in, Voz de Cambra nº 709 de 15 Fevereiro de 2001).
PARTE VII
2.7. A ROMARIA NOS TEMPOS PRESENTES. (Finais do século XX)
Como demonstramos a romaria era o local privilegiado de encontro entre os habitantes da beira-mar e os da serra. Todos os autores são unânimes nesse ponto e da riqueza desse convívio. Eram dias de fé e sobretudo de folguedo, côr e animação.
Referindo-se à romaria, Pedro Homem de Melo(1), diz-nos que aqui “o mar dança e a serra canta”, expressão esta que resume magnificamente o ambiente festivo de então. Da beira-mar os dançarinos. Da serra o povo com as suas cantarolas.
Quem não se lembra da passagem das romeiras, a caminho da Senhora da Saúde ou da Lage sempre a cantar?
Mas nem era preciso haver festa para se cantar. Bastava que meia dúzia de raparigas se juntassem a caminho da apanha da erva ou outra tarefa qualquer para logo se “botar cantarola”.
Hoje, tudo isso findou. Há eventualmente mais poder de compra, mas fugiu a alegria.
Com efeito, a industrialização do país e da região, aliada à alfabetização da população implicaram mudanças profundas no modo de viver e pensar das gentes do concelho e limítrofes.
Passou-se em poucos anos de uma sociedade eminentemente rural e de feição tradicional(2), com uma estrutura económica simples ou de subsistência para uma sociedade de tipo industrial e de pendor tecnológico.
Ora, se ao que ficou dito juntarmos a mobilidade propiciada pelos meios de transporte modernos, nomeadamente o automóvel, encontramos uma explicação plausível para a eventual quebra de alegria dos romeiros que em grande número continuam a subir ao alto de Gestoso.
Na verdade, são aos milhares os forasteiros que visitam nos tempos presentes o santuário, mesmo em fins de semana, que não os festivos, como recentemente podemos constatar. Está, contudo, a romaria mais “institucionalizada”.
Olha-se mais para o espectáculo propiciado pelas Bandas de Música e Ranchos Folclóricos do que se participa da festa. Já não é preciso ir a pé, a não ser no cumprimento de alguma promessa. Antes caminhava parte de uma aldeia.
Hoje, vão no máximo quatro familiares no mesmo automóvel. Estes, em dias de festa são aos milhares e por vários quilómetros em redor.
Já não há necessidade de pernoitar no arraial. Em menos de uma hora de carro está-se em Pardilhó, Ovar ou Manhouce lá para as bandas da Freita.
Deslumbrantes continuam a ser as cerimónias religiosas, nomeadamente a imponente procissão, acompanhada pela sempre fiel Banda de Pardilhó e de muitos crentes.
O programa religioso e profano da romaria não difere muito do padrão comum de há 40 ou 50 anos. Seguindo de perto o artigo de M. J. T. Junqueira (3), que relata a festividade no ano de 1999, constata-se que:
- Dia 13 – várias celebrações eucarísticas;
- Dia 14 – concertos musicais, actuação de rancho folclórico e arraial nocturno.
- Dia 15 – missa e procissão solene.
Como dantes mantém-se o costume de pagar promessas à volta da ermida, com a novidade de haver um queimador para a cera e ainda a tradição sadia de merendar debaixo das árvores em família e amigos.
Muitos e barulhentos são os feirantes. Se bem que necessários bem podiam usar de maior discrição, sobretudo nos períodos em que decorrem as cerimónias religiosas.
Já no passado lhe eram feitas idênticas críticas, só que então não havia auto-falantes e outros amplificadores de som, como hoje. Vê-se de tudo. Tendas ou carrinhas de comes e bebes, vendedores de frutas, regueifas e outros doces e de toda a espécie de bugigangas/quinquilharias.
Sempre presentes estão os divertimentos, com predominância dos carroceis e carrinhos eléctricos ou de choque. Para gáudio da juventude é um “mundo” de luz, cor e muito som.
Em síntese: A centenária romaria de Nossa Senhora da Saúde da Serra, pese embora as atribulações por que passou nas primeiras três décadas do século XX, mantém bem acesa a chama da fé e como tal continua a atrair ao local verdadeiras multidões.
Perdeu é certo alguma vivacidade, mas os tempos e as pessoas são outras. Os séculos XIX e XX já ficaram para trás. A centúria que agora se inicia será, estamos em crer, de continuidade.
FIM
Manuel de Almeida
BIBLIOGRAFIA:
(1) – MELO, Pedro Homem – A DANÇA POPULAR NO DISTRITO DE AVEIRO – in, AVEIRO E O SEU DISTRITO, nº 1. Ano de 1966.
(2) – Em artigo por nós publicado no nº 2 do Boletim Cultural de Vale de Cambra, com o título a “Evolução da Indústria no Concelho de Vale de Cambra” esperamos ter deixado um contributo válido que permita aferir melhor a mudança ocorrida no emprego e seu consequente impacto no “modus vivendi” das populações.
(3) – Artigo publicado na Voz de Cambra nº 675 de 1/9/1999.