Se a Estrada dos Caramuleiros atraía, como vimos, algum banditismo, a verdade é que, por lá, também se vivenciaram generosos casos de amor. Vejamos um deles:
O “encanto” da pastora – A pastorinha encantada – Lenda- Lenda
Numa das aldeias, das proximidades do CRASTO DA PÓVOA(1), vivia uma linda adueira de gado, de belos e longos cabelos pretos entrançados.
Por ser tão esbelta, sobre ela recaiam os olhares de todos os mancebos das redondezas e em particular os de um moço janota lá do lugar, também pastor. Estava o rapaz, sabia-se, embeiçado pela formosa donzela.
Sendo o seu pai proprietário, lá no monte, de um terreno, que ao centro tinha um volumoso penedo(2), mandou-a, certo dia, para lá guardar o gado.
Cumprindo a ordem paterna a moçoila fez-se ao caminho com o seu grande rebanho de cabras e ovelhas. Chegada ao local, sentou-se em cima do calhau e adormeceu, enquanto os animais se alimentavam. A seu lado o cão, seu fiel companheiro, também dormitava.
Decorrido um certo tempo, o canino alvoroça-se e sai em louca correria para junto do amo, o pai da rapariga, que chegava. Espantada, a moça, pergunta:
– O que faz aqui?
. O pai:
– Venho-te “encantar”, já que és valiosa demais para casares com um destes pacóvios serranos. Bem os vejo a cirandar constantemente a porta da nossa casa, retorquiu.
. Ela:
– Dada a sua juventude, e vendo o intento do progenitor, pede-lhe que não faça isso, pois que “não sairá de lá mais”.
. O pai:
– Firme na sua decisão, disse-lhe: – “Tu sais quando aqui se semear orégãos carecos. Os carecos tornar a dar sementes e as sementes voltarem a nascer“.
Não satisfeito, mais profetizou:
– “Quando aqui se entornar a água de lavar a masseira, três sextas-feiras a eito, então a magia desfaz-se“.
O adueiro previdente.
Esperto como era, o pastor seguia sempre a donzela à distância, não fosse aparecer-lhe, lá pela Cumieira, outros pretendentes.
Não espanta, por isso, que escondido atrás do grande penedo, tenha observado e ouvido tudo o que se passou, com o “encantamento” da sua amada.
Sabedor agora do grande segredo, regressou a casa. Pensativo, lá foi inquirindo os mais velhos da aldeia sobre o modo de desencantar as pessoas e as riquezas escondidas pela Anta, Freita e Arestal.
Todos o aconselhavam a que, sobre o encanto, se desenhasse ou esculpisse um sino-saimão e, postado lá dentro, se usassem os ensinamentos inscritos no livro de S. Cipriano. Sem isso, nada feito.
Uma jura de amor.
Sempre que podia o rapaz subia a serrania. Enquanto os orégãos carecos cresciam e davam sementes, ele, sentado em cima do calhau, ia esculpindo o sino-saimão, contando o tempo em falta e fazendo juras de amor à sua apaixonada. Por baixo, ela ouvia-o e aguardava a sua libertação.
Atingido o tempo limite, sexta-feira, dia em que a mãe do moço cozia sempre uma fornada de broa para toda a vasta família, este pede-lhe que lhe guarde numa panela de ferro um pouco de água de lavar a masseira. Ela assim faz. Recolhido o precioso líquido, o rapaz correu a deitá-lo sobre o encanto como preconizado. O mesmo na fornada seguinte.
À terceira semana, o jovem pegando, mais uma vez, na panela e no livro de S. Cipriano dirigiu-se ao local. De seguida, um pouco antes do pôr do sol, colocou-se no sítio onde estava desenhado o sino-saimão e por baixo a donzela encantada.
Pronunciadas as palavras ouvidas do pai e seguidos os preceitos do livro, lá foi despejando a última água da masseira.
Nisto, para seu júbilo, o penedo abriu-se e de lá saiu a jovem e graciosa adueira, correndo para ele, abraçando-o terna e fervorosamente.
O casamento.
Tempos depois, após os “banhos”(3), casaram na igreja matriz da freguesia. Foram, como era de esperar, muitos felizes e o acontecimento ficou registado na memória das “gentes serranas”, tal como o ouvimos e deixamos para a posterioridade.
OUTRO ACONTECIMENTO:
– Uma bela criança nasce na Anta.
Uma mulher de Tabaçó estava grávida e foi à festa da Nossa Senhora da Saúde, pelo quinze de Agosto. Cansada da viagem, regressava a casa pela Estrada dos Caramuleiros. Nisto, ao passar pela Anta, chegam-lhe as dores de parto.
Foram de tal maneira fortes que deu à luz uma linda menina(4) lá no cimo do monte. Acontecimento este benfazejo, pois a criança virou escorreita e ainda vivia, apesar dos seus noventa anos, em meados da década de oitenta do século que findou.
ANOTAÇÕES:
(1) – Mais conhecido pelo CRASTO do Chão do Carvalho.
(2) – Sítios com encantos semelhantes, nas redondezas:
Penedo das Mós e o Cabeço dos Carros.
Sobre este ver a nossa monografia intitulada: Viadal – Aldeia de Cambra, pág. 140 e a VC da 1ª quinzena de Novembro de 2012:
– No Moinho de Tabaçó. Conto Serrano. Idem, fotos, com sino-saimão, por nós disponibilizadas, na nossa página do Facebook. O conto também aí pode ser consultado.
(3) – Proclamas, edital afixado nas portas das igrejas anunciando o noivado. (4) – Dado o período de tempo entretanto decorrido, não nos foi possível identificar o seu nome.
Manuel de Almeida
Anta:
– Monumentos naturais, nas imediações do local onde se deu o “Encanto da Pastorinha:
a) Cadeira do Rei, pedregulho à direita. De pé está o Henrique de Vilar;
b) Poça dos Cravos. Com a água, aqui retida, curam-se os cravos/verrugas das mãos.
As fotos são do ano de 2006.
Viadal. Pedra com símbolo por decifrar e local original onde foi, em tempos, fotografada.
Ficava ao cimo da quelha, no lado esquerdo de quem desce.