O Tesouro da Fonte de Gatão
(Conto publicado no quinzenário “A Voz de Cambra“. Ano de 2008 e sgts.) Lenda
Nota Introdutória
A lenda que se segue, embora recolhida em Viadal, tem como cenário a região de Cambra, com particular destaque para a igreja de Rôge e o lugar de Gatão.
A personagem principal é um comerciante desta aldeia que, em deslocação de negócios à cidade do Porto, assiste a uma missa “sui generis”, na matriz de Rôge. Na sequência dos acontecimentos aí ocorridos, acaba por enriquecer na sua aldeia natal.
Advertimos os leitores, sobretudo os mais jovens, que, para um melhor entendimento de algumas das partes da narração, devem ter em conta que:
a) A acção decorre em meados do século XIX, num tempo de acentuada ruralidade e em que eram fortes as crenças dos habitantes no sobrenatural;
b) As “almas penadas”, deambulam por aí, até expiarem os seus pecados e têm o “fogo do inferno” a arder dentro delas, sendo o mesmo visível pelas costas.
c) Até inícios dos anos sessenta do século que findou, a missa era rezada em latim e o celebrante estava de costas para os crentes e de frente para o altar. O contrário dos dias de hoje.
c) O ajudante/sacristão, em determinados momentos da missa, tinha como função mudar o missal de local e as folhas do mesmo. Tinha que passar forçosamente por detrás do celebrante.
d) O que abaixo se descreve, em forma de conto, é uma adaptação livre dos relatos que, ao longo dos anos, fomos ouvindo e anotando sobre o modo como o dito “homem de Gatão” se tornou rico de um dia para o outro.
PARTE I – A MISSA EM RÔGE.
Pela serra à procura de ovos.
Era empreendedor o “homem de Gatão”. Apesar de ser possuidor de algumas leiras que lhe enchiam o canastro de milho, com que alimentava o rancho de filhos que a mulher lhe havia dado, o mesmo tinha jeito para o negócio.
Era, por isso, que percorria com regularidade as aldeias serranas, sobretudo no inverno, à procura de ovos para posteriormente ir vender ao Porto.
Era vê-lo, logo de madrugada, a subir a pé a desabrigada Freita até Albergaria das Cabras, hoje da Serra ou até mesmo Manhouce, seguindo a estrada romana.
Regressado a Gatão, com a égua carregada de ovos, manteiga e outros produtos, nomeadamente castanhas, se fôsse a época destas, lá aconchegava a mercadoria na adega e alpendre, até que chegasse o dia da partida para o Porto.
Aí, na cidade já então chamada de invicta, trocava os ovos e as castanhas por “fiação” ou seja linho para as mulheres das aldeias fiarem. Naqueles tempos, roupa comprada e pronta a usar era coisa desconhecida.
Tal prática só iria aparecer mais de cem anos depois, com as camisas em tirilene, chamadas de “Triple Marfel” e levar ao fim das roupas em burel, serguilha, cotim, popelines, chitas, sarjas, fiocos e outros tecidos que o escriba até já esqueceu.
Desapareceram também as modistas – sonho maior das camponesas – e alfaiates existentes um pouco por toda aquela serrania. Mas deixemos o presente e voltemos ao passado.
Pés ao caminho, que o Porto fica longe.
Era ainda noite escura quando o “vendeiro”(1) saiu de Gatão rumo ao Porto. Aparelhou a muar, pegou num cesto de ovos que havia sobejado da carga do quadrúpede e tomou o caminho dos castelos até ao Casal, junto à igreja de Cepelos.
Crente, como era, ao avistar o adro e a matriz da freguesia, rezou mesmo uma oração pelos defuntos que lá repousavam, alguns seus parentes e amigos:
“Adeus defuntos todos, que já foram como a mim e eu hei-de ser como a vós. Pedi ao Senhor, por mim , que eu hei-de pedir por vós“(2)
Ditas estas palavras e feito um exame de consciência, já que é lembrando os mortos que toma sentido o rumo a dar à vida, lá foi avançando ao ritmo da alimária, até que chegou à “Ponte do Castelo”, sobre o rio Caima.
Dali até Roge ainda era um esticão, se pensarmos que agora era sempre a subir e a égua ia muito carregada. As ferraduras da besta sempre que embatiam nas pedras da calçada faziam faísca, tal era a força necessária para se galgar a íngreme ladeira.
Viam-se no chão do caminho uns refregos, de um lado e outro da via, feitos pelo vai-e-vem constante dos carros de bois que por ali passavam, atravessando o Caima.
Atingida a “Fonte da Moreira”, chegou-lhe um rebate de consciência e deu de beber ao animal. Colocou o cesto que levava numa pousa(3), que lá havia, e não se fez rogado.
Bebeu também. Que fresquinha e saborosa era aquela água. Pudera, a subida tinha sido custosa.
Percorridos os poucos metros de caminho que separavam a nascente da igreja, logo repara que a porta desta se encontrava aberta. Não se fez esperar.
Descarrega novamente a canastra, amarra a cavalgadura a umas argolas existentes no adro, para tal efeito, e entra no templo.
A missa na igreja de Roge.
