Gostava de contar “estórias” o nosso avô paterno. Apesar de sermos então muito pequenos, recordamos, ainda hoje, duas delas, que aqui deixamos para a posteridade. Vejamos:
Primeira: – Trata-se de uma linda declaração de amor, feita por um jovem e cortês pastor que usava lenço no pescoço. A acção decorre aí por finais do século XIX. Recitava-a, como que em verso.
“Vou-me por aí abaixo,
com o meu lenço ao pescoço,
só para ver se sou seu moço,
e quem tem olhos bem vê,
salve-a Deus vossa mercê.
Sou das cabras do tenente,
dou-lhe as voltas ao repente,
às do homem e às minhas,
e não posso namorar meninas,
que as cabras andam sozinhas”.
Segunda: – Abordava, sem o saber, as relações laborais dos trabalhadores braçais negros no Brasil, terra onde tinha estado emigrado. Contava-nos que estes trabalhadores tinham um modo de viver muito peculiar e pragmático.
a)
Assim, se o patrão, dava ao preto:
pão bolarento,
vinho vinagrento
e
sardinha salgada,
então:
deita-te preto,
e
trabalha enxada;
b)
Mas se o patrão, dava ao preto:
bom pãozinho,
bom vinhinho,
e
bom toucinho,
então
levanta-te preto
e
trabalha corpinho.
Referimos, a título de síntese, que nosso saudoso avô, chamado António, endeusava o Brasil, apesar de lá ter trazido poucos cabedais.
Usava regularmente termos como “terno” para designar fato/vestimenta de homem; “chácara” para se referir a uma pequena quinta; “roça” para grandes propriedades; “cachaça” para aguardente e muitos outros que a nossa memória já não retém.
Manuel de Almeida