
De seu nome, João da Costa, nasceu a 15/01/1909 e faleceu a 27/09/1985.
Natural do Lugar da Borralheira, na Freguesia de Carregosa, Concelho de Oliveira de Azeméis.
Casou com Preciosa de Almeida, (doméstica e agricultora, em terrenos próprios e por conta de outrem), nascida a 06/11/1912 e faleceu a 10/01/1998, natural de Lordelo, Freguesia de Vila Chã, nas aldeias vizinhas e, na própria, era conhecida pelo diminutivo de Sosa.
Dessa união, nasceram sete filhos, António, Serafim, Lurdes, Margarida, Fernanda, Augusto e Rosa.
Além da alcunha de barbeiro, por inerência do ofício, tinha uma outra menos conhecida, “João dos Alviões”, em Lordelo e nas aldeias vizinhas, quando citavam o homem dos “Alviões”, todos sabiam quem era o personagem.
Sabia ler e escrever, como habilitações literárias, a Segunda Classe do Ensino Primário.
Tinha residência própria, (adquirida pelo neto José Augusto, foi alvo de restauro e ampliação) na aldeia do Corgo, pequena e antiga comunidade, na encosta da Serra de Lordelo, Freguesia de Vila Chã, Concelho de Vale de Cambra.
O seu físico impunha respeito. Porte alto e desenvolto, para a época em que viveu, com um vozeirão a condizer, a sua altura, destoava da média da população, num tempo em que a nutrição das crianças, não ajudava ao desenvolvimento do corpo.
Aparentemente calmo, falando devagar, um pouco bonacheirão, tinha uma maneira especial de lidar com as crianças, por isso, não lhe era difícil conseguir o consentimento das mesmas, para o complicado corte de cabelo.
Pedreiro de profissão, nos dias de folga (normalmente aos sábados) exercia a actividade de barbeiro ambulante, percorrendo as aldeias, onde os seus préstimos, fossem solicitados, com marcação ou não.
Uma espécie de João Semana das barbas e cabelos, também apelidado, de o barbeiro dos pobres.
Os últimos anos, como artista na arte de trabalhar e dar forma às pedras, passou-os, ao serviço do mestre de obras, Tio Chico da “Catrina”, cuja sede, era na sua habitação, no Lugar do Baixinho, última habitação deste lugar.
Uma das actividades que exerceu e que só alguns elementos da família recordam, foi a exploração e extracção de Volfrâmio, durante a Segunda Grande Guerra.
Aos sábados e durante a tarde, saía de sua casa, no Corgo, normalmente a pé. Utilizava, por vezes, uma antiga Kreidler de duas velocidades manuais.
Os domingos de manhã, eram quase sempre, destinados aos fregueses que trabalhavam aos sábados. O Tio João a todos atendia em sua casa.
Conta-se (contou-me o Jorge Paiva) que um belo domingo, e como era hábito, a meio da tarde, iam merendar à Casa Matos, no Lugar das Baralhas.
O Tio João, deu boleia ao seu vizinho António “Sanguiná”. A estrada de Lordelo, que faz a ligação ao lugar das Baralhas, era um rústico caminho, em terra batida, ladeado por enormes eucaliptos e pinheiros.
Com a Kreidler rouquejando com o peso, seguiam despreocupados em marcha lenta. Chegados ao local, onde hoje se situam as instalações da Colep, uma enorme raiz de eucalipto, atravessava todo o caminho, criando uma saliência, nem sempre visível.
Por esse motivo, e ao passar pela dita raiz, a motoreta deu um enorme salto. Não esperando o embate, o Tio António “Sanguinã” foi projectado, sem que o condutor se apercebesse do sucedido.
Como não notou o peso a menos, o tio João continuou viagem.
Chegado à Casa Matos, deitou os pés no chão, desligou a motorizada e disse:
– Ó António, podes sair!
Mas o António não saiu! Ou melhor, já tinha saído há um quilómetro atrás!
Ao olhar para trás e não vendo o amigo, levanta o chapéu, coçou a cabeça e murmurou, onde raio se meteu o Sanguinã? Queres ver que ele ficou pelo caminho?
Só então se apercebeu que o amigo tinha “saltado” fora da boleia.