Junto ao altar estava sozinho um padre. Este, dirige-se ao comerciante e pede-lhe para que o ajude a celebrar a santa missa. Era o celebrante “uma alma do outro mundo”, por isso faz-lhe ainda o seguinte pedido:
“- Ao mudares o missal passas só pela minha frente“ (4) .
Não explicou a razão. Estava a igreja cheia de outras “almas penadas” à espera que se iniciasse a cerimónia.
Finda a missa o sacerdote, em jeito de agradecimento, diz-lhe:
“Vai, que se em bugalhos negociares em ouro ganharás“
Respeitosamente o “homem de Gatão” despede-se do padre e dirige-se para o cesto dos ovos. Como se sentia cansado, solicita a uma das pessoas presentes à missa que o ajude a levantar a canastra.
Tratava-se, contudo e como dito, de uma mulher feita alma, fisicamente muito debilitada, que lhe diz:
“Pede àquela que ali está que te ajude, já que é muito mais forte. Eu, morri de ‘caganeira’ e ela de febre“.
A outra alma, tal como previsto pela primeira, ajudou-o a levantar o cesto dos ovos e ele, sem olhar para trás, lá tomou a direccção da cidade do Porto.
Contudo, sem encontrar explicação para o sucedido, tomou a decisão de rezar. Se já antes o fazia, como era seu dever, agora tinha uma razão acrescida.
Como se fazia sempre acompanhar por um rosário, lá foi rezando mistérios(5) à medida que ia avançando no caminho.
Nas encruzilhadas, onde havia nichos com alminhas, aproveitava para descansar e orar, dizendo:
“Alminhas benditas, já foram como a mim e eu hei-de ser como a vós. Pedi ao Senhor por mim, que eu peço por vós“.
Na cidade do Porto.
O nosso homem já tinha fregueses certos na cidade invicta. Atendendo aos últimos acontecimentos, nem marralhou o preço dos ovos e outras mercadorias que levava; ao contrário das outras vezes, o que deixou apreensivos os tripeiros.
Recolhidos os cabedais para um bornal que levava a tiracolo, dirigiu-se para as tendas da venda da “fiação”. Aviou-se, na forma do costume, mas sem aquele ar de serrano prazenteiro que o tipificava. Também, estes comerciantes estranharam o seu comportamento.
Não admira, não lhes passava pela cabeça o que, pelo caminho, havia acontecido ao Cambrense.
Contam as crónicas que, apesar de tudo, o negócio, já aqui, lhe correu de feição. Aproximava-se a noite e o “vendeiro” sentia-se cansado e esfomeado.
Tomou pois a decisão de pernoitar na cidade. Depois de mandar alimentar a alimária, ele próprio tratou do seu estômago. Sabe-se que comeu na hospedaria, ali ao lado, as já então famosas tripas à moda do Porto. Estava no sítio certo e aproveitou.
PARTE II – O SONHO
O sonho do serrano.
Caído na tarimba que havia ajustado com o estalajadeiro, o nosso comerciante adormeceu que “nem uma pedra”, como é usual ainda hoje dizer-se. Por mais barulho que a clientela fizesse nada o acordava. Estava exausto.
Contudo, passadas umas horas, talvez estimulado pelos acontecimentos ocorridos em Roge, tem um sonho. Alguém diz-lhe:
“Vai à Ponte do Ervedeiro, que lá há muito dinheiro“.
É então que acorda estremunhado e fica o resto da noite a cismar. Dá voltas e mais voltas ao miolo. Apesar de já ter palmilhado muito mundo, nomeadamente pelas serranias de Arouca, Cambra, Lafões e até do Caramulo, não lhe ocorria aonde seria a “Ponte do Ervedeiro”.
Estava ele tentando decifrar este quebra-cabeças, quando ouve cantar os galos, mesmo ao lado, na capoeira da hospedaria. Deu um salto, enfiou o casaco de burel e dirigiu-se ao estábulo. Preparou o animal e carregou-o com a “fiação”. Meteu as “chancas”(6) ao caminho e aí vai ele, enquanto a estrada real estava desimpedida.
Pela estrada fora, direito a Cambra.
Matutando o nosso herói regressa, a passo de mula carregada, a Cambra. Ali, por alturas de Grijó(7), encontra um almocreve que seguia na mesma direcção e entabula conversa.
Sabe-se que as suas preocupações já então, e tal como hoje, iam para o mau estado das vias públicas, nomeadamente o dos caminhos, assaltos pelo bando de um tal “Zé do Telhado” e o preço das mercadorias. O outro negociava em peixe seco, parece que bacalhau.
Tornou-se animada a cavaqueira. Parecia que se conheciam desde sempre. Porém, o “homem de Gatão”, sentindo um grande anseio, dentro dele, começa a desabafar, sobre o que ultimamente lhe havia acontecido, mas sem indicar a sua naturalidade. Tinha que partilhar o segredo. Que mal havia, se estava perante um desconhecido?
Vai daí, conta ao recoveiro o que lhe aconteceu na missa e, sobretudo, pormenoriza o sonho. Inquire mesmo o seu acompanhante, sobre o local aonde se situava a “Ponte do Ervedeiro”. Caso o desconhecido soubesse onde era estava disposto a ir até lá com ele e partilhar a fortuna.
O almocreve também tinha tido uma visão.
