O Coreto

Eva Cruz

O Coreto
Coelhosa – Capela de S. Gonçalo e coretos – 23 de agosto de 1902

Sempre me apaixonou o Outono. Pelas cores, pela vozearia da faina da colheita, pelos cheiros a fruta madura, a mosto no lagar, a espigas na eira, a praganas da ventaneira, pela claridade mais pálida do nascer e do por do sol, pela aragem mais fria a anunciar o Inverno.

O Outono de hoje não é o mesmo. O Outono de hoje é nostalgia, melancolia e uma indizível sensação de doce e amarga saudade. Ainda assim, gosto de o contemplar e de o sentir a falar baixinho dentro de mim.

Sentada no banco do meu jardim, mais velho do que eu, mas que sempre vestiu de roupa nova a minha memória, alonguei o olhar pelos campos fora, já de colheita despidos e debruados pelas poucas ramadas amarelecidas.

Para lá dos telhados velhinhos descansei os olhos no bico do coreto de zinco cinzento da capela. Docemente, ali se foram abrindo os meus tempos de menina, a ouvir a banda em dias de festa, a ver tranças e laçarotes dançando à roda, rapazitos imitando os músicos e os ansiados leilões do fim da missa.

O leiloeiro era sempre o mesmo, um exímio aldeão, com tão habilidosa oratória que convencia o mais cauteloso e o menos generoso arrematador. Fazia o melhor que podia para valorizar a oferta, convencendo o público, no meio de graçolas, a oferecer o máximo que pudesse.

Eram garrafas de vinho fino, rolos doces, cabritos assados, anhos vivos, frutos da colheita, carros de lenha ou de tojo para a cama do gado e às vezes um pinheiro para caibros ou armações de um telhado que abrigasse a casa de um pobre.

Ainda com a cantilena nos ouvidos, recolhi o olhar, recostei-me por mais uns segundos, despedi-me do meu banco, fechei o portão e vim embora, trazendo comigo o Outono do meu Outono.