Continuava (ao que consta), sentado junto ao eucalipto, a “lamber” as nódoas que ganhara na queda.
Se saía a pé, na mão levava a inseparável mala em cartão, onde acondicionava os instrumentos necessários à função: o pente, a tesoura, a máquina de corte, a escova, uma ou duas pequenas toalhas, um pano branco para proteger a roupa do cliente, dos restos do cabelo cortado, o objecto com que afiava a navalha, a própria navalha de barbear, um pequeno frasco com álcool, a caixa de pó de arroz e um desinfectante para depois do barbear (ainda não se falava em after-shave) e o stique para os cortes, que normalmente, eram alguns.
Quando o tio João do Corgo, era visto a aproximar-se do casario de Coelhosa, havia sempre, algumas crianças que o esperavam com o recado do costume.
– Ó Tio João! A minha mãe manda dizer, para você passar lá por casa! Ela quer que corte o cabelo a mim e aos meus irmãos.
Neste caso, e quem se fazia ouvir, era um dos filhos da Beatriz da “Mascata” Munido do seu “arsenal” de ferramentas.
Calcorreava as aldeias e lugares vizinhos: lugar dos Dois, Pinheiro Manso, Coelhosa, Cimo de Aldeia, Aido de Baixo, Figueiras e Baralhas.
Era o barbeiro do povo, não rejeitava ninguém. Contudo, tinha clientes habituais, em algumas situações, famílias completas:
Na Figueiras, os Caçoilos e os Laus, no Aido de Baixo, o ti Tomás do Seco, os irmãos conhecidos por João Gomes, os Rosairas, o Samuel da Filomena o Tio Zé dos Casais, o Ti Armindo Pisa e o irmão João. No lugar dos Dois, o Aninhas, em Coelhosa, os Janeiros, os Pinhos, os Maradas, os Mascatos, os Moreiras e ainda os Caçoilos.
Com a velhinha máquina de corte (arrancava mais do que cortava) e a tesoura, fazia-o ao domicílio. As pessoas de mais idade e as crianças eram os seus “alvos” preferidos.
Vinte e cinco tostões e uma malga de vinho, eram a sua paga.
Uns quantos preferiam o Bornes, alguns adolescentes, e para o penteado ficar melhor, iam ao Álvaro barbeiro.
Para os adultos, e para cortar o cabelo, qualquer local servia: no caminho perto de casa, à sombra da ramada, no degrau da escada que fazia a serventia para o pátio, na eira encostado ao canastro, numa cadeira no quinteiro, ou ainda junto ao curral do porco, na escada do palheiro, com o mugir da vaca como som de fundo e o cheiro a estrume pelo meio.
Nada disto era problema. Desde que viessem os vinte e cinco tostões e a malga do vinho, estava tudo bem.
Para as crianças, era necessário local mais adequado. O porte do Tio João assim o exigia: uma cadeira com um pequeno banco, para dar mais altura, e estava montado o “palco”.
Seguidamente, um pano branco a envolver o petiz, depois, bem, depois lá vinha o suplício, da velha máquina e o cabelo às leiras.
Um certo dia, (contou-me o Zeca Pais) o seu pai, tio Mário “Mélinha”, requisitou os serviços do Tio João.
O objectivo: cortar o cabelo ao filho Zeca. Contudo, fez uma exigência de última hora. Só “permitia” que lhe cortassem o cabelo, se o corte tivesse lugar, com ele sentado, nas escadas que davam acesso ao coro da Capela das Almas, no lugar dos Dois.
Para o Tio João do Corgo, nada a opor, toca a andar para as ditas escadas e saia de lá os vinte e cinco tostões.
Não havia dificuldades nem obstáculos, que o demovessem de executar a função e ganhar os desejados dois e quinhentos.
Tempos de luta e trabalho, de muitas histórias, acontecimentos, pessoas e lugares, nem sempre lembrados pelos melhores motivos.
A falta de recursos e de um salário digno, obrigavam aqueles que muito trabalhavam, a trabalharem ainda mais, não para uma vida de “luxo”, mas para dar à prole, o mínimo para a subsistência, ou ainda aquilo que todos ansiavam, uma vida “sem as vergonhas do Mundo”.
Lordelo 23/07/2021
Aventino Monteiro (Latoeiro, fazedor de Latas)