É então que o outro, o almocreve, lhe conta um grande segredo, também com origem num sonho que dias antes havia tido. Tinha chegado a casa exausto e cheio de fome, vindo de uma entrega de peixe.
Por isso, após ter engolido uma tijela de caldo, que a mulher lhe tinha preparado, mandou-se para cima da enxerga de folhelho e caiu, em sono profundo. É durante esse adormecimento que um anjo lhe anuncia, o seguinte:
“Levanta-te e vai à Fonte de Gatão que lá está enterrado um ‘haver’, com muitas moedas e estatuetas em ouro. Corre, antes que outros o apanhem“.
Porém, quando acordou e apesar de dar voltas à cabeça, não localizou o local e até nem lhe deu grande importância.
Agora é que vinha a “talhe de foice”. Também já tinha sonhado que venderia bem a mercadoria e, às vezes, a “coisa” saía-lhe furada. Tinha que a ceder ao preço de custo, que a vida dos fregueses também era dura.
– Não era que, lá para as bandas do Minho, andava tudo à paulada, por causa de uns desacatos iniciados por uma tal Maria da Fonte? Veja vossemecê – disse para o de Cambra – que é por causa dos enterros fora das igrejas.
– Cá para mim, falou agora o de Gatão, a causa é a fome. Olhe a invernia que tem estado. Lá na minha terra o milho, nos canastros, está cheio de gorgulho e de bolor, por isso a broa não é saborosa e só muito a custo é que a criançada lhe pega.
Tivessem eles “pão branco”(8) que outro galo cantaria. O que vale, acima de tudo, é o leite das cabritas e a carne dos reixelos que, esta sim, eles nunca se negam a dar-lhe grandes ferradelas. Até brigam uns com os outros, quando a patroa se descuida e dá um pedacito melhor ao José, o petiz.
A alegria do “homem de Gatão”.
O tal sítio, a fonte, sabia o homem de Gatão, muito bem onde era. Não fosse ele de lá natural. Apesar de inquirido pelo recoveiro, fez-se de “novas”, disse que tal nome não lhe dizia nada e continuou a desviar a conversa com futilidades.
Deixou de falar dos filhos e passou a contar-lhe as cenas de pancadaria que era usual haver, lá na sua terra, sempre que algum lavrador fazia a desfolhada, seguida de “serão”(9).
Bastava, disse, “uma cachopa mostrar o ‘milho rei‘ e dar primeiro e usual ‘chi-coração’ a um forasteiro, do que ao seu conversado, para tudo entrar em polvorosa. Sem se saber bem como, a candeia aparece de imediato apagada.
No escuro, o novo pretendente leva logo uma arrochada e é obrigado a fugir, mais quem o acompanha. Em cima deles chove pedrada até que desapareçam, lá ao longe.
É certo, que estas coisas também nem sempre são inocentes por parte de quem apaga a luz, continuou.
Há lá uns mariolas que aproveitam todas as oportunidades, como a contada, para se aproximarem das raparigas e rebolarem com elas no folhelho. Ou me engano muito, ou um destes é o conversado da filha do Regedor.
Como o rapaz tem poucas courelas de pão, o pai da rapariga, como autoridade máxima na freguesia, recusa-se a abençoar o namorico e mesmo a autorizar que ele lhe pise sequer o aido. Aquilo ainda vai dar desgraça, isso vai”.
– E que acontece aos casos como o da outra moçoila? – inquiriu logo o almocreve, pouco interessado nos problemas de terras do Regedor.
– “Nem queira saber, meu santo senhor, sobretudo se o rapaz for lá do lugar e tiver uns bons cadabulhos. – retorquiu o de Cambra. Mal que entre a porta de casa, já o pai está com uma vergasta atrás das costas e antes que ela se justifique já fica com o lombo marcado e proibida de ir à festa seguinte em honra do Santo Padroeiro”.
O outro, fascinado, escutava-o. As coisas pareciam ajustar-se. Estava satisfeito. Afinal tinha valido a pena ter ajudado à missa.
Entretanto, tinham chegado a S. João da Madeira, e aí, o de Gatão, despediu-se, do seu companheiro de viagem, com um “Deus ajude vossemecê e à sua familia”, e tomou o caminho de Cambra. Já se via cheio de dinheiro.
(Continua abaixo)
Janeiro de 2008.
M. Almeida
ANOTAÇÔES:
(1) – Nome dado aos comerciantes de venda ambulante.
(2) – Ver, a este propósito, o nosso trabalho publicado no Jornal Paroquial de Cepelos “Ecos do Povo“. Anos de 1994. Para além de orações, damos conta de sítios onde há “encantos/tesouros”, nomeadamente no lugar de Viadal.
(3) – Local, em sítio mais elevado em relação ao caminho, onde se colocavam os molhos, odres e outros carregos, enquanto se descansava.
(4) – Veja-se, a este propósito, o que se escreveu na introdução.
Já que estamos a tratar de assunto, relacionado com a igreja de Rôge, deixamos aqui uma bonita quadra recolhida em Viadal.
Adeus igreja de Rôge,
Feita de pedra morena.
Dentro dela ouve missa,
Dois olhos que me dão pena.
