No lugar do Barbeito, talvez há 40 anos, ainda existia o fabrico de louça de barro preto; porém, com a morte do seu principal fabricante, («ti» Luís Pucareiro) natural da freguesia de asseia, a laboração pouco tempo se conservou na mão dos seus herdeiros.
Mais tarde, por volta de 1950, no lugar da Relva, freguesia de Vila Chã, foi montada uma nova fábrica de louça de barro mas, apesar da instalação ser moderna, poucos anos teve de vida e, o tempo que durou, fabricou louça artística.
Depois, o técnico da louça, que era pessoa de fora, ainda tentou na vila o fabrico de imagens e bonecos de barro, mas, também, a laboração pouco tempo se manteve.
António Martins Ferreira
Sobre o barro preto
O segredo está no brunir com um pequeno seixo do rio
Actualmente (este “actualmente” refere-se a 2007, data desta publicação, cujo sítio já não existe) a produção de louça preta em Portugal está confinada às zonas mais a norte do país, nomeadamente Minho, Trás-os-Montes e Beira Alta, mas até às primeiras décadas do século XX esses centros de produção espalhavam-se por todas as regiões a norte do rio Tejo.
Nessa altura era o próprio oleiro que, com a louça dentro de sacas às costas ou em cima do burro, ou então ajudado pela mulher que a transportava à cabeça, calcorreava os caminhos que o levavam às aldeias e pequenos lugarejos onde trocava as panelas, os alguidares, os cântaros, as cafeteiras por algumas moedas, ou na maioria das vezes por batatas, centeio, castanhas, azeitonas, figos ou azeite.
Em troca de uma panela pequena, por exemplo, recebia 2 ou 3 de batatas ou de castanhas.
Eram tempos muito difíceis até porque os agricultores não gostavam que os paneleiros (assim se chamavam na altura estes oleiros), lhes pisassem as terras cultivadas e por vezes chegavam mesmo a fazer umas ratoeiras que os faziam tropeçar.
Mas não só a venda da louça era trabalhosa e espinhosa também a sua feitura e sobretudo a cozedura o eram.
Primeiro havia que amassar o barro, muitas vezes com a ajuda dos bois que o pisavam; depois era preciso ir para a roda e fazer as peças, tarefa normalmente desempenhada pelo homem; a mulher intervinha a seguir para a gogar, ou seja decorar e polir (brunir) com um pequeno seixo do rio, o que a deixava a brilhar.
Depois de seca vinha finalmente a cozedura na soenga.
Para isso era preciso fazer uma grande cova aberta na terra, dentro da qual se encastelavam as peças, pondo as maiores na base e as mais pequenas no topo.
Este monte de louça em forma de pirâmide era depois parcialmente coberto com lenha e tapado com torrões de terra.
A seguir ateava-se o fogo que devia começar por ser lento e fraco para não fazer estalar o barro.
Durante muitas horas, por vezes toda a noite, o oleiro vigiava o fogo que chegava a atingir os 700º graus e determinava, munido apenas da sua experiência, quando é que o processo estava terminado.
Esta era uma decisão muito delicada pois fogo a menos significava peça mal cozida e fogo a mais peça estalada.
A louça era depois desenfornada já preta por ter sido abafada com terra ramos e folhas e com isso ter sido impedida a entrada de oxigénio durante o processo de cozedura.
Hoje em dia com os novos forno, o tempo de cozedura é de cerca de 5/6 horas e depois de herméticamente fechado, o forno só volta a ser aberto passadas entre 7 a 9 horas.
Dele saem peças de barro pretas tão brilhantes que por vezes são confundidas com as de estanho, mas afinal o segredo está no brunir com um pequeno seixo do rio.
Extracto da Tese de Doutoramento de Isabel Maria Granja Fernandes
Castelões (Vale de Cambra, Aveiro), Lugar de Barbeito
Ossela e Castelões são duas freguesias vizinhas que, apesar de pertencerem a distintos concelhos, respetivamente a Oliveira de Azeméis e a Vale de Cambra, se devem considerar como fazendo parte do mesmo grupo produtor.
A crer na documentação compulsada, a produção de loiça em Castelões deve-se ao facto de para aí ter ido trabalhar um oleiro de Ossela.
Ossela e Castelões fabricam o mesmo tipo de loiça, utilizando o mesmo barro, a roda baixa, comungando as mesmas técnicas e vendendo nos mesmos mercados, pelo que as podemos considerar como fazendo parte do mesmo centro olárico.
No Inquérito Industrial de 1890 é referida a produção cerâmica no concelho de Oliveira de Azeméis indicando-se a existência de dezoito oficinas, cada uma com seu forno, incluídas na categoria de “pequena indústria” e produzindo “telha ordinária, panelas de barro”.
