por Augusto Soares da Carvalhalva
Naqueles anos Setembro era bom, certamente por todas as razões juntas, mas mais, talvez, por já pressentirmos em nós aquele sabor delicioso do que nos resta de bom quando sabemos que vai acabar depressa.
Com as aulas a aproximarem-se à entrada de Outubro, o mês de Setembro era a cereja no topo do bolo e tinha que durar o dobro.
E os dias ainda eram longos, e agora mais generosos, o calor abrasador de Agosto já se tinha esbatido.
Aquele céu seco e monocórdico dos últimos quatro meses – que em meados da década de sessenta, no tempo das ceifas, já o sol menino de Maio nos afogueava a vontade de nadar no Caima – aos poucos, começava a suavizar-se de algodão branco.
E para nós, a rapaziada entre os treze e os dezasseis, Setembro era a redenção antes da penitência que aí viria brevemente.
Da parte da manhã cumpríamos os mínimos obrigatórios lá por casa, ajudar em alguma coisa, para a conquista da liberdade durante o resto do dia, embora, sempre que possível, em oportunos desenfianços para a sombra mais recatada sob as ramadas de uvas americanas, livro de aventuras entalado sob o cinto, bem disfarçado debaixo da camisa.
Depois de almoço estávamos por nossa conta, primeiro o jogo de futebol previamente marcado, os da Gandra no Campo do Cinema ou na Feira dos Ovos, os de Castelões, no Campo das Dairas.
Lá p’rás três da tarde, tudo a caminho do Banco, a nossa praia fluvial de eleição, naquela curva do rio logo após a Ponte de Coronados, passando antes por uma ou outra esporádica visita à fruta mais desprotegida, havia sempre quem soubesse onde havia as melhores uvas “quilhão de galo”.
No Banco, a malta habitual. Da Gandra eram os meus primos Tonito, António Jorge e Zé Fernando, o Zé Duarte, o António Júlio, e o Gero da tia Guida Baptista, entre muitos outros.
De Castelões, alguns, mas menos, que eram bem mais controlados lá em casa – entre outras canseiras mais habituais, Setembro era o mês das colheitas, ele era ainda as últimas regas do milho e do feijão, ele era as uvas brancas e as “americanas” já a pedir vindima, que as tintas só mais para o início de Outubro – lembro-me dos do Tomás da Igreja, do Fernando Pelé, da Lombela, e do Alberto Bastos, da Landeira, este um pouquito mais velho, que era o actor principal do arraial, ora fazia o pino, ora nadava à “lacheveque”, ora declamava textos e poemas, ora contava histórias dos imperadores romanos.
Quando ele, finalmente, se calava, trocas e leituras de livros, a maioria de cowboys, para o momento literário da tarde.
E depois era ir nadando e esperando. Em Setembro já as meninas finas tinham vindo de férias, agora o mês inteirinho ali, ao alcance dos nossos olhos de lince ibérico.
Isto era no tempo em que as raparigas não iam para o rio com os rapazes, mas no Banco isso não nos preocupava muito.
Da casa vizinha sobre o rio, ao fim da tarde duas sereias vinham ali mergulhar, naquelas bentas águas que a essa hora já estavam desertas, todo o rio era agora só para elas, todos nós deitados, aparentando dormir, a desfrutar aquela bondade de Deus.
Já mesmo à tardinha, às vezes ainda dava para um jogo de hóquei em campo, no recreio masculino da antiga Escola Primária da Gandra, com toros de couve galega a fazer de Sticks e bolas de madeira que alguém tinha desviado dos matraquilhos, os melhores craques eram o Tonito, e o Fernando e o Carlos Alberto da padaria.
Ah, que belo e dengoso era o Setembro daquela época, já sossegados do Agosto rijo que tanto nos tinha estafado, sem sequer ainda no nosso espírito a lembrança das andanças e obrigações em que o mês seguinte nos mergulharia.
Nesse tempo, e nessa idade, era mais que certo, sabiamos ser felizes, que as aulas nem aqueciam nem arrefeciam a nossa cabecinha sonhadora, mais que isso animava-nos já o vislumbre das desfolhadas e dos bailaricos que Outubro nos traria.