(5) – Naquele tempo não se rezava o terço. Eram os mistérios. Nossa mãe, nascida em 1920, ainda se lembrava disso. Parece que a prática era idêntica à do terço. Este terá sido introduzido, parece, aí pelos anos trinta do século XX.
(6) -Tipo de calçado muito usado pelos serranos. Trata-se de uma espécie de bota em couro, mas com a sola em madeira e revestida de taxas, a fim de aumentar a sua duração, com diminuição de desgaste.
(7) – Em Grijó havia, já na altura, um convento que remonta à idade média. Tinha várias propriedades em Cambra, no século XIV, ano de 1365, uma das quais era a aldeia de Viadal, então designada de Póvoa.
(8) – O mesmo que pão de trigo, hoje comum, mas até aos anos 60 do século que findou, muito escasso para as populações pobres do interior.
(9) – Nome dado aos bailaricos, feitos à noite, após as desfolhadas. Muitas vezes, realizavam-se só com uma viola ou mesmo sem instrumento musical. Cantavam e dançavam na mesma.
Manuel de Almeida
O “TESOURO DA FONTE DE GATÃO”
PARTE III – AS FIDALGAS E O MORGADO JANOTA
As fidalgas de Macieira.
Aproximava-se a Páscoa e a “fiação” escasseava, por toda a santa gente endinheirada querer estrear roupa nova.
Mesmo na feira dos nove na Gandra, apesar de cara, tinha-se esgotado num relâmpago. Quem chegou cedo ainda arranjou tecido e fio de boa qualidade.
Os que ficaram para a tarde, caso das fidalgas de Macieira, já não tiveram essa sorte.
Tinha constado, que estas coisas sempre se sabem, que o “vendeiro de Gatão” estava para o Porto.
Sabia-se ainda que ele no regresso sempre parava na venda existente na Praça principal da vila, ali mesmo em frente da Casa da Câmara, imponente edifício, com seu bonito brasão, ornado com coroa real e tudo.
Ia a tarde a meio, quando o negociante chegou. Dirigiu-se, como previsto, à taberna local, a fim de descansar, antes de se fazer à serra, como também para se inteirar das últimas novidades.
Já que lá estava ainda dava um salto aos clientes da vila, sobretudo alfaiates, para receber alguns atrasados e fazer novas vendas. Já sabia que alguns iam querer pagar em ovos, mas como ia para Gatão, isso não podia aceitar.
Dinheiro vivo era o que, desta vez, lhe interessava. Podia ser em tostões que logo os trocava por reis, na venda de Santa Cruz.
Tinham as fidalgas prometido, ao reverendo Prior da freguesia, oferecer uma toalha nova em linho para o altar de Nossa Senhora e destinada a ser estreada no domingo de Páscoa.
A data aproximava-se e o fio tinha findado. Por isso, desde manhã cedo que tinham uma criadita, por acaso filha de um rendeiro de Gatão, “à coca”, que é como quem diz à espreita, que o comerciante chegasse. Avistado, lá ao longe, logo a garota correu a avisar as amas.
Eram duas, a rondar os vinte, qual delas mais formosa. Apesar do seu sangue azul, também eram filhas de abastado lavrador. Isso notava-se. Mesmo à semana, andavam sempre todas aperaltadas e carregadas de ouro.
Uma estava, parece, já com os “banhos”(10) marcados com o filho mais velho do morgado de Vila Chã ou dali daquelas bandas. Quanto à outra, como está bom de ver, não lhe faltavam pretendentes.
Constava mesmo, que até um ricalhaço de Albergaria, lá no alto da Freita, com mais de trezentas rêses e grandes quintas na várzea de Arouca, tinha-se dado ao desplante de a pedir para o seu filho mais novo. Isso, o pai dela não aceitou e ela também não queria o parolo, ora essa.
A promessa da fidalga.
A fidalga mais nova já sabia como era a vida em Albergaria. Tinha estado uma vez lá perto, no Merujal, e só tinha visto casebres, cobertos a colmo ou lousa e montes de cabritas e ovelhas com os currais ali mesmo ao lado.
Aquilo não era sítio para uma nobre viver, pois claro. Toda aquela caminhada, á Freita, tinha-se devido ao facto do Sr. Vigário, já idoso e visita usual lá da casa, ter tido catarro.
Por mais mezinhas que lhe dessem a tosse não passava. Foi então que se lembrou de prometer ir a pé à Nossa Senhora da Lage, no dia da sua festa, caso ele melhorasse. E não é que arribou?
É certo que a criada velha e resingona, com quem ele gostava de gracejar, tinha mudado a medicamentação. Tinha deixado de lhe dar chá de cidreira e passado a levar-lhe uma malga cheia de leite quente com mel, daquele escuro, extraído pelas abelhas da flor da queiró.
Notava ainda, sempre que ela passava com a tijela, um odor forte. Desconfiada, até tinha interrogada a serviçal, sobre qual era a razão de ser daquele cheiro.
Esta, tinha respondido:
“- É da aguardente, menina“.
Não mais deu importância ao assunto e lá continuou a fazer renda, sentada junto à lareira.
Promessas são para cumprir e no dia da romaria, madrugada cedo, a fidalga fez-se ao caminho, acompanhada por uma criada e pelo feitor e sua mulher, também devota da santa. Mais atrás, seguia um jornaleiro com uma muar e respectivo farnel.