Fica a saber-se que numa destas oficinas se trabalhava todo o ano, e, em dezassete delas, durante seis meses.
No verão, o dia de trabalho tinha 12 a 14 horas, e, no inverno, cerca de 10 horas. No conjunto das oficinas laborava um total de cinquenta e três operários, sendo trinta e seis do sexo masculino (dezanove “operários” com mais de 16 anos; quatro “aprendizes” com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos; treze “aprendizes” com idade superior a 16 anos), e dezassete “operárias” do sexo feminino, todas com mais de 16 anos de idade.
Dos cinquenta e três operários apenas um, do sexo masculino e com mais de 16 anos, sabia ler.
O Inquérito permite também saber qual o vencimento diário destes oleiros (Tabela 73).
Vencimento diário de um oleiro em Oliveira de Azeméis em 1890
Operários mais de 16 anos | Aprendizes entre 12 a 16 anos | Aprendizes mais de 16 anos | |
Ao jornal | 140 a 240 réis | 80 réis | 80 réis |
A matéria-prima utilizada era o “barro” nacional, produzindo-se anualmente 4.110 “telhas” e 1.000 “panelas”, estimando-se o valor da produção em 1.730.000 réis/ano, sendo o mercado de venda “nacional” (INQUÉRITO, 1891: 9, 26-27, 42-43, 52-53, 66).
Em 1908, Rocha Peixoto informa que já só subsistiam dois oleiros nesta área: um, em Ossela, outro, em Castelões. Segundo ele o oleiro de Castelões estava aí “destacado” e apelidava-o de “o exilado de Barbeita”, dado ser proveniente deste lugar da freguesia de Ossela, tendo ido viver e trabalhar para Castelões (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315).
Os oleiros de Ossela e Castelões utilizavam argila que buscavam nas proximidades das olarias.
Serviam-se da roda baixa e coziam em “cova”, associando o fabrico da loiça com outras atividades complementares.
Produziam panelas, cântaros, caçoilas e púcaros, e, também, “bilhas de segredo, bules e açucareiros” brunidos (PEIXOTO, 1995 [1908]: 316).
Eram conhecidos pela designação de pucareiros* ou paneleiros*, e vendiam a sua loiça pelas redondezas.
Peças provenientes das olarias de Ossela/Castelões são estudadas e publicadas por António Manuel S. P. Silva (SILVA, 1996A e 1997), e por este autor e Manuela Ribeiro (SILVA; RIBEIRO, 1998).
Este mesmo autor, noutro artigo feito em colaboração com Gonçalves Guimarães analisa com mais detalhe este local produtor (SILVA; GUIMARÃES, 1998).
Rocha Peixoto, o único que dedicou um estudo monográfico a estes pucareiros de Ossela e Castelões, refere a utilização de dois barros, um de Lordelo (Vila Chã do Cambra) e outro do lugar de Bustelo (Ossela), sem indicar o doseamento (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315. Ver tb. TEMUDO, 1905: 33 e 41).
Ficámos ainda a saber que os barros eram “misturados e pisados a maço e em seco numa pia de pedra, peneirados depois e por fim amassados à mão e com água que baste, está pronta a pasta para ser modelada” (PEIXOTO, [1908]: 315).
Como se pode verificar pelo texto citado, estes pucareiros de Ossela comungavam com os oleiros de Gondar, Gove, Ancede e Paus, a utilização das mesmas técnicas e utensílios de trabalho: secagem do barro, pia* e pico* e uso da roda baixa.
Quanto à estrutura de enfornamento usada subsistem dúvidas. Parece que cozeriam em cova* e não em soenga, apesar de, no trabalho de campo que realizámos, não ter sido referida a utilização do sequeiro.
Luís Barbosa Coimbra nasceu a 22 de abril de 1870 e teve como padrinho de batismo o oleiro de Castelões, Luís Bastos (SILVA; GUIMARÃES, 1998: 388-390).
Era homem inteligente e engenhoso, sabia ler e escrever e dominava a arte de barbeiro, costumando cortar o cabelo e aparar a barba aos vizinhos. Mas, a sua principal profissão era o fabrico da loiça, complementada com a posse de uma vaca e algumas ovelhas destinadas ao sustento da casa.
Não tinha terras de lavoura, nem nunca a esta se devotou. No entanto, Rocha Peixoto refere, em 1908, que os oleiros “sobrevivem a venderem os seus púcaros negros nas feiras, e associando interpoladamente alguma agricultura ao seu descaroável mister” (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315).
Muitas vezes António Barbosa Coimbra ajudou o avô Luís na extração do barro, o qual iam buscar às “covas do barro” situadas no Monte da Cumieira, na própria freguesia.
