por Eva Cruz
Depois da seca veio a chuva, chuva tropical como lhe chamaram os entendidos. Do beiral do telhado caía tanta água que parecia o açude de um rio.
Aguaceiro atrás de aguaceiro, a terra foi ficando encharcada e as árvores e plantas sequiosas tornavam-se brilhantes, parecendo sorrir com o beijo dessa chuva abençoada.
De repente, a chuva parava como se a grande torneira do céu se fechasse naquele momento e o sol espreitava sorrateiro e silencioso pelas fendas das nuvens.
A chover e a dar sol na cabeça do rouxinol. O ar vestia-se de uma luz ténue, deixando adivinhar, como sempre assim fora, o nascimento de um arco-íris.
Arco de vel(h)a põe-te na serra, toca viola e vai-te embora. Mas o desejado e saudoso arco-íris da longínqua infância não apareceu.
Para lá das cortinas brancas de linho a delir-se, escorria a chuva pintando de beleza todo aquele verde natural, tão verde como a macieira que sempre deu maçãs verdes e que apesar da cor são sempre maduras.
Tive a sensação de estar no Paraíso levada pela tentação de trincar uma maçã. O estiado foi tão curto que fui apanhada pelo divino castigo de outro aguaceiro que sem piedade me encharcou dos pés à cabeça.
Soube-me tão bem o sumo da madura maçã verde que me senti no meio de um sonho, toda eu feita água como se fosse uma nuvem lá de cima.
A lama que me prendia os pés chamou-me à realidade, lembrando que o meu voo era do chão.
Quando espreitei de novo pela janela, com as cortinas brancas de linho a delir-se, lá estava ele, o enorme arco-íris, desafiando a amplidão do céu e abraçando a serra de lés-a-lés.