O Seixo Branco
Atingido o cimo da montanha, pese embora o cansaço, ficou extasiada com o que via, inclusive o mar, de que já tinha ouvido falar, lá para os lados da Torreira. E, lá em baixo, a seus pés todo aquele vale verdejante. Bonita terra a sua, pensou.
Virando-se para o outro lado, vislumbrou outro vale majestoso, o de Arouca. Ora olhando para um lado, ora para o outro, estava maravilhada com o que via.
É então que, passando por ali, uns romeiros de Manhouce se atreveram a entrar na conversa, dizendo:
“- A menina ainda não viu nada. Lá, atrás, na Mijarela(11) é que se vê tudo, até perder de vista“.
Então a fidalga pergunta:
– Onde fica?
– Um dos de Manhouce, responde:
“- Vê acolá – apontando para a Castanheira – aquele lugarejo, donde sai fumo escuro. Fica mesmo em frente. É a Fecha(11). Ainda há pouco tempo lá passamos, e até nós que somos nados e criados na serrania, gostamos de mirar, aquilo que dizem ser, a ria de Aveiro e o mar. Coisa bonita“.
Entristecida, por não ter tempo para lá ir, a nobre dá consigo a olhar para um pedregulho grande e luzidio, situado a meio caminho entre a aldeola e a Felgueira, que emitia um raio de luz na sua direcção, por o sol estar a incidir sobre ele.
Estupefacta, inquire:
“- E, aquilo o que é, valha-me Deus?“
Por sorte, passava por ali um rapazola de Viadal que conhecia muito bem o cabeço. Estava farto de, à sua sombra, lá jogar ao neto com as raparigotas de Tabaçó e da Felgueira, enquanto o gado pastava.
Ao aperceber-se do embaraço dos que rodeavam a nobre, logo responde, destapando a cabeça:
“- É o Seixo Branco(12). Vossa senhoria não sabia?“
Ela responde:
“- Não, não sabia. Mas, pensando melhor, agora me lembro que, às vezes, ao fim da tarde, sobretudo em dias com nuvens esparsas, após chuvadas, quando olhava cá para cima, para a serra, via um grande brilho, que as criadas não sabiam explicar, donde provinha. Agora já sei o que era. Quando lá chegar é a primeira novidade que vou dar ao Sr. Vigário e àquelas tontas das serviçais. Estou certa que elas, e até a senhora minha mãe, vão gostar de saber, onde fica o Seixo Branco“.
Na Senhora da Lage.
Surpreendida, com todos estes acontecimentos inesperados, volta-se novamente para trás . É então que se apercebe que, ali perto, no pequeno planalto, se encontra a ermida de Nossa Senhora da Lage, rodeada de cruzeiros e muito povo. Dirige-se para lá, agora acompanhada de uma grande comitiva.
Depois de paga a promessa, foram-se ao farnel. As criadas tinham-se esmerado e os rojões e a broa estavam divinais.
Não sabia se era da caminhada ou do ar da montanha, mas a verdade é que o jantar lhe tinha sabido bem, como nunca.
Passado pouco tempo, que a tarde já ia avançada, começaram a formar-se magotes de gente junto aos cruzeiros e, dali a pouco, a procissão com todas aquelas cruzes vindas de longínquas freguesias, algumas das quais nem sabia que existiam, caso de Cabreiros, Santa Eulália e Moldes.
Em devoção e com a cabeça coberta, a nobre acompanhou o andor e deu a volta ao recinto(13). Que maravilha! Tanto povo! Tanta fé!.
Deslumbrada, com o que via e se passava na romaria, até nem prestava atenção aos serranos; senão quando, a seguir à cerimónia religiosa, se começou a ouvir o toque de uma concertina e toda aquela cambada a pular.
Curiosa, aproximou-se e logo viu um magote de marmanjos, espigadotes como ela, muito corados, vestidos de burel, algum já sarrubeco e de tamancos nos pés.
Os que dançavam, faziam-no descalços e os outros, apoiados num cajado, mais alto do que eles, observavam. Que labregos, disse para consigo. Houve um mesmo, que teve a ousadia de lhe piscar o olho, desafiando-a assim para dançar.
Mas isso ela não aceitou. Estava de sobreaviso. Quer o pai, quer o senhor Vigário, sobretudo este, tinham-lhe dito para se afastar dos montanheses que eles eram uns matreiros. Ela assim fez.
O morgado janota.
Contudo, há juras que às vezes se fazem e depois nos arrependemos de as ter feito. Se lhe foi fácil, até pelo seu estatuto, não aceitar ir à dança com o aldeão, o que sucedeu depois, já pia mais fino.
Pois não é que, o Eurico, o da concertina, começa a tocar um vira-valseado? E, desta vez, era às moças que cabia escolher o par. E como lhe foi difícil e desgostoso não ter ido à roda.
É que, de entre todos aqueles pacóvios, havia um mancebo de porte nobre, mais ou menos da sua idade, vestido de calça apertada, jaqueta, camisa de puro linho e chapéu preto de aba larga.
Este não dançava descalço. Calçava umas bonitas botas em couro. A guardar-lhe as costas tinha um possante criado, também armado com um varapau. Pudera, era filho do morgado de Rossas, lá para os lados de Arouca, veio a saber-se.
