(in, Voz de Cambra nº 649 de 1 de Julho de 1998).
PRÓLOGO.
Tradição que se mantém viva nas aldeias localizadas em redor do Santuário de N. S. da Ouvida é a da “visita pascal”, levada a efeito, todos os anos, por representantes da paróquia.
Embora não revestindo ineditísmo, por ser comum tal prática nas redondezas, convirá conhecermos também o que se passou, a tal respeito, em 1996, nos lugares de Póvoa, Viadal, Tabaçó e Vilar.
Dada a extensão da freguesia de Cepelos, localizada ao longo da margem esquerda do rio Caima, foram três as cruzes que, em 7 de Abril de 1996, domingo de Páscoa, saíram a visitar os lares dos Cepelenses.
Apesar do dia ter amanhecido chuvoso e pouco convidativo ao passeio, seguimos de perto o trajeto de uma delas, mais propriamente aquela que se destinou à parte alta da freguesia.
Em boa hora o fizemos, não só porque revivemos uma tradição do passado, mas também por ficarmos com a certeza que terá continuidade, dado o empenho que os “visitadores” colocaram na sua tarefa e o carinho com que, em todos os lares dos quatro lugares, foram recebidos.
Foi notório que, apesar da espera, devida ao povoamento disperso que actualmente caracteriza as aldeias, todos os habitantes aguardavam com simpatia os visitantes.
Na verdade, os lugares de há cinquenta anos eram aglomerados de casas contíguas ao longo do caminho principal e alguns adjacentes, onde, mal amanhecia, os habitantes encontravam-se todos uns com os outros. Hoje predomina a dispersão, daí a demora.
Caso paradigmático é o do lugar de Vilar que começa no Chão-do-Monte – sítio sem moradores em 1950 – e se estende até próximo de Gatão. Foi necessária uma tarde para o percorrer.
A VISITA PASCAL NO PASSADO.
– Como e quando apareceu a tradição de visitar os lares das famílias no “mundo cristão”?
Rezam os escritos que a festividade da Páscoa já se realizava, antes do nascimento de Cristo, pelos Judeus, em memória da travessia do mar Vermelho e também da passagem do anjo exterminador que, na noite em que os Judeus partiram do Egipto, matou todos os primogénitos dos Egípcios, mas sem tocar nas casas dos Israelitas, marcadas com o sangue do cordeiro.
Coube aos Cristãos recuperar tal tradição, associando-a à Ressurreição de Jesus Cristo, isto é, da sua passagem da morte para a vida.
Naquilo que respeita à visita Pascal em Portugal, já lhe conhecemos relatos em plena “idade média”. Era prática dessa época o pároco visitar as aldeias, benzer as casas e receber os tradicionais ovos. (1)
A “VISITA PASCAL” NOS ANOS CINQUENTA DESTE SÉCULO.
Nestas aldeias era quase sempre na segunda-feira de Páscoa que o padre vinha tirar o folar ou então no domingo de Pascoela. O domingo de Páscoa era sempre reservado para os lugares do fundo da freguesia.
Finda a missa em Viadal o pároco visitava este lugar, dirigindo-se depois para a Póvoa. Seguia-se Tabaçó e ao fim do dia Vilar.
Como hoje, a comitiva incluía, para além do sacerdote, o portador da cruz, o homem da caldeirinha e outro que recolhia as ofertas. Estas eram invariavelmente ovos ou numerário. Aqueles eram depositados numa cesta, enquanto que o dinheiro, geralmente uma moeda, era espetado numa laranja colocada no centro da mesa.
A visita era pretexto para arranjo das casas e até limpeza dos caminhos dentro das aldeias. Em muitos trechos espalhavam-se pelo chão ramos de arbustos, sobretudo alecrim, e flores.
Na mesa via-se sempre bolos, ditos de doces, e nalguns casos amêndoas. Com excepção das casas mais abastadas, onde havia vinho do porto – aqui chamado de fino – e figos, os visitantes raramente se serviam dos conteúdos que encimavam as mesas, embora fossem sempre convidados a fazê-lo. Das casas que ainda recordamos de paragem obrigatória eram: em Viadal, a do Sr. Diamantino Tavares; em Tabaçó dos Srs Lomba e Santos e em Vilar, a do nosso avô, Joaquim Santos.(2)
Finda a cerimónia que incluía o benzer da casa e beijar da cruz, seguida dos tradicionais desejos de boas festas, pelo pároco, passava-se à residência seguinte.
