Pequenas Reflexões

Pequenas Reflexões

A arte pode ser o degrau deste desnível entre o tempo interior e o tempo exterior. O equilíbrio possível na corda bamba da diferença. A convicção de que mais vale partir os remos do que os braços e mais vale perder a voz do que a ideia.

A arte pode ser uma violenta representação do grito da diferença e a vertigem de uma aventura de limites desconhecidos. Pode ser a equação humana no enigma irresolúvel da vida. A arte pode ser, simplesmente, o espaço entre o homem e o vazio.

A arte é um sonho de beleza e perdição. Sonho real? Produto imaginário? A lógica da personagem que cada um de nós encarna em fictício destino? Não. Pura questão de liberdade no processo racional de formação do homem ao longo do caminho ético da existência.

Amargas trevas nos invadem, por vezes, já que o Homem é um ser atravancado de mitos. A arte, caminhando a par da razão e da matéria pura, no espinhoso percurso da prisão à liberdade, dá luz à utopia que ilumina as ruas sepulcrais da nossa cidade interior.

A chamada obra de arte, em nossa opinião, deve esquivar-se a mostrar algo de concreto, por mais figurativa que seja. A sua intrínseca e mágica natureza confere-lhe um delicado papel de estímulo, mais ou menos poderoso, que pode levar a pessoa que a contempla, a desnudar-se, a revelar-se a si própria e a conhecer-se melhor.

O Homem vive no meio de duas grandes forças: a força que o prende à sua condição humana e a força que tende a projectá-lo no Universo, em direcção à sua dimensão universal. Nesta luta entre a resistência da condição humana e o movimento de fuga para fora dessa mesma condição, reside, a nosso ver, a interface onde, provavelmente, a arte e a vida se articulam.

Quem vive uma obra de arte, poderosa expressão da essência humana, está constantemente a aprender uma experiência vivencial que não faz parte dos nossos padrões habituais de reflexão. E pode, se o estímulo e a sensibilidade tiverem a força necessária, ter a sorte de se alcandorar a instâncias onde reside uma fruição única do prazer estético.

A descodificação de uma obra de arte, ainda que parcial, pode ser um fenómeno redutor que empobrece a obra. Pode mesmo limitar ou até anular a sua própria hermenêutica, isto é, a força indutora das capacidades interpretativas.

A arte não é um conjunto de partes, mas um todo emaranhado de interacções profundas entre o Homem e a vida, entre o Homem e a estética, entre o Homem e a filosofia, entre o Homem e o Universo, na procura de um palpável entendimento com tudo, tudo em que nada existe isolado.

O sentimento artístico enriquece o sentido da humanização, ajuda o processo de reflexão, ilumina as emoções e os sentimentos, cria uma poderosa afinidade com a consciência, gera a necessidade de identificação com a verdade, desenvolve o sentido da estética e da beleza, contribuindo, desta forma, para a compreensão da maravilhosa complexidade dos seres e do mundo.

Na minha humilde opinião, sobretudo nos tempos que correm, julgo que devemos sempre procurar não pensar com a cabeça dos dedos. Procurar sempre não sentir apenas com o toque da pele. Procurar sempre não julgar apenas pela cor e pelo cheiro.

O sentimento artístico e o sentimento poético são a essência e o sumo da vida. Se ambos estes sentimentos existissem de forma profunda dentro de nós, o mundo não seria tão cruel, a racionalidade não seria truncada e o Homem não seria caminho para o isolamento existencial.

A arte nasce da luta entre sonho e pesadelo.

O sonho de ser um pássaro, voando na proporção do amor, sem medo nas penas. O pesadelo de ser alguém feito à medida do vento…arrastando as asas.

O sentimento artístico, a inteligência e a vontade contribuem para que o prazer estético decorra do triunfo sobre o humano, criando sentimentos novos que projectam o homem na ordem universal.