Sei que a culpa não é só tua

Sei que a culpa não é só tua

por adão cruz Sei que a culpa não é só tua

São muitos os caminhos que nos conduzem à impostura, mas, mesmo assim, acredito que a única fonte da beleza ainda está em nunca nos separarmos de ti.

Ao despedirmo-nos de ti, aliciados por modernas metáforas do pensamento banal, a nossa própria imperfeição nos basta, nos ilude e nos realiza.

Tudo o que gira à tua volta, toda a mercadotecnia da arte, tanto mais ruidosa quanto mais artisticamente vazia, não passa de um barco sem remos à flor das águas quietas, numa falsa harmonia de contemplação, sem nada que a prenda medularmente ao artista, sem a luz e os espaços utópicos que a libertem deste mundo de merda.

O atrevido desconcerto das palavras, quando é bonito dizer-se que o poeta domina as palavras como se as levasse voando, a desconstrução de emoções e sentimentos, o desfazer dentro de nós da ordem e da criatura a fim de tentar abordar o não criado, são as ondas que na apatia do mar sereno tornam os poemas habitáveis e fazem da arte a real experimentação da vida.

É muito grande a distância que nos separa do belo, e muito longo o caminho de libertação e renúncia para dele nos aproximarmos.

Ainda que isso pressuponha o contratempo de não estar na moda, é imperioso acreditar que não é a rotura da mentira que faz a moda. 

A moda é o crime estético por excelência. Gira sobre si mesma para que nada mude a verdade-mentira.

Se me permites um humilde conselho, foge das globalizações e hegemonias, geradoras de défices éticos e artísticos que fazem de ti um ser dominado e subalterno.

Por isso te digo que não vale a pena dizer sim ou não quando o terreno não é fecundo e a vida não é mais do que imitação de si própria.

Não vale a pena sonhar, se os fundos cálidos e cromáticos não nascem do destilar das horas e da vida, e se o diálogo de alegrias e desânimos não nos liberta da artificial conduta.

Muitos dos consumidores da ardilosa etiqueta e muitos dos argentários modeladores do mundo, instalados num presente sem fissuras e no acanhado espaço da exclusiva liberdade individual, em cujo peito o pulsar político-social, poético e artístico não é mais do que um coração de pedra, fabricam a ignorância, a incultura e a amoralidade necessárias à tua morte e à consagrada sobrevivência elitista.

Sobre ti, basta-lhes o escolástico provérbio: De gustibus et coloribus non est disputandum  (não há que discutir gostos e cores).

Uma vez na crista da onda, agarram-se ao mastro e passam a mandar no mundo, porque a sua fé lhes garante que a corrupção acompanha o poder como a sombra acompanha o corpo.

Obreiros de um futuro podre, desconhecem a formosa face de uma alma nua e o apaixonante canto da arte e da vida em dignidade social.

Compreender a obra é possuir a pessoa do criador, a sua experiência, a sua vida, os seus sentimentos e ideias.

A Arte não é apenas a narração do estilo, mas a razão entre a força possuída e a força possessiva, a personalidade concreta feita modo de formar, na mais diversa e dialógica conversa com a vida.

Por mim, ainda que um tanto desconfiado, prefiro continuar a dizer-te: quando levas um seio ao vento e me dás a beber campos e cidades, glorifico a pouca luz que ainda me resta.

Se os lobos se atravessam no caminho para a tua cabana, o vento ergue-me nos ares e o coração aprende a não ter medo de cair.

Descobridor de sonhos, de amanhãs que riem e de estuários, continuo a pintar o vento, ainda que nele te vás.