A VISITA PASCAL NO ANO DE 1996.
Os preparativos para a “visita pascal” aos quatro lugares, começaram nas vésperas do domingo de Páscoa – dia 6 -, em Viadal em casa do Alberto de Almeida, mais conhecido entre a “malta nova”, por tio Alberto. Aí se juntaram o Avelino Fernandes e o António Cubal. Em conjunto prepararam e limparam as “alfaias religiosas”, nomeadamente a cruz, caldeirinha e hissope para utilização no dia seguinte. Aí acertaram melhor os horários e calendário da visita, por forma a que tudo batesse certo.
De aviso estavam também o Adelino Costa de Vilar que, no dia imediato se lhes havia de juntar, e bem assim os elementos destacados em cada lugar para os acompanhar e proceder, em cada residência, à colecta dos donativos.
Também em cada lugar houve nos dias antecedentes um peditório, levado a efeito pelos jovens, tendente a angariar fundos para o lançamento de foguetes no decurso da visita. Cada morador contribuiu a seu modo e de forma voluntária.
O INÍCIO DA VISITA.
No domingo de Páscoa, logo pela manhãzinha, o Alberto deslocou-se à igreja matriz em Cepelos, para assistir à missa, recolher da pia baptismal a água benta destinada a aspergir as residências e trazer consigo o “Seminarista” que haveria de substituir o padre na visita.
A CHEGADA AO LUGAR DA PÓVOA.
Rondavam as nove horas da manhã quando a comitiva, ida de Viadal, devidamente paramentada chegou à Póvoa. Era composta pelo Seminarista – cujo nome lamentavelmente não anotamos, mas que sabemos ser de Arouca – pelo António Cubal vestido de opa vermelha e portador da cruz, pelo Avelino Fernandes, com a caldeirinha da água benta, híssope e campainha; pelo Alberto em representação da paróquia e pelo Adelino Costa, com a missão de proceder à cobrança da anualidade do jornal paroquial “Ecos do Povo”.
Na estrada tinham à sua espera a comissão local de acompanhamento e alguns habitantes, sobretudo homens. Iniciada a visita numa das moradias junto à estrada, logo rebentaram os primeiros foguetes anunciadores, juntamente com a campainha, de que a cerimónia estava em curso.
O RITUAL
Chegados à residência, cuja porta se encontrava aberta, o portador da cruz tomou a dianteira entrou e disse:
– “Boas Festas, Aleluia!”
Seguiu-se-lhe o Seminarista, paramentado de branco. Pegou no hissope, cheio de água benta, aspergiu os cantos da casa e igualmente exclamou em voz alta:
– “Boas Festas, Aleluia!“.
Dito isto, foi a cruz dada a beijar a todos os presentes que, colocados de pé em redor da mesa, a beijaram.
De seguida o representante do pároco cumprimentou todos os presentes e desejou, mais uma vez, “Boas Festas”. Idêntica postura tiveram os restantes elementos da comitiva.
Entretanto, em cima da mesa, que se encontrava cheia de iguarias, nomeadamente doces e amêndoas, havia uma “travesseira” bordada, onde o António Cubal colocou a cruz.
Nisto, o dono da casa convidou os presentes a servirem-se da comida e bebida expostas, o que foi aceite.
Retiraram, sobretudo amêndoas. Estas haviam de servir para distribuir pelas crianças que se encontravam nas outras habitações ou que iam aparecendo ao longo das ruas, o que as deixava satisfeitas.
Recolhido de cima da mesa o envelope com o dinheiro da oferta, por um elemento da comissão local, trocadas palavras de circunstância e apresentados os cumprimentos, a comitiva rumou à casa seguinte onde o ritual se repetiu.
A excepção foi para as residências onde havia pessoas enfermas ou encamadas. Aqui a demora foi maior e muito mais atenciosa.
O AMBIENTE ENVOLVENTE.
Pese embora o facto de o dia se ter apresentado chuvoso, a comitiva era esperada e desejada pelos moradores. Prova disso estava na forma cuidada como prepararam e embelezaram as residências e pela maneira como estavam vestidos em traje domingueiro.
Também as ruas, sobretudo nas proximidades das casas, estavam limpas e em muitas delas havia verduras espalhadas pelo chão, bem como pétalas de flores o que dava um certo colorido à cerimónia.
