Eva Cruz
Pelo meio da manhã fui às Figueiras e quando fechava o portão para me vir embora olhei uma vez mais para trás, levada pelo instinto de me deleitar com toda aquela fresca verdura, com o repousante colorido do jardim e o refrescante cantar da água da mina.
Nesse momento, ouvi um inesperado chilrear que me pareceu vir de um bando de passarinhos, mas imediatamente me apercebi de que que era uma revoada de crianças, de carinhas risonhas e prazenteiras, tagarelando pela calçada acima.
Muito educadamente, levantaram todos a cabecita e deram-me os bons dias.
– Bom dia, que bela surpresa, respondi-lhes eu perguntando para onde iam, ao que todos, em uníssono, responderam:
– Vamos a casa da Lila beber um refresco de limão.
A Lila é nossa prima, nossa amiga e nossa vizinha.
Ali viveu sempre, perto da casa onde fomos criados e onde viveram e morreram os nossos pais.
A Lila, não tendo grande instrução académica, é uma mulher inteligente, trabalhadora, doce, afável, serena, abnegada e solidária, senhora de uma cultura invulgar no meio rural onde ela e eu crescemos, uma cultura construída no percurso da vida e que nem sempre se aprende na universidade.
É auxiliar de educação, trabalha num infantário que fica perto e onde também são acolhidas crianças abandonadas e desprotegidas, aguardando uma possível adopção.
Com um sorriso de ternura, olhei para o céu azul à procura da memória, à procura do tempo de minha mãe, do tempo em que a Lila por ali passava com crianças que a vinham visitar.
Na nossa casa, as crianças sempre foram bem acolhidas e bem tratadas.
Por lá cresceram gerações cujas vivências me deram a certeza de que nunca deixaram de levar boas recordações daquela casa.
Ainda hoje, filhos e netos de amigos, por lá aparecem a dar os primeiros passos e a balbuciar as primeiras palavras.
E mais uma vez me recordo que algumas crianças eram adoptadas, sendo notada a sua falta no grupinho que habitualmente visitava a minha mãe.
Nessa adopção eram preferidas as mais bonitas e perfeitinhas.
Ficavam sempre para trás um pretinho com o lindo sorriso de um anjo loiro e uma menina com pouco jeito na cabecita e na fala.
Na cabeça de minha mãe, já muito velhinha, meteu-se de forma determinada a ideia de os adoptar.
Foi muito difícil convencê-la de que a sua idade e as suas condições o não permitiam. Felizmente, essas duas crianças acabaram por ser adoptadas por um casal de nórdicos.
O pequenino bando de passarinhos despareceu na curva por trás da casa e eu fiquei de novo envolta no habitual silêncio do caminho, saboreando o refresco de limão daquelas caritas risonhas que me avivaram a memória de tempos tão distantes.