O Tardo em Tabaçó

O Tardo em Tabaçó
Manuel de Almeida
Nota Introdutória

Em edições anteriores da Voz de Cambra, debruçamo-nos sobre as tradições e lendas das faldas da serra da Freita, algumas passadas em Gatão.

Neste número e seguintes deambularemos por outras aldeias circunvizinhas e em particular pelos acontecimentos ocorridos nos seus moinhos, a maioria deles situados no rio Caima.

Se nos contos anteriores apareciam aves como mensageiras de determinadas notícias ou acontecimentos, agora vamos ter, por vezes, outra personagem mitológica designada de Tardo a desempenhar as mesmas tarefas e muito comum nas narrativas ouvidas nas aldeias, até finais do século XX.

Mas o que sabemos, em concreto, sobre o Tardo?

O Tardo ou Trevor é uma espécie de duende, um ser mítico do folclore popular português. O tardo também se chama de pesadelo ou tardo moleiro.

O tardo vai importunar as pessoas que estão a dormir na cama que depois acordam com um grande pesadelo.

O tardo pode aparecer na figura de um animal e frequentemente aparece na figura de um cão, gato ou cabra.

O tardo quando aparece nos caminhos, nos regatos e nas encruzilhadas tenta deixar as pessoas intardadas (desorientadas) sem saber qual caminho seguir, mijando nas pernas das pessoas.
(in, José Leite de Vasconcelos. Tradições populares de Portugal)

Tendo como pano de fundo este enquadramento, entenderemos melhor o Tardo(1) que vagueava pelas proximidades dos moinhos do Caima e que era deveras interessante e matreiro. Vejamos.

O Tardo em Tabaçó

1. O Tardo, o moinho e as duas mulheres de Tabaçó

Em dia de  grande invernia as tias Joaquina e Rosa, solteironas de Tabaçó, foram ao moinho(2) do Caima –  situado junto à ponte velha que liga Viadal a Paço do Mato –  moer milho para uma fornada de pão.

Atendendo ao estado do tempo, deixaram-se por lá ficar até terem a farinha necessária para encher o fole.

Aquando de um estiado(3) meteram-se ao caminho, serra acima,  direitas ao lugar. Chegadas ao Vale das Regadas, ali perto das alminhas(4), fizeram uma “pousa”, a fim de descansarem um pouco.

Nisto, no lameiro ao lado, debaixo de umas parreiras americanas e no meio da erva alta, ouvem um cordeirito a balir.

Como o animal era pequeno, muito bonito e se encontrava todo molhado e enregelado,  chamaram-no para junto delas. O borreguito não se fez rogado e, de mansinho,  chegou-se para perto das serranas.

A que não levava a farinha, a tia Rosa, pegou nele ao colo e agasalhou-o no seu xaile de lã preta que estava enxuto.

Porém, o animal mostrou-se mais pesado do que aquilo que aparentava, pelo que  decidiu colocá-lo às costas.

Aconchegado, agora, no cachaço da aldeã o anho lá ia berregando baixinho e, de quando em vez,  mijando-lhe pelas costas abaixo.

Subindo a íngreme quelha que levava à Cabaninha e saturada com o peso e atitude da rês, diz para a sua companheira:

– “Oh Joaquina pega lá no cordeiro que já não me entendo com este maroto“.

Por solidariedade, a tia Joaquina dá-lhe o fole e agarra, por sua vez, no animalzito.

Contudo, o seu comportamento é que não se alterou. Urinou, pelo menos, duas vezes, nas suas modestas roupas.

Chegadas ao lugar e a casa, acenderam o lume e fizeram uma boa fogueira com um daqueles toqueiros(5) grandes de raíz de castanheiro.

Deste modo, não só secavam as saias, que tiraram,  como aqueciam o cordeirito que, ali aninhado aos seus pés, balia várias vezes. Era uma cena enternecedora, conforme ainda hoje consta.

Por ser inverno, as ditas mulheres vestiam, por cima de um saiote de pano cru, saias de serguilha que, como referido, puseram a enxugar.

Cuecas, agora ditas de calcinhas, era coisa que não se usava naqueles tempos.

Tinha, entretanto, recomeçado a chover e a soprar um vento sul bastante forte o que devolvia o fumo para dentro da habitação.

Daí o elas terem  a porta um pouco entreaberta, embora travada com uma tranca de madeira, não fosse o diabo tecê-las e aparecer por ali algum rapazola a importuná-las, o que já não era a primeira vez. Apesar do mau estado do tempo, estava-se bem dentro de casa.

É então que, quase desnudadas, sentadas à lareira e a fazerem carícias ao anhito,  sofreram a maior das surpresas das suas vidas:

– Num repente, o animal levanta-se, vira Tardo, e sai a correr, porta fora, gritando em bom português:

“Laru, laru vi-te aquilo mais o cu; laru, laru vi-te aquilo mais o cu…”.

Anotações


(1) – Ver também, a este propósito, na Internet, o blogue de Marcelo de Sousa,  onde são contadas algumas histórias envolvendo o Tardo em Gatão e Cepelos.

(2) – A foto é do ano de 1984. (foto inexistente)

(3) –  Pequeno intervalo de tempo sem chover.

(4) – A foto é recente. Ano de 2012. Aqui entroncavam os caminhos vindos de Paço do Mato e da Póvoa dos Chões.

(5) – O mesmo que toco.

Nota Geral:
– Matéria publicada na Voz de Cambra de outubro e novembro de 2012.

O Tardo em Tabaçó

Adcra Viadal