O limão e a malagueta

O limão e a malagueta
O limão e a malagueta
A malagueta nasce verde
verde como o limão
olham-se verde no verde
ela cora
e ele não.

Um empalidece
outra faz-se rubor
há qualquer coisa de astuto
qualquer coisa de comum
entre os dois e o amor.

A Malagueta abre-se à cor
em carne viva
ardendo da penetração quente do sol
da carícia de febre
e luz vibrada e tacto de seda.

Não fenece
enquanto à sua volta
tudo morre e envelhece.

O limão nem mole nem duro
sumo de virilidade
sumo de alegria
denso de seiva
sabor amargo ou doce
ao sabor dos descuidos
vive da verdade e da melancolia.

A malagueta não é séria nem puta
é luta de vida numa vida de luta
madura de ilusões
lábios maduros
palpando as vozes e as palavras
na ponta da língua.

O limão não sofre de intelectualite
nem de esplendores de presença
nem da ignorância presunçosa
jogo de toda a vida viscosa.

Se o encontro se dá
entre o sol e o rubro
e não entre a lua e a prata
solta-se o sangue em torno dos ideais
nos rútilos prados da malagueta amada
malagueta mulher
orvalhada
segredo de coisa fecunda
pequenina e nua
capricho de um ventre de música
na cintilação da madrugada
como se a vida fosse
um doce desejo de amarga doçura
doce decúbito de sílabas erguidas
sumo de música
entre espaços de côncavo silêncio
cristal e solidão.

Dilatada angústia
pernoitada 
na eterna penetração de azul e fulgor
da malagueta desabrochada 
ao paladar
da última gota do livre limão.