A gabardina

A gabardina

por Eva Cruz

Adeus, Rodrigo, até um dia. Que sejas feliz e tenhas um futuro risonho.

Foram estas as palavras que nos saíram do coração naquele escurecer do dia 1 de Novembro de1963, quando o Rodrigo, nosso primito de 18 anos, nos deu aquele abraço de despedida até um futuro que nenhum de nós conhecia ou imaginava. 

Estávamos na nossa casa das Figueiras. Dentro de meia hora, na estrada que corria ao cimo do Caminho Novo, passaria a camioneta que o levaria, numa primeira etapa, até ao barco ancorado em Lisboa.

O Rodrigo, ajudante de mecânico, partia para o Brasil onde tinha um irmão, em busca de outra oportunidade de vida, aproveitando a situação para escapar à guerra colonial que havia rebentado dois anos antes. 

Pouco tempo depois de ele subir a calçada que o levava até à camioneta, e ao sentirmos que a noite estava húmida e fria, lembrámo-nos, eu e o meu irmão, de que o pobre do Rodrigo ia mal agasalhado.

De imediato agarrámos uma gabardina e corremos calçada acima até o fôlego se esgotar. Faltavam poucos metros, quando vimos a camioneta a desparecer na curva da estrada.

Ainda estendemos os braços, mas reconhecemos que eram demasiado curtos. Tristes e de lagrimeta no olho, descemos em silêncio a calçada e regressámos ao calor da lareira. Nunca mais se nos varreu da memória a cena da gabardina. 

Ontem, ao fim de quase 60 anos, o Rodrigo encontrou-se connosco nas Figueiras.

Viera fazer uma visita à irmã mais nova, a única familiar viva. Saboreando um copinho tinto, exactamente no mesmo local onde há 60 anos demos o abraço de despedida, debaixo da amena sombra de que ele tão bem se recorda, contámos-lhe a história da gabardina, que ele desconhecia, e pareceu-nos que aquela noite fria de 1963 lhe escureceu um pouco a luz do olhar.