por Eva Cruz
É tempo de Carnaval. Sempre gostei do Carnaval.
Divertia-me a ver os narizes e as caras enfarruscados, os maltrapilhos e os homens vestidos de mulher a par das mulheres vestidas de homem.
Achava muita piada a ver o mundo à minha volta por detrás de uma máscara, sem ninguém me conhecer.
Eu, que na vida real, sempre dei a cara, detestando a hipocrisia.
Os meus filhos, quando crianças, escolhiam sempre o mesmo disfarce.
Eles e os amiguitos adoravam vestir-se de cowboy, o que me facilitava a vida, pois as calças eram as de todos os dias, metidas em botas até aos joelhos, uma camisa aos quadrados, um lenço tabaqueiro enfiado na tampa de uma caixa de fósforos, um chapéu de abas largas e um coldre com um revólver de plástico.
Não os contrariava, mas sempre lhes fiz ver que o cowboy nunca fora uma figura respeitável ou herói, ao contrário do que enganosamente nos foi incutido ao longo da vida por muitos filmes e bandas desenhadas.
Sempre lhes disse que o cowboy tinha uma história negra, era quase sempre um homem mau ou assassino, ajudando ao extermínio das comunidades indígenas da América do Norte, os Índios, apoderando-se das suas terras e fazendo desaparecer a sua civilização, a sua cultura, a sua filosofia de vida, o seu amor pela natureza, a sua música, a sua arte, a sua identidade e…os seus búfalos.
Foram assim covardemente chacinados ao longo da história numa luta desigual entre pistolas e flechas artesanais.
Voltando atrás na História, recordemos que os primeiros colonos a chegarem à América do Norte, depois da sua descoberta, foram alguns “university wits and scholars” (académicos, professores, intelectuais, escritores) de Oxford e Cambridge, que deixaram a Grã-Bretanha por razões políticas ou religiosas.
Fixaram-se na parte nordeste da América do Norte, junto ao Atlântico e aí formaram a “New England” (Nova Inglaterra), sendo Boston o principal centro económico e cultural.
Sucessivas levas partiram depois para o Novo Mundo, praticamente constituídas pelos indesejáveis.
Eram os “convicts” (condenados, prisioneiros e criminosos), a dita “scum” (escumalha).
São esses que a partir de “New England” vão conquistar o “Midwest” e depois o “Farwest”, refinando a sua índole nas lutas com “fist and gun” (a murro e pistola) na “border or frontier” (na linha da fronteira), sempre em movimento, na luta e no extermínio dos nativos, até chegarem à outra costa, a do Pacífico.
Seguiram-se outras vagas de colonos que se fixaram nas terras conquistadas (the settlement), onde construíram casas e cidades.
A Geografia de mãos dadas com a História.
Ao escrever este pequeno texto, motivado pelas memórias do Carnaval, dei comigo a pensar se os tiroteios inesperados e aterradores, em escolas, campus universitários, centros comerciais, se o esmagamento de um negro por um polícia, como quem esmaga uma barata, se o brutal assassinato de outro jovem negro chamando desesperadamente pela mãe, se as inúmeras vítimas de racismo, se as muitas guerras pelo mundo fora, não terão a ver com a herança deste país de tão grande tamanho e de História tão curta. Não sei.
Sei que hoje, não deixaria os meus filhos disfarçarem-se de cowboy.