Iniciada, como dito, a roda, só com os rapazes, logo uma moçoila, parece que de Viadal, juntou-se ao seu conversado. Uma e outra lá foram escolhendo, a seu jeito, o respectivo par.
Até houve lá um caso engraçado, ao que se sabe com um mariola de Albergaria, talvez o seu pretendente, quem sabe, em que foram duas serranas ao mesmo tempo ter com ele. Uma era da Castanheira e a outra dos Cabaços. Desistiu esta e avançou aquela e a coisa ficou por ali.
E o janota de Rossas? – Lá andava sózinho, às voltas. Todas aquelas que não tinham namorados, caso da fidalga, estavam desejosas de ir dançar com ele.
Contudo, dada a sua condição e fama de mulherengo, nenhuma se atrevia a juntar-se-lhe. Perdeu a vergonha uma rapariga de Souto Redondo, talvez ainda sua parente, toda cheia de energia e danada para a paródia, pois até cantava ao desafio, se viesse a propósito.
Já sabia, doutras festas, da fama do “morgadito”, mas como não tinha feito promessas a outro, que mal havia em bailar com este. E dançaram aquela e muitas mais vezes, até que o homem da concertina se cansou e cada um foi para seu lado; que o dia seguinte era de trabalho árduo, para a camponesa.
As fidalgas estão à janela.
Mas deixemos todos estes enredos e voltemos a Macieira e ao negociante que é aquilo que mais nos interessa. Quando ele entra na Praça já as nobres estão assomadas à janela.
Encontram-se na sacada(14), ali entre dois vasos de flores, colocados naquelas pedras saídas da parede e logo mandam a criada, a mãe de leite, chamar o forasteiro.
Este não se faz rogado. Deixa a visita aos alfaiates para mais tarde. Que honra era ter as fidalgas como clientes. É certo que já tinha vendido antes tecido para a “casa grande”.
Mas isso tratava sempre com a serviçal. Agora as fidalgas, em carne e osso, era caso para registar e ter muito para depois contar lá na serra.
Receberam-no no aido, para lá do portão grande, ao início da escadaria em granito que levava aos aposentos do primeiro andar. Que moçoilas! Que beleza! Que pele!
Ao contrário das raparigas de Gatão, sempre coradas, as nobres eram esbranquiçadas. Pudera não apanhavam sol, nem roçavam tojo no monte, como a maioria das serranas.
Algumas destas aldeãs, até calcavam os carros do tojo com os pés descalços e não se lhe ouvia um gemido. As fidalgas não. Tinham criados para tudo. Mas bordar isso era com elas, como se veio a ver na Páscoa. Também já liam e escreviam o necessário.
O irmão, que veio a ser juiz desembargador e que só vinha a casa nas férias grandes, estudava então leis em Coimbra. Elas redigiam as cartas para ele sempre que tal era preciso. Alguém tinha de ser diferente, está bom de ver, pensou para consigo o vendeiro.
Estendidos os tecidos, sobre uma pedra grande ali existente, coberta com uma manta de lã ou de farrapos, isto não se apurou muito bem, logo chegaram a acordo.
Era aquilo que elas esperavam. Compraram tudo o que lhes fazia falta para acabar a toalha e ainda tecidos para os afilhados e afilhadas delas, que eram muitos, fazerem camisas ou blusas, conforme fossem rapazes ou raparigas.
No domingo de Páscoa, garbosos, lá estariam todos na missa para verem a toalha nova oferecida pelas madrinhas, a Nossa Senhora. Pagaram em dinheiro vivo, despediram-se e o comerciante feliz, seguiu o seu destino.
PARTE IV – O TESOURO DE GATÃO
A chegada a casa
Chegado a casa, o negociante nada disse do acontecido, em Roge, à sua companheira. Falou, isso sim, das fidalgas e da criadita, que esta era conhecida por ser lá do lugar.
Perguntou pelos rapazes e sobretudo pelo rebanho. Estava preocupado. Em Cepelos, soube que os lobos tinham andado pela Anta, tendo filado algumas reses.
A mulher sossegou-o:
“- Não te apoquentes homem, já tens doeiros com idade de ir a sortes, valentes que eu sei lá. Afoites, como são, saem a ti. Também os cães, mal os sentem, fazem um alarido que até o diabo tem medo. Realmente, os malvados, que Deus me perdoe de tal palavra, apanharam uma ovelha velha do teu compadre de Vilar e parece que um anho de um homem da Calvela ou Falcão, que nem me lembro bem. Um dos lobos foi morto por uns rapazolas da Póvoa da Requeixada que andavam por perto e lhe atiçaram os rafeiros. Andaram aí a mostrar a pele. Dei-lhe alguns patacos, espero que não te zangues”.
Desde que se apercebeu que nada tinha acontecido ao seu rebanho, já nem prestava atenção ao que a mulher lhe dizia. Estimava o padrinho do filho, é certo, mas ele não era dos mais pobres de Vilar. Ovelha a mais ou a menos, e por cima ainda velha, não havia de lhe fazer assim tanta falta.