EM VIADAL AINDA SE VIU TRADIÇÃO.
Terminada a visita pascal à Póvoa a comitiva rumou a Viadal, onde, pelas 11 horas, iniciou a cerimónia na forma costumeira. Aqui, dada a amizade e conhecimento que nos une aos moradores, também fomos visitadores.
Foi precisamente neste lugar que encontramos ainda a tradição antiga de colocar a oferta numa laranja. Na verdade, o fruto encontrava-se recheado de moedas colocadas em ranhuras feitas para o efeito
Surpreendidos, inquirimos a dona da casa – Lucinda, esposa do Avelino -, ao que ela respondeu:
– “Tradição é para manter“.
Pelas 13 horas e numa altura em que chovia copiosamente, terminou a visita ao lugar e fez-se uma pausa para almoçar.
EM TABAÇÓ FEZ-SE CONTAS.
Eram umas 14 horas quando ouvimos foguetes em Tabaçó, sinal evidente de que a cerimónia se havia iniciado. Ao chegarmos, junto ao “posto” do leite, logo encontramos um magote de gente, sobretudo homens e rapazes, um dos quais o fogueteiro.
Tinha a visita começado na aldeia de baixo. Passado pouco tempo já a comitiva se encontrava junto a nós, dirigindo-se para a residência do Sr. Joaquim Santos, onde a esperava uma casa cheia de gente.
Terminou a visita ao lugar em casa do Sr. Pedro Ferreira. Aqui, petiscou-se e o elemento da Comissão local apresentou as contas relativas à recolha de fundos.
EM VILAR HAVIA MUITAS FLORES ESPALHADAS PELO CHÃO.
Dos quatro lugares visitados, Vilar é o maior. Conhecemos ainda o Chão do Monte sem moradores e hoje vivem lá bastantes. Não admira, por isso, que iniciada a visita pelas 15 horas ela só tenha terminado ao cair da noite.
Se a cerimónia em si não diferiu muito do acima referido, dois acontecimentos valerá a pena registar:
– O primeiro, teve a ver com a cerimónia da bênção da Sagrada Família, uma bela obra de arte sacra, em casa do Sr. Martinho Gonçalves Costa e sua esposa D. Arminda. Tratou-se de uma manifestação de religiosidade e devoção que será oportuno mencionar.
– O segundo, prende-se com a tradição, comum a quase todas as residências, de enfeitar com pétalas de japoneira e de outras flores o local de passagem da comitiva desde parte da rua até ao cimo da escadaria que leva à sala.
Isto, aliado aos ramos de alecrim espetados nas portadas, dava um certo colorido à cerimónia e demonstra o empenhamento e interesse na manutenção da visita pascal.
ALGUMAS REFERÊNCIAS À VISITA PASCAL EM TERRAS DE CAMBRA.
Longe de sermos exaustivos deixamos aos interessados algumas indicações sobre a visita pascal, retiradas sobretudo da Voz de Cambra.
• Nº 551, de 15/4/94 – Macieira de Cambra.
• Nº 574, de 15/4/95 – Vila Chã.
• Nº 598, de 15/4/96 – Arões/Junqueira.
• Nº 599, de 1/5/96 – Vila Chã.
• Nº 621, de 15/4/97 – Junqueira. ___________________________________________________
(1) – in, Voz de Cambra, nº 528, de 15/4/93.
(2) – Ver, no RIBACAIMA, o nosso trabalho com o título: – O Tabelião da Serra.
NOTAS
. Na Voz de Cambra nº 649 de 1 de Julho de 1998 onde se lê “isopo” deve ler-se “hissope”.
. Também no mesmo quinzenário, edição nº 665 de 15 de Março de 1999, publicamos um artigo idêntico com o título: – “A Visita Pascal em Lamosa”.
Trata-se de um relato comparativo, por nós vivido em 1992, nesta localidade nas proximidades do Santuário da Lapa em Sernancelhe.
Naquele domingo de Páscoa a aldeia estava em festa. Lá estavam os seus residentes, naturais da diáspora e convidados.
Todos tinham as mesas recheadas e todos eram bem-vindos, inclusive os forasteiros.
A comitiva andava sempre acompanhada. Toda a gente convivia e petiscava. Aproveitamos o ensejo para tirar fotografias e aplicar a regra: – “à terra onde fores ter, faz o que vires fazer”.
BEM HAJAM.