de grande utilidade, por se situarem mais próximos das aldeias, a saber:
- No Corgo, junto à presa, ali onde a estrada faz uma curva e que eram de Tabaçó.
Só trabalhavam no inverno e eram dois. Ainda funcionavam aí por volta de 1960.
Das suas ruínas também deixamos fotos.
- Em Beijós, sítios do Tapado e da Feiteira.
Este, localizava-se acima da pequena ponte que liga a Beijós e ao lugar da Póvoa, agora muito próxima da atual estrada asfaltada.
- Na Corga do Barroco, no sítio do Chão do Moinho, lado de Vilar e, mais abaixo, junto ao Poço Negro. Era dos Quintais, parece.
Sobre este ver o conto “O Criado Enamorado”.
Também terá havido um engenho de burel no sítio do Pisão, na confluência desta Corga com o rio Caima ou ali perto.
Relativamente ao sítio do Rão, tudo aponta, pela leitura de algumas escrituras, que aí por volta de 1900 fossem dois os moinhos.
O desconhecido, localizar-se-ia, mais abaixo do atual, frente ao de Paço do Mato.
É provável que ainda haja por lá vestígios.
Também deixamos foto do moinho da Ribeira, junto à Frecha da Mizarela.
Já o da Póvoa dos Chões localizava-se a uns duzentos metros acima da atual praia fluvial e o de Carvalheda no sítio do mesmo nome, na margem direita do rio.
Nos anos sessenta do século XX havia quem avistasse por lá as lontras.
Vilar também tinha moinhos no Caima no sítio onde havia uma ponte em madeira que ligava a Função.
Na margem direita havia uns dois, sendo que num deles o nosso avô materno, Joaquim Fernandes dos Santos, era quinhoeiro, por ser natural de Função.
De inverno funcionavam no Chão do Monte/Ribeiro também dois moinhos pertença desta povoação.
É provável que houvesse mais, noutras corgas, mas não temos deles registo.
Ver também fotos do ano de 2013.
Refere-se ainda que os moradores da Felgueira iam, de igual modo, moer o seu milho aos moinhos que possuíam no rio Caima.
Ainda há quem se lembre de os ver passar no verão, por Beijós, carregados com os sacos e foles, mas fazendo grandes cantarolas, aquando das pausas para descanso.
Era hercúleo o esforço exigido aos habitantes, sobretudo das aldeias mais distantes do rio, para conseguirem farinha.
Ainda nos lembramos do tio António do Bicho, nosso parente, morador na Póvoa da Requeixada, freguesia de Junqueira que, tendo horas e dia determinado para moer no Rão, vinha carregado, no verão, com o saco de cereal, pelo carreiro da Anta** passando por Viadal, até lá abaixo ao Caima.
Por ali aguardava as horas necessárias para ter a respectiva farinha e depois regressava, serra acima, à sua terra do lado de lá da Anta.
Como amplamente temos dado notícia nos últimos anos, também Tabaçó tinha o seu moinho no Caima, localizado junto à ponte que liga a Paço do Mato, coberto a lousa e agora em ruínas.
Ver a este propósito os contos: O Tardo em Tabaçó e a Pomba Mensageira.
Junho de 2022
Manuel de Almeida
Notas:
* Todas as famílias das aldeias tiveram que se quotizar para a sua vinda.
** Trilho pedestre que, partindo da Carreira da Felgueira, no caminho Vilar/Felgueira, passava no sítio das Mós e ia dar à estrada dos caramuleiros na Anta.
UMA QUADRA RECOLHIDA EM VIADAL, SOBRE OS MOINHOS:
Eu não torno mais ao moinho,
Nem passo pela farinha.
Que o forro da minha saia,
Já não tem a cor que tinha.
NOTA GERAL:
– Os moinhos aqui descritos eram coletivos, com dias bem definidos de moagem por cada família e não eram exclusivos de uma determinada povoação, dado os parentescos e as heranças. Sempre que se tornava necessária alguma reparação os moradores juntavam-se e, no dia marcado, compareciam para efetuarem os arranjos, inclusive os miúdos.
No pressuposto que possa vir a ter interesse histórico, aqui deixamos uma súmula de um documento a que tivemos acesso com a
“DIVISÃO DO TEMPO DE MOAGEM NO MOINHO DO RÃO EM VIADAL. ANO DE 1835.
- Terça-feira pertence a Joaquim Ferreira;
- Quarta-feira a Manuel Francisco;
- Quinta-feira pertence a Manuel Fernandes;
- Sexta-feira a Manuel Filipe;
- Sábado a Manuel Cintro;
- Domingo pertence a Caetana Soares:
- Segunda-feira nos herdeiros, quatro horas a cada um, a principiar por Caetana Soares.
Mais se dispõe ainda que não havendo água no rio Caima para se tapar “corta-se a água dos lameiros, se os proprietários dos lameiros tirarem a água do moinho e este parar têm a pagar uma multa de quatro cruzados da primeira vez, oito da segunda vez, e da terceira vez doze cruzados”.
Mais algumas fotos de moinhos de água que existiram na parte superior do rio Caima e ribeiras/corgas adjacentes à aldeia de Viadal.