Às vezes, pensou, Deus Nosso Senhor escreve direito por linhas tortas, como já tinha uma vez ouvido o tabelião da vila referir; ou segundo o seu entendimento, que lá coisas de letras não era muito com ele, já não ia comer ovelha velha no dia da ceifa do seu compadre e parente, lá mais para o verão.
Com efeito, não era que o padrinho do seu filho mais novo precisasse. Tinha uma casa farta e isso via-se no dia da apanha do centeio. As leiras ficavam cheias de medas.
O homem tinha feito boas compras, sobretudo nas Felgueiras, daqueles campos grandes, que foram pertença de convento ou mosteiro ou coisa assim.
A comadre trazia sempre para a leira, que estivessem a segar, um jantar(15) de arromba.
A escudela grande vinha cheia de carne a cheirar bem. Sentados no chão sobre o restolho ou no machorro, conforme desse mais jeito, cada um comia do seu lado, com aqueles garfos de ferro, até ficar farto.
Broa, embora de milho velho, não faltava e até uma pinga do tinto de Conlela, vinda, num odre, do lado de lá do rio Teixeira. Mas a carne, valha a verdade, essa era quase sempre rija.
As ovelhas ou cabras, conforme o ano, eram sempre as mais velhas que iam para a degola. Que havia de fazer? Era seu parente e amigo.
As crias, já se sabe, tinham, mais procura e por isso rendiam mais uns tostões o que queria dizer que aumentava também o pecúlio do lavrador, que logo comprava mais terras de pão.
Este ano não ia ser assim, abençoados fossem os lobos, cogitou para consigo mesmo.
Na Fonte de Gatão.
A casa de habitação precisava de obras. Havia-a herdado do seu pai e os invernos rigorosos tinham dado cabo do colmo da cobertura. Uma das paredes, das traseiras estava meio arrunhada.
Como alguns vizinhos já haviam posto telha nos seus sobrados ele também quis seguir a moda. Porquê ser diferente?
Se melhor o pensou, mais depressa o fez. Contratou homens, alguns vindos de Arões, nomeadamente o mestre pedreiro. Meteram mãos à obra.
No cruzamento do meio do lugar, junto à fonte que ficava à beira do caminho, como quem vai para a igreja, mandou os homens arrancar, com umas alavancas grandes, umas pedras compridas que lhe faziam falta para as padieiras das portas e janelas.
Estando de sobreaviso, atendendo ao que o almocreve lhe havia contado, apercebeu-se que ao levantar de um dos pedrulhos algo luzia lá ao fundo. Não foi de modas, deu pausa aos homens para a bucha(16).
A seguir, mandou-os cortar tojo e carquejas para o monte e, ao meio-dia, quando o sol chegou à marca(17) dispensou-os, sem mais explicações.
Para além dos trabalhadores, só a mulher estranhou o sucedido. Assim, enquanto ele engolia o caldo lá o foi, a seu jeito, interrogando:
– Que diabo lhe tinha dado para mandar os homens embora? Se, depois de uma vida de sacrifícios, agora é que lhe dava para esbanjar?, entre outras questões.
Ele, com olhar matreiro, lá lhe foi dizendo:
“- Ó mulher, nestes anos todos, já te faltou o pão e aos teus filhos? Eu, por acaso, não sei governar a casa?“
Estavam neste dilema até que ele abre o jogo. Conta-lhe então o sucedido, desde que partira para o Porto e pede-lhe segredo. Ela concordou e jurou sobre uma cruz em ouro que trazia ao peito que nada diria à vizinhança; nem mesmo à comadre, a tia Ana, aquela que a ajudou a ter os filhos. Prometeu e cumpriu.
As riquezas escondidas.
À noite, muito depois do “toque das trindades” (18), estando escuro como breu, pegaram numa candeia a azeite, que ela segurava, e lá foram os dois levantar a pedra.
Que tesouro lá estava. Para além de um monte de moedas em ouro, algumas libras (19), viam-se muitas estatuetas, uma delas era um menino, e brincos feitos do mesmo metal e outras riquezas.
Ficaram embasbacados, com tanta fortuna.
Levaram tudo para casa, fizeram um buraco na parede, atrás da lapeira (20), e esconderam lá toda aquela imensa riqueza.
Como ele saía muitas vezes em negócios, começou por vender, no Porto e em Coimbra, uma peça de cada vez. Outras mesmo em partes, caso da estatueta do menino, para não levantar suspeitas.
O ourives só dizia:
“- Quem me dera ter o resto“. E teve-o.
Com o dinheiro da venda do tesouro, compraram mais terras de pão e construíram uma nova e imponente casa. Quem não se esqueceu do sucedido, apesar do segredo, foi o povo de Gatão e lugares vizinhos.
“Quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado lhe vem“, começou a comentar-se.
Ora, tanto bem-estar tinha que ter uma explicação. Era o tesouro escondido, quem diria, junto à fonte onde todos iam buscar água para beber.
No meio do lugar, ali mesmo à frente dos olhos. “Que azar o nosso“, lamentam-se, ainda hoje, os habitantes de Gatão sempre que lá passam e se lembram do sucedido.
Também nós, ávidos de igual prodígio, quando por lá deambulamos, miramos fixamente a nascente, na esperança que de lá jorre, mesmo que seja só, uma pepita de ouro; para, a partir daí, também termos a nossa própria história mágica para contar.
