por Eva Cruz
Ontem, numa ruela estreitíssima da aldeia de Albergaria da Serra, onde mal cabia o carro, a vaca enorme e bem cornuda teimou em não sair do meio do caminho, olhando-nos de lado com ar desafiador.
Lembrámo-nos de um dito do nosso pai, que nunca se deveria buzinar a um boi, neste caso a uma vaca.
Ali nos mantivemos, calmos e serenos, dando umas palmadinhas no vidro do carro, mas o pobre animal parecia querer vingar-se de alguma coisa, talvez da fome e da sede, pois a serra estava dolorosamente seca e o rio era um fio de água.
Conhecemos aquela serra como a palma das nossas mãos desde a juventude e nunca vimos tal secura.
Não havia ervas verdes entre as pedras e todo o chão da serra era um tapete amarelecido. Só uns pequenos tufos de plantas agrestes que ferem a boca dos animais e algum tojo estranhamente florido a imitar a primavera.
Três ou quatro pares de bois espalhados pela serra, de ossos à flor da pele, procuravam aqui e ali algum resquício de verdura, outros, estendidos no chão, ruminavam dolentemente a boca vazia, com o olhar ainda mais manso e melancólico do que aquele que lhes é natural.
Grandes rebanhos de cabras e ovelhas, algumas muito prenhas, anhos e cabritinhos, brancos, pretos, malhados e cinzentos salpicavam a serra, uns de cabeça erguida já desiludidos da procura, caminhando pela estrada fora como soldados, outros ainda remoendo pela encosta alguns restos de esperança.
No Horizonte, a luz do sol a caminho do mar agravava ainda mais toda aquela aridez, ao pintá-la de uma estranha tonalidade triste e agreste.
Já no fim de mais uma das nossas habituais digressões pela Serra da Freita, não esperávamos a teimosia desta vaca, uma espécie de operação stop no centro de Albergaria da Serra, outrora Albergaria das Cabras.
Ao fim de largos minutos de espera, o corpulento animal, impávido e sereno, continuava a atravancar o estreito caminho que logo à frente se ramificava em dois, um para a direita e um para esquerda.
Olhámos um para o outro com um sorriso amarelo que me levou a impedir que o meu irmão saísse do carro.
Do meu lado, umas alminhas com a data de 1758 cravada na pedra tosca, com uma pequena grade atafulhada de flores de plástico, já desbotadas, lembravam-nos, de forma oportuna, a eternidade.
Nesse mesmo instante, surgiu na soleira da porta de um pequeno casebre um homenzinho idoso, desdentado e ressequido de carnes, que nos perguntou, você para que lado vai?
Para a esquerda, dissemos. Então a vaca, obedecendo à sua frouxa voz, virou à direita.
Agradecemos e seguimos o longo caminho até à nossa casa das Figueiras, onde, felizmente, ainda a verdura é um encanto e a água corre em abundância.