Mulher 5 Estrelas

Ó Alves, escusas de estar para aí muito chateado por eu ter ido dormir com o meu ex, apenas com o fito de lhe gamar umas sapatilhas para o meu filho. E não te armes, pois tens à tua frente uma mulher 5 estrelas, que te ama, e é capaz de te mandar um pontapé nos tomates da noite pró dia.

A mulher 5 estrelas não era nova nem velha, tinha aquela idade subjectiva em que ninguém acerta.

Era magra, quase escanzelada, e até não seria feia se tivesse dentes. Daí, a resposta do Alves não ser de todo descabida:

5 estrelas, o caralho!

O Alves ainda não tinha o estigma da terceira idade mas andava lá perto.

Baixo e estreito, tinha aquela estatura que habitualmente se designa como roda 26.

Devia ter tido um AVC, pois apresentava um pequeno desvio da comissura labial e soprava ligeiramente as sílabas graves, assobiando as agudas.

Ninguém tem nada com a vida dos outros e muito menos a D. Alice que por ali aparece, para comer uma torradinha e beber meia de leite, quando o negócio das cuecas e camisolas a um euro ou dos guarda-chuvas a cinco o permite.

Coitada, e apontava o dedo à mulher 5 estrelas.

Foi casada com um médico, não era bem um médico desses doutores de Medicina, era uma espécie de endireita.

Um dia ele caiu de uma figueira e nunca mais se endireitou. Como não foi capaz de se endireitar a si próprio, nunca mais ninguém acreditou nele. E caiu outra vez, mas na miséria.

Esta pobre, e estendeu o dedo na direcção da mulher 5 estrelas, ficou sem eira nem beira, com um filho nos braços (supomos que o mesmo que a levou a dormir com o ex). E, é claro, pôs os cornos ao marido na primeira esquina da vida.

(A mulher 5 estrelas acenava com a cabeça em jeito de confirmação e aprovação. E inventou uma lagrimeta nos olhos).

Mas não foi com este borradito, continuou a D. Alice com o dedo espetado no Alves.

Este veio na onda da desgraça. Não é má pessoa, mas teve um ABC e ficou com a boca a tocar flauta e a mão a pôr açúcar nas farturas.

O que lhe tem valido é a fé da velhota dele, ali sempre ajoelhada na capela das almas a pedir a cura.

O certo é que está muito melhor e só quero que o Senhor o conserve. Do mal o menos.

Ai Deus me perdoe, não leves a mal, ó Alves, mas sabes que é por bem que eu digo estas coisas e não era capaz de dizer mal do meu genro, ainda que meio emprestado.

Só aí ficamos a saber que a mulher 5 estrelas era filha da D. Alice e que o Alves fazia o papel de genro mais ou menos oficial.

Portanto retirámos, neste caso, a observação de que ninguém tem nada a ver com a vida dos outros. Ela tinha.

O Alves não parecia lá muito contente com a conversa e já estava com os cabelos em pé. Por acaso não estava porque os não tinha.

Quando foi danificado pelo AVC, os seus papéis foram trocados pelos de um outro doente que era cauteleiro e tinha um tumor cerebral.

Aplicaram-lhe uma valente dose de quimioterapia que lhe fez cair tudo o que era pêlo.

Quando deram pelo engano, já ele se queixava de quase tudo e até que mijava às pinguinhas.

O médico disse que era da prósta e deu-lhe um daqueles remédios que amolecem o órgão mas põem um gajo a ejacular ao contrário, a ejacular para dentro.

Por isso lhe fazia uma grande espécie quando ele batia uma e sentia todo aquele doce no baixo-ventre mas nem uma gota.

Também por isso a mulher 5 estrelas lhe dizia que ele era uma malagueta seca.

Com ele não precisava de tomar a pírula, ao que ele retorquia dizendo que nem com ele nem com outro, pois ela já tinha o úter fora de prazo.

E assim se passou um bocado da tarde entre dois finos, com o Alves a levantar-se da cadeira para depor ternamente um beijo na face da mulher 5 estrelas, esta a sorrir tapando a boca com a mão espalmada, a D. Alice a lamber os dedos besuntados de manteiga, e nós a virarmos a última página do jornal, desiludidos com as mentiras e as hipocrisias deste mundo.