Janeiro de 2008.
M. Almeida
2. OUTRA VERSÃO (resumida), DO SONHO DO “HOMEM DE GATÃO”.
Um “homem de Gatão” sonhou três noites a eito, que:
“Fosse à Ponte de Belém, que de lá lhe viria o bem“
Vai daí, o dito homem dirigiu-se à Ponte de Belém e começou a andar de um lado para o outro, à procura do bem. O tempo passava e ele não via nenhum bem.
Dias depois, chega aí outro homem e pergunta ao de Gatão:
– O que fazes aqui?
O de Gatão responde:
– Sonhei três noites a eito que viesse à Ponte de Belém que de cá me viria o bem. Acontece que já cá estou há uns dias e não vejo bem nenhum.
O outro, o forasteiro, responde:
“- Sonhos são sonhos. Eu, também sonhei que na Ponte do Castelo, debaixo de um loureiro está um cabaz cheio de dinheiro. Só que eu não sei onde é“.
Ora, se há a coisa que o de Gatão conhecia era o local da Ponte do Castelo. Ficava lá em Cambra, sobre o rio Caima, ali mesmo abaixo de Rôge. Veio por lá, encontrou o saco do dinheiro e ficou rico. A seguir construiu uma bela casa.
3. EM GATÃO AINDA HAVIA MAIS UM “TESOURO”.
Não ficam por aqui as riquezas escondidas no lugar de Gatão e seu termo. Desta vez, trata-se de um sítio encantado ou seja um cabeço que fica situado acima do lugar. Tal, como antes, o seu descobridor ficou rico e construiu uma casa.
Na verdade, em trabalho da nossa autoria, publicado em 30 de Julho de 1994, no Jornal Paroquial de Cepelos “Ecos do Povo“, já dávamos conta aos leitores do dito periódico e após descrevermos os “encantos” existentes em Viadal e lugares circunvizinhos, que:
“Num local, situado acima do lugar e como quem vai para Gandarelas, também num cabeço, deixaram os mouros enterrado um homem em ouro. Este foi encontrado por um proprietário de Gatão que andava a tirar pedra para fazer uma casa. Tinha consigo outros homens que trabalhavam para ele. Porém, o proprietário ao ver o “haver” mandou os homens almoçar. Ao ficar sozinho recolheu o “homem em ouro”, foi vendê-lo ao Porto e ficou muito rico. A casa do dito homem é conhecida pela do alfaiate“.
Janeiro de 2008
ANOTAÇÕES
(10) Banhos – Pregões, proclamas de casamento católico.
(11) – O mesmo que “Frecha da Mizarela”. Imponente queda de água existente próximo da nascente do rio Caima e localizada um pouco abaixo do lugar de Albergaria.
(12) – Seixo Branco, nome dado a uma zona da Serra da Freita, na vertente virada para o rio Caima, onde existiam muitos aglomerados de “rocha branca”, talvez quartzos. Um desses pedregulhos, chamado de “Seixo Longo” situava-se junto do caminho que liga os lugares da Felgueira e Castanheira.
Foi demolido aí pelos finais da década de setenta do século que findou. Era visível de muito longe. Servia como ponto de referência. Conhecemo-lo muito bem.
Numa visita recente à zona, são ainda visíveis, embora dispersos, muitos fragmentos dessa rocha branca e os buracos onde foram efectuadas as extracções.
Como uma das fotos documenta, na Felgueira, na berma da estrada, junto aos estabelecimentos comerciais, estão alguns pedaços dessas grandes rochas que outrora existiram, mais acima, na Freita.
(13) – Para um melhor conhecimento desta Romaria, ver o nosso trabalho publicado na Voz de Cambra, nº 617, de 15/2/1997 e sgts.
(14) – Saliência exterior em granito, normalmente existente na sala principal das casas senhoriais, o sobrado.
(15) – O mesmo que almoço, nos dias de hoje. Naquele tempo as refeições principais eram:
– Mata-bicho ou pequeno almoço, jantar, merenda e ceia, à noite.
(16) – Pausa no serviço braçal, aí a meio da manhã, para se comer qualquer coisa. Ainda hoje se usa.
(17) – Como não havia relógios, nas povoações havia marcas em pedras que quando lá chegava o sol ou sombra eram indicativas para o fim ou início de determinadas actividades, nomeadamente a abertura das presas de água.
Em Viadal era frente ao nível em pedra, que está no rego, no sítio das carreiras, junto à casa que hoje é do Tio Oliveira. A casa foi entretanto alteada e a marca desapareceu.
A tarde, em Viadal, era regulada pela chegada da sombra – Vale de Asna(?) – às leiras localizadas abaixo do lugar de Carvalheda.
(18) – Adiante, em apontamento histórico sobre a aldeia, desenvolvemos melhor este tópico.
(19) A libra inglesa corria na região em meados do século XIX. Em Viadal, um pouco abaixo do lugar, um morador encontrou duas, não há muitos anos, numa leira sua pertença. A que vimos tinha numa das faces o busto da rainha Vitória e a data de 1856.
(20) Lapeira -Recipiente em pedra, muito usual nas casas rurais, existente atrás da lareira e onde se guardavam as cinzas.
Manuel de Almeida