Aí, o oleiro procurava as veias de argila e, encontrando-as, extraía o barro com uma picareta.
Depois de arrancado*, era colocado dentro de uma gamela de madeira e despejado nos carros de bois que o transportavam até à oficina, em Mosteiro.
O barro era extraído no verão e arrancado em quantidade suficiente para um ano de trabalho.
Quando o barro chegava à oficina colocavam-no numa rima, ou seja, num monte, estendendo-o posteriormente ao sol para que secasse. Depois de seco, guardavam-no em local coberto, e, quando dele precisavam colocavam-no numa pia rectangular de pedra (feita de cinco
lajes encostadas umas às outras) onde era esmagado com um maço* de madeira de sobreiro ou carvalho.
O barro tinha de ficar em pó sendo seguidamente peneirado com uma peneira* muito fina, não podendo em tal tarefa ser utilizada uma criba, peneira de malho mais grosso, pois, de outro modo, o barro não servia para fazer as peças. Esta argila era peneirada para uma outra pia de pedra, misturada com água e “amassada até ficar com liga”.
António Barbosa Coimbra diz que o seu avô, Luís Barbosa Coimbra, só utilizava uma qualidade de barro, não fazendo mistura de diferentes argilas.
Informação contrária à dada por Rocha Peixoto, e acima mencionada, o qual assinala a mistura de duas qualidades diferentes de barro (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315).
António S. P. Silva e Antunes Guimarães a partir de testemunhos orais, confirmam a extração de argila nas “covas do barro” existentes no Monte da Cumieira, lugar de Bustelo e na Mina das Lousas, “no caminho que vai de Mosteiro para Castelões” (SILVA; GUIMARÃES, 1998: 389).
O Sr. António Barbosa Coimbra informou também que o barro rejeitado pelo peneiramento era guardado e utilizado para fazer os adobos, ou seja tijolos maciços que serviam de lastro para os fornos do pão e também para constituir as paredes da cova onde coziam a loiça.
O oleiro procedia do seguinte modo: misturava o barro, que tinha sido rejeitado no peneiramento, com água e amassava-o com o auxílio de uma sachola, fazendo seguidamente os lares* com uma forma própria.
Estes, depois de secos ao sol, eram utilizados no fabrico dos fornos do pão.
O seu avô, assim como a sua tia-avó, utilizavam a roda baixa, usando o seu avô uma dedeira para levantar as peças na roda.
É interessante esta referência a uma mulher a trabalhar à roda.
A Sra. Maria do Casal, segundo informação do seu sobrinho-neto, dedicava-se apenas ao fabrico de testos, não fazendo outra qualidade de loiça.
Também Ana Bastos, mulher do oleiro Almiro Rodrigues da Silva e filha do oleiro Luís Bastos, da freguesia vizinha de Castelões (Vale de Cambra), se dedicava à feitura de testos à roda.
Como já referimos entre os oleiros das duas freguesias existiam relações de compadrio, e ambas as freguesias se devem considerar como um único centro olárico.
Era rudimentar a utensilagem usada, limitando-se ao fanadouro, à dedeira acima referida e a algumas pintadeiras, de madeira, utilizadas na decoração das peças.
Temudo, em 1905, diz que os oleiros de Ossela e Castelões fazem “fogareiros, panelas e testos” (TEMUDO, 1905: 33 e 41).
Rocha Peixoto, em 1908, diz que predominam “as panelas, os cântaros, as caçoilas e, nomeadamente, os púcaros”, acrescentando que também faziam “novas formas, incluindo as bilhas de segredo, bules e açucareiros” (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315-316).
Sabemos que da produção do oleiro Luís Barbosa Coimbra constavam as seguintes peças: fogareiros e assadeiras das castanhas, aramadas por ele669; panelas para corar o ouro (utilizadas na Ourivesaria Guedes, de Oliveira de Azeméis); canecas de segredo; bules; púcaras para os rojões; chocolateiras, etc., sendo muitas destas peças, depois de feitas, e após um determinado período de secagem, brunidas com um seixo.
Também dispunha de uns “pauzinhos com uns feitios” que imprimiam na pasta ainda fresca, decorando deste modo algumas das peças.
Engenhoso como era chegou mesmo a fazer um santuário em barro que tinha exposto em casa.
Com o decorrer dos anos o santuário foi-se estragando e dele hoje só resta a memória e uns pináculos que o rematavam.
Da produção conhecida deste oleiro fica-se com a ideia da existência de dois fabricos: um, de loiça de cozinha, de menor apuramento decorativo, que servia na preparação de alimentos, no transporte de água e no armazenamento de líquidos (água, azeite, etc.) ou sólidos (azeitona, cereais, etc.), bem como no trabalho do ouro; e outro, de loiça que podemos designar fina, de apurado acabamento técnico, sendo peças profusamente brunidas e decoradas com motivos impressos – como bules, açucareiros, chávenas, etc.
