O Tardo na minha Terra

por Marcelo Sousa

Conta a minha avó que quando era pequena havia um vizinho que era um exímio contador de histórias, chamava-se “Ti Evaristo” e começava as suas histórias com um “Era uma vez…” fascinante devido á sua pronuncia e ao seu tom de voz engraçado.

A história que se segue, segundo o próprio é verídica, e gostava de a começar da mesma forma que a pessoa que a contava há cerca 60 anos atrás.

Era uma vez o Ti Evaristo nascido em Cepelos, coveiro e de certeza devido aos factos da história agricultor. Numa certa madrugada ia a personagem da história, de Cepelos “varrer” o moinho a um sitio perto da barragem engº Duarte Pacheco e do actual Viveiro da Trutas que tem por nome “Cunhedo”, com uma “lanternazita”.

Ao seguir por um caminho no meio do pinhal, ouviu muita lenha a “estalar” e a cair ao chão e disse:
Bota pra baixo que amanhã venho-te buscar“.

Chegou ao moinho, entrou, fechou a porta e começou a “varrer” a farinha para vir embora para casa.

Para seu espanto e susto começam “faíscas” de fogo a entrar pela “frincha” debaixo da porta do moinho.

O “Ti Evaristo” nem acabou de “varrer” a farinha do moinho e só voltou para o lugar quando raiou o dia.

Culpou o Tardo pelo sucedido e visto que não tinha sido assustado pelo “estalar” da lenha, troçando ainda com isso, assustou-se com as “faíscas” deveras, e jurou para nunca mais troçar com o Tardo.

O Tardo na minha Terra

A “Ponte Fantasma” (en227), baptizada assim certamente por aqui aparecer o tardo, segundo o que contava o meu Bisavô.

Quando a estrada N227 se construía e também a ponte em questão, havia um Guarda que ia para lá de noite guardar as ferramentas que de dia eram utilizadas nas obras referidas.

Uma certa noite esse guarda assistiu a uma cena que atribuiu ao tardo, que foi o seguinte: ouviu alavancas e ferros tipo numa “avalanche de som” pelo riacho abaixo que passava por baixo da ponte.

Contava também o meu bisavô outra história:

O Zé da Cega que era de um lugar vizinho (Gatão) ao que trabalhava (Cepelos), ia no fim do seu trabalho dormir a sua casa, deslocando-se assim ao escurecer sempre de um para outro.

A meio do caminho num sitio que se chama “Algar”, diz-se que aparecia o tardo.

Num certo dia em alturas próximas do Natal, já de noite o Zé da Cega ia no seu percurso habitual com rumo certamente á sua cama, mas nesse sitio acima referido deparou-se com uma bela, reluzente e enfeitada árvore de Natal. Não se assustou.

Pegou-lhe e levou-a para casa, mas esta cada vez era mais pesada. Ao chegar a casa pousou a árvore em cima de uma caixa e foi-se deitar.

De manhã não tinha nada sobre a caixa, tendo a árvore desaparecido sem deixar rasto algum.

A sua explicação para este acontecimento foi a seguinte: “Era o tardo para lhe pôr medo, mas como ele não teve e para mais ainda levou a árvore para casa, esta desapareceu visto que não tinha causado qualquer medo“.

O Tardo na minha Terra

A estas histórias/lendas sobre o tardo opõem-se outras histórias que se julgavam ser o tardo, mas que afinal tinham outra explicação e que passo a apresentar.

Esta contou quem a viveu, que era a “rapaziada” do tempo do meu Bisavô: a mocidade de Cepelos ia ao “serão” (bailes) a Paçô (terra vizinha a Cepelos). Iam a caminhar e vinham.

Uma noite no fim do “serão” vinham por um “carreiro” que vinha dar à Ponte a Porto Cavalos (ponte romana).

Essa mesma ponte tinha umas “beiras” (murais) cheias de Erias (árvore ou planta).

Nessa noite tinha caído bastante orvalho e para além disso estava uma noite de Luar, onde a lua reluzia directamente na Eria.

A rapaziada a vir do “serão” viu o tal fenómeno e exclamaram todos: “Está ali um Caixão aberto“.

Mas, um mais corajoso ou talvez mais inconsciente, disse: “Vamos ver!

À medida que iam para a frente, o caixão deixava de ter a forma deste, e quando chegaram mesmo perto aperceberam-se que era uma ilusão óptica causada pela junção da Eria com o Orvalho e com o Luar.

Assim ficou explicado o precoce susto, e este fenómeno não ficou ligado ao Tardo.

O Tardo na minha Terra

Conta o meu bisavô outra passagem:

Antigamente quando morria alguém no lugar de Cepelos, ia um Senhor a Gatão buscar o Caixão para enterrar o morto. Naquele tempo os caixões eram simples tábuas.

Assim sendo, morreu uma pessoa no lugar e lá foi o respectivo a Gatão buscar o caixão.

À vinda para baixo, já com o dia escuro, parou no sitio de “Algar” para ir “servir o corpo”, ao mato ali perto.

Claro que, este ao ir, deixou o caixão na berma da estrada, pensando que não passaria ninguém àquela hora naquele sítio.

Outro homem que vinha de Gatão para baixo, instantes depois, deparou com o caixão na berma da estrada e, claro está, assustou-se (naquele sítio falava-se então que aparecia o tardo) e foi para trás, voltando à sua rota no dia seguinte somente.

Mais tarde lá se veio a esclarecer a história, não cabendo esta peripécia do “caixão” ao tardo.

Em suma, poderá nunca ter existido tal fenómeno chamado de Tardo, e este poderá ter acontecido antigamente por várias razões, como coincidências acima demonstradas, fraca visibilidade nocturna, visto não haver electricidade pública, nem estradas, como existem nos dias de hoje.

Mas, no entanto, a nível pessoal acredito na seguinte máxima e aplico-a a este caso, que é a seguinte:
Eu não acredito em bruxas, mas que as há, há!!“.

Histórias dos Nossos Tempos