Terminado o almoço na sala requintadamente sóbria, ficaria na memória a vitela de Lafões e as batatinhas lustrosas de cor aloirada que o forno de lenha pintou.
Um café na pastelaria dos “vouguinhas”, o seu orgulho de fabrico diário, despertou a caminhada pelas margens verdes do rio, onde cada pássaro exibia o seu gorjeio, e cada pato mostrava a sua perícia, cortando em leque as águas profundas.
Outros espreguiçavam-se nas margens, enchendo a relva de várias cores.
No meio do rio, perfurando o ar, um grande jacto de água brincava com o sol formando um arco-íris.
O mesmo arco-íris que coroava a serra em tantos Maios da nossa infância.
Mais adiante uma placa indicando o Condado de Beirós.
A seta assinalava o caminho já varrido da memória, e a cor parecia indicar o interesse de uma visita.
– Lembras-te da exposição de pintura no Condado de Beirós, há mais ou menos vinte anos, a minha maior exposição individual, com várias salas, corredores e claustros cheios?
– Claro que sim, então não havia de recordar! Com tanta gente que ali acorreu, vinda de todos os lados.
Um rol de nomes, amigos e conhecidos, alguns que ainda lembro com saudade e a voz enternecida, muitos deles já saídos deste mundo e da lembrança!
Algo emergiu das entranhas do passado que nos obrigou a pegar no carro e seguir o caminho de outrora à procura do Condado.
E foi em busca de alguns eventuais restos que subimos o monte, entramos no portão da quinta e encontrámos, com surpresa, o velho solar quase intacto, o branco da cal um tanto desbotado, a pedra escurecida, a natureza em volta bem tratada, e uma bela piscina, no meio de um campo relvado.
Em volta da casa muitos carros velhos, enferrujados, incluindo um Maserati a desfazer-se.
Lembrámo-nos, então, que em tempos o dono tinha uma paixão especial por carros antigos.
A porta do solar estava aberta. Bati e voltei a bater com toda a força, chamei e voltei a chamar por alguém, e como não obtive qualquer resposta ou perturbação daquele silêncio, entrei.
Tudo impecavelmente arranjado e decorado, nas paredes muitos quadros, retratos antigos, bonitos móveis, tudo bem tratado e asseado.
Não havia dúvidas de que estava habitado e aberto ao público…que não existia, mas que o desconfinamento haveria, muito provavelmente, de voltar a trazer.
Subi o primeiro lance de escadas tapetado com passadeira vermelha, depois outro igual virando à direita.
No topo da escadaria de pedra boleada, em lugar de honra, um quadro com moldura dourada prendeu a minha atenção. Só poderia ser, não tinha dúvidas.
Chamei o meu irmão que de imediato confirmou que aquela pintura era sua.
Lá estava o seu nome e a data 2002.