O castanheiro dos ovos

O castanheiro dos ovos
Manuel de Almeida

Em tempos idos eram abundantes os castanheiros e as carvalhas por todo o Riba-Caima. Disso nos dão conta os documentos medievais onde muitas povoações das redondezas foram buscar o nome. Exemplos: Castanheira, Carvalheda, Carvalhal Benfeito, em Tabaçó; Carvalhal do Chão, entre outras.

Também, no perímetro florestal de Viadal, havia grandes soutos com castanheiros de grande porte e de vetusta idade. Alguns tinham tantos séculos que já estavam ocos por dentro. Contudo, rejuvenesciam, todos os anos, e davam saborosas castanhas. Para a história ficaram célebres dois:

Um, no sítio da Bouça do Moinho, junto ao carreirito que leva(va) ao Moinho do Rão, ali onde o tio Alberto Carvalho tinha uma propriedade. Anos idos, foi notícia na imprensa escrita, nomeadamente na Voz de Cambra, nº 425, de 1.12.1988.

Conhecemo-lo muito bem. Fotografamo-lo em 1990. É visível, contudo, só a copa, já que ao tronco, por falta de luz, não foi possível fazê-lo.

Outro, no Largo (1) de Beijós, contíguo ao caminho que leva(va) à Póvoa dos Chões. Era conhecido de toda a gente pelo “castanheiro dos ovos”. Por já não ter cerne (2), suportado na casca, servia de abrigo aos pastores e viajantes a caminho da Póvoa e, em dias de festa, aos romeiros da Senhora da Laje.

O nome teve origem no facto dos moradores da Póvoa oferecerem, pela Páscoa, o folar em ovos (3), como era então tradição, e não em dinheiro como ocorre nos dias de hoje.

Acontece que os “folareiros”(4) ao regressarem, acometidos de fome, surripiavam alguns, ao pecúlio a entregar ao pároco, e bebiam-nos crus, fazendo um furo de cada lado oposto do ovo.

Para não serem descobertos mandavam as cascas para dentro da cavidade da árvore, daí o nome que aqui deixamos para a posterioridade.

O castanheiro dos ovos

Certo dia um homem, vindo da Castanheira, descia, sozinho, pelo carreiro que passava junto da Fonte Sapa, rumo a Paço do Mato. Sentindo a presença humana, um lobo esfaimado começa a fazer-lhe um cerco.

Como pôde lá foi afugentando, com o seu cajado, a fera, até que chegou ao “castanheiro dos ovos”. Assustado, e não tendo para onde fugir, escondeu-se dentro do tronco oco da árvore.

Enraivecido, o canídeo circundava o castanheiro, esfregando-se ao mesmo tempo no mesmo. Acontece que, numa das vezes, descuida-se e a ponta do seu rabo entra por um buraco do madeiro.

O viandante não é de meias medidas. Aproveita a desatenção do lobo e agarra-se à cauda do mesmo, não o deixando fugir. Enquanto o animal tentava escapulir-se, o homem ia berrando, fazendo eco na montanha:

Marau, marau, encosta o cu ao pau“; “Marau, marau, encosta o cu ao pau” …

Tanto o segurou e gritou alto que, alguém, talvez de Tabaçó, andando pelas redondezas, acorreu em seu socorro e o salvou de ser alimento da fera e da sua alcateia.

Fonte

INFORMANTES, DE VIADAL:
. Tio Joaquim Quintal, conhecido pelo “Cavada Santa”. Década de oitenta do século XX.
. Tia Lina em Agosto de 2009.

ANOTAÇÕES:
(1) – Nos anos cinquenta do século XX, dizia-se “Nêdio de Beijós”. Aqui perto, ao surribar-se uma leira, do tio Júlio Quintal, foram encontrados vestígios de ocupação humana. In, Monografia de Viadal, pág.45. – Texto dactilografado.

(2) – Conhecemos bem este castanheiro, quando éramos miúdo. Junto dele brincamos ao neto, com as outras crianças, enquanto o gado vacum pastava em Vale Quentinho, ali bem perto.

(3) – Sobre esta prática religiosa ver o nosso trabalho com o título “A VISITA PASCAL EM TERRAS DE RIBA-CAIMA“, publicado na Voz de Cambra nº 649 de 1 de Julho de 1998 e RIBACAIMA.

(4) – Aqueles que fazem a “visita pascal”. Em jovem chegamos a acompanhar um seminarista na visita Pascal à Póvoa. Tínhamos como missão badalar a campainha.

(5) – Os seus descendentes em Vilar são conhecidos pelos da Corga. Vilar foi terra de alfaiates, entre outros mestres. Ver o nosso trabalho o “Tabelião da Serra”. Logo que viável, pensamos deixar, para a posterioridade, o nome daqueles de quem temos registo, bem como dos que viveram nas aldeias em redor.

(6) – Ver, a este propósito, o nosso conto: – O Tesouro da Fonte de Gatão, na parte respeitante às “Fidalgas de Macieira”.

FOTOS
. Póvoa dos Chões, vista da Castanheira. Ano de 1993.
. Viadal: – Copa de castanheiro, com vários séculos. Ano de 1990.
. Beijós, caminho antigo para a Póvoa, junto à corga. Ano de 2012.
. Albergaria das Cabras: – Procissão e coro de Viadal. Ano de 1990.

O castanheiro dos ovos
Póvoa dos Chões, vista da Castanheira. Ano de 1993
O castanheiro dos ovos
Caminho em Beijós, junto à Corga
O castanheiro dos ovos
Nas proximidades. Ano de 2012. Mais acima o Castanheiro dos Ovos
O castanheiro dos ovos
Procissão em Albergaria das Cabras. Ano de 1990
O castanheiro dos ovos
O coro de Viadal na procissão de A. Cabras. Ano de 1990
O castanheiro dos ovos
Copa de castanheiro centenário no sítio da Bouça do Moinho