As Bruxas e o Crianço de Tabaçó

As Bruxas e o Crianço de Tabaçó
Manuel de Almeida

No quentinho das mantas

Naquele final de verão, talvez fruto do Inverno ter sido rigoroso e aconselhar os casais a desfrutarem do aconchego da fogueira e das mantas, havia nas aldeias da Freita muitas crianças. Uma delas, do sexo masculino, era de Tabaçó.

Acontece que os pais, devido aos muitos afazeres, ainda não tinham arranjado tempo para se deslocar  à igreja paroquial  para baptizar o seu rebento.

Sabedoras disso, as bruxas, que vagueavam pela ribeira de Viadal, engendravam já planos para ir “sugar”, o sangue do garoto, prática corrente nelas; sobretudo nos bebés – os custódios(1) ou custódias – que ainda não tinham sido ungidos com o sagrado sacramento do baptismo.

O tio Quintal e as bruxas da mina da Defaifa

Certa noite de Agosto, de uma grande acalmia e de um luar intenso, em que não era necessário usar candeia para se alcançar o lugar, o tio Quintal, de Viadal, regressava do Moinho do Rão, carregado.

Cansado, com o peso da farinha, fez uma pousa(2), junto à mina da Defaifa,  a fim de retemperar forças e subir até ao lugar.

Dado o adiantado da hora, foi com surpresa que ouviu ruídos vindos dos lados da  nascente da água. Escutando, agora com mais atenção, logo deduziu que eram bruxas em “conversita” umas com as outras.

Apurando o ouvido, mais escutou que elas estavam a combinar ir a Tabaçó, para  “sugarem” o sangue da criança, ali recentemente nascida e ainda não baptizada.

Já não era a primeira vez que lhe tinham contado que as bruxas eram capazes daquilo e de muitas outras malfeitorias.

Como nunca as tinha visto, ria-se sempre, pois pensava, para consigo mesmo, que os vizinhos eram parolos ou coisa parecida. Só os antigos acreditavam naquelas trapacices. Ele não.

Desde então, depois daquilo que auscultou, deixou de pensar assim. Por isso, apressou-se a regressar ao lar e disposto a tomar as medidas adequadas.

Tanto assim foi que, chegado à sua residência, nem sequer acordou a mulher que dormia santamente. Pousou o fole, com a farinha, em cima da masseira  da cozinha, de seguida pegou no sorrascadoiro(3) do forno, colocou-o ao ombro e, a correr, dirigiu-se para Tabaçó.

O tio Lomba, acorda espantado.

Era quase madrugada quando chegou a casa do tio Lomba, pai do crianço e seu parente. Batendo fortemente na porta, foi em sobressalto que o lavrador e a mulher acordaram.

Surpresos, pelo adiantado da hora e pelo teor da notícia que acabava de lhes ser dada, logo correram para junto do berço da criança. Foi com grande alívio que verificaram que ela dormia sossegadamente e sem sinais de intervenção das feiticeiras.

O baptismo do garoto, na matriz em Cepelos

Não perderam, contudo, tempo. Logo ali decidiram ir, de imediato, baptizar o bebé. Dada a emergência, pediram ao visitante que fosse o padrinho, o que este, prontamente, aceitou.

Quanto à madrinha, nem sequer se preocuparam com ela, pois como era tradição, à sua falta e dada a emergência, bem podia ser Nossa Senhora das Neves, a padroeira da freguesia.

Foi com espanto que o padre, lá no Casal em Cepelos, os viu chegar tão cedo, com o petiz ao colo. Ouvida a versão dos camponeses, logo a criança foi baptizada, mesmo antes do início da missa matinal.

Quanto às bruxas, ainda não foi daquela vez que levaram a melhor, pelo menos lá para os lados de Viadal e Tabaçó.

ANOTAÇÕES:

(1) – Nome dado às crianças antes de baptizadas.
(2) – Pausa para descanso.
(3) – Utensílio, com cabo comprido de madeira, utilizado para limpeza das brasas do forno.

As Bruxas e o Crianço de Tabaçó
Tabaçó. Lugar de Cima.
Na casa à direita, logo a seguir ao canastro, funcionou a primeira Escola Primária (anos de 1953 a 1955??). 
A foto é do ano de 2012.

Manuel de Almeida