Parte II – Viadal ao Tempo do Rei D. Dinis.
1. Prólogo
Conhecedor que somos, há vários anos, do documento delimitador do Couto do Convento de Arouca em relação às terras circunvizinhas, nomeadamente a de Cambra, sempre quisemos saber por onde passava essa linha divisória, na parte junto ao rio Caima, por daí sermos naturais.
Sendo um desses pontos chamado de Pedra do Couto (1), nas proximidades da Castanheira, indagamos, em 1994, junto dos habitantes das aldeias em seu redor, o sítio onde ficava.
Colocada a questão ao tio Manuel Russo ou da Castanheira, morador na Póvoa dos Chões, logo se mostrou sabedor onde era o local, como se prontificou a guiar-nos até lá. Acertada a data, fizemo-nos à montanha.
Desta vez, os “sertanejos” foram em maior número, do que anos mais tarde a Covas (2) e ao Choilinho.
Capitaneados, pelo tio Castanheira (3) e acompanhados de nosso pai – tio Fernandes -, Zé da tia Lina e o António, filho do “capitão”, que nos transportou na sua furgoneta (4), chegamos à Ribeira. Regressamos a pé.
2. A povoação da Ribeira da Castanheira.
Localizada na margem direita do rio Caima, um pouco abaixo da Frecha da Misarela, a pequena povoação apresentou-se-nos bastante cuidada, soalheira e rodeada, do lado de cima, por uma mancha de pinhal.
Abaixo, e até ao rio, pequenas leiras cultivadas de milho, visível nas fotos. Uma pequena ponte, em cimento, junto a um moinho, ligava as duas margens do Caima.
A sua fundação deve ter sido posterior a 1687, já que documento a que tivemos acesso, publicado na História do Bispado de Lamego, a não menciona. Aparecem lá referenciadas, isso sim, as aldeias de Castanheira, Cabaços, Misarela e Albergaria.
Na altura da visita, residiam no lugarejo:
– Manuel Fernandes, cunhado do tio Russo e sua mulher; Franklim, mulher e 2 ou 3 filhos; e o Manuel, com deficiência física, vivendo só. Eram todos maiores de 40 anos, exceto os descendes de Franklim.
Aqui nasceu, contudo, gente rija, nomeadamente Maria Teresa que morreu, em 1935, com 114 anos. Morava então no Merujal. (in, J. Cambra nº 161 de 1935). Era avó de Manuel Henriques Peixoto, comerciante em Santos no Brasil.
3. À procura da Pedra do Couto.
Atravessado o pontão, sobre o Caima, fizemo-nos à serrania. Era então lesto o tio Castanheira. Apesar de sermos mais novos, tivemos de lhe pedir, algumas vezes, que parássemos para descanso.
Sempre jovial, desbravando mato, levou-nos junto de vários pedregulhos – vide foto ilustrativa -, escondidos entre os pinheiros, dizendo-nos: – “Aqui tens a Pedra do Couto”.
É de crer que, à data da redação do documento medieval, o local fosse visível de longe; já que a florestação da serra com pinheiros é recente.
Data dos anos cinquenta do século XX. Andamos na escola primária de Tabaçó com os filhos (5) do guarda florestal, o Sr. Seixas.
Assim, podemos indicar que, de acordo com o nosso informante, a Pedra do Couto, ou assim é conhecida pelos habitantes locais, fica na margem esquerda do Caima, a caminho do lugar da Castanheira.
Fronteiro a esta Pedra, agora na margem direita, e lá por cima do povoado da Ribeira, vê-se outro monte que é conhecido por ser o Outeiro Alto.
Já vários séculos antes, tempo do rei Vamba, houve, provavelmente mais acima, na Freita, nas imediações do radar meteorológico, um outro marco, também chamado de Petra (6), a dividir as então dioceses de Lamego, Coimbra e Viseu.
4. A Quinta do Bravo. Sua lenda.
Contam os antigos que um foragido das justiças, parece que desertor, chamado Bravo, terá fugido para estas brenhas do curso superior do Caima. Por aqui terá vivido durante vários anos.
Certo é que localizada um pouco mais abaixo da Ribeira, na margem esquerda do rio, lá para os lados da Fonte Sapa, existe um conjunto de leiras, a que chamam, ainda hoje, Quinta do Bravo.
Um pouco acima existe um pequeno rochedo; sendo que a casa de habitação se localizaria à esquerda do mesmo, disseram-nos. Ver, também, foto elucidativa.
5. Cepelos e Pinheiro.
É antigo o lugar de Cepelos, já que documento datado de 922 d.c. já o refere. Quanto a Pinheiro (1), a ele associado em 1284, desconhecíamos a sua existência.
Inquirimos alguns habitantes que nos disseram ser, tal localidade, lá para os lados do Pisão, nas proximidades do rio Caima. Logo que viável, pensamos ir até lá em visita.
Podemos ainda indicar que há um sítio, designado de Mámoa ou Mánoa – também não localizado – na freguesia de Cepelos, junto à estrada que vai para Junqueira, no entroncamento para Merlães. Há, pelo menos, uma lenda sobre este local.
Martins Ferreira (7), autor cambrense, conta-nos que se deram aqui alguns acontecimentos que, abaixo, resumimos:
Uma linda princesa moura enamorou-se de um guerreiro Lusitano. Adotou o cristianismo e o casal refugiou-se na Mánoa.
Tempos depois, os sarracenos cercaram o local, com o fim de a libertar. Na iminência da prisão, aflita, caiu de joelhos e, com o olhar posto no céu, invocou o nome de Nossa Senhora do Livramento.
Então, uma voz ecoou no espaço e disse:
– “Não te intimides, nada receies, estou convosco”.
De seguida, uma luz forte iluminou o local e os sarracenos fugiram.
Aí terá sido erigida, pelo casal, uma capelinha em honra de Nossa Senhora do Livramento que, com o passar dos tempos, desapareceu.
Agora tem lá um nicho mandado reconstruir pelo comendador Luís Bernardo de Almeida em 1932.
Queluz, Maio de 2020.
Manuel de Almeida
(continua)
ANOTAÇÕES
(1) – Sítio não localizado na Medieva Terra de Cambra, trabalho que temos vindo a seguir.
(2) – Esta matéria é continuação daquela que publicamos, em de Abril de 2020, no blogue RIBACAIMA, com o título: – Viadal ao Tempo do Reio D. Dinis.
(3) – Assim conhecido por ser natural da Castanheira. Tinha 71 anos.
(4) – Então, não havia estrada, mas sim um “estradão”, de terra batida, a contornar a montanha, a ligar a Póvoa dos Chões à Ribeira.
(5) – Artigo da nossa autoria, com o título: “A Escola Primária de Tabaçó”. In, a VC de Novembro e Dezembro de 2017.
Na foto, com os alunos da escola, tirada pelo marido da Sr.ª Professora, estão pelo menos dois filhos do guarda florestal, sentados na 1ª fila.
(6) – Artigo da nossa autoria, in, VC nº 542 de 1 de Dezembro de 1993.
(7) – FERREIRA, Martins – Vale de Cambra e o Santuário de Nossa Senhora da Saúde. Ano de 1968. Pág. 148. Na Monografia de Viadal, pág.31, também lhe demos o devido relevo.