Algumas das peças por ele produzidas (púcara, prato, tigela, caneca, cafeteira e bule de chá) estiveram patentes na exposição «Paneleiros e Pucareiros: a loiça preta em Portugal» (LOUÇA PRETA, 1997: 158-159).
Na freguesia de Castelões – que, juntamente com Ossela constitui um único centro produtor, dado que é o mesmo o barro, as técnicas de fabrico, o modo de cozer a loiça e os mercados de venda – trabalhou um oleiro de Ossela, de seu nome Luís de Bastos.
Através de trabalho de campo realizado em Castelões, e do artigo publicado por António Manuel Silva e Manuela Ribeiro (SILVA; RIBEIRO, 1998), conseguimos ficar a conhecer um pouco melhor este local de produção e os seus últimos oleiros.
Temudo, em 1905, informa que as argilas desta área “são aplicadas unicamente ao fabrico de louça preta, ordinária, e essa mesma em pequena quantidade.
Há apenas na freguesia de Castelões, lugar de Barbeito, um pequeno industrial que se dedica a este fabrico na própria casa de habitação em repartimento separado” (TEMUDO, 1905: 33).
Nessa época laborava em Castelões o oleiro Luís de Bastos, cuja presença se deteta, nesta freguesia, desde pelo menos 1870 (SILVA; RIBEIRO, 1998: 30, nota 9).
O oleiro Luís de Bastos e sua mulher, Teresa Maria, tiveram sete filhos. Nenhum dos filhos se dedicou à arte, mas duas das filhas mantiveram-se ligadas à loiça: Ana de Bastos (1887-1970) e uma outra filha, a qual, depois de casada, passou a vender, nas feiras, loiça de Barcelos e de Alcobaça.
É interessante referir que, em 1870, Luís de Bastos foi padrinho de batismo do oleiro Luís Barbosa Coimbra, de Ossela (SILVA; GUIMARÃES, 1998: 388).
Estas relações de compadrio vêm comprovar o afirmado por Rocha Peixoto quando diz que o oleiro de Castelões estava aí “destacado” das olarias de Ossela (PEIXOTO, 1995 [1908]: 315).
No segundo quartel do século XX, já só aqui laborava Almiro Rodrigues da Silva.
Almiro não era filho de oleiros, mas casou, em 1908, em família de oleiros. Sua mulher, Ana de Bastos, era filha do oleiro Luís de Bastos e de Teresa Maria, e foi com este que Almiro aprendeu a arte.
Almiro manteve a profissão de oleiro, que herdou do sogro, mas dedicou-se também à arte de pedreiro e de barbeiro, tendo deixado de cozer loiça nos anos 40 do século XX.
Era pessoa divertida, a quem agradavam as festas e romarias, tendo o dom de conseguir exprimir-se em verso. Morreu a 7 de fevereiro de 1974.
Segundo nos informaram em Castelões, o oleiro misturava duas qualidades de barro685, a greda, que ia buscar aos montes que ficam acima do lugar do Barbeito, e o “vermelho”, que retirava das proximidades da olaria. Maria da Conceição Bastos, pelo contrário, afirma que seu pai só utilizava uma qualidade de barro, de cor amarelada, – a greda –, que ia buscar ao monte, à Escaiba, quem vai para Felgueira de Castelões, perto da Mina das Águas Férreas.
Extraía o barro com o auxílio de uma picareta e transportava-o às costas, dentro de sacos, ou em canastras. O barro era extraído quase à superfície.
Na oficina, o barro era seco ao sol. Depois deste período de secagem era colocado numa pia* em pedra, de forma retangular e com paredes baixas, onde o barro era pisado com um maço de madeira, ficando “tipo farinha”, sendo seguidamente peneirado.
Esta pia* ficava elevada do solo cerca de 30 a 40 cm. De seguida o barro era amassado com água num masseiro* de madeira.
Depois de bem amassado ia para a roda baixa. O barro que a peneira não deixava passar era usado na feitura de adobos, que depois serviam para fazer o murete de proteção à cova, tal como era uso em Ossela . Os utensílios que o oleiro usava no trabalho à roda eram: um pano molhado, um recipiente com água e um canivete de madeira.
O oleiro dispunha de duas rodas: uma onde trabalhava, outra onde a sua mulher se dedicava a fazer os testos para as caçoilas, tal como sucedia em Ossela.
Algumas das peças eram decoradas pelo oleiro através da impressão de motivos na pasta ainda verde.
Também era costume brunirem as peças com um seixo, esta última tarefa competia principalmente às mulheres, também responsáveis por transportar o barro, ir à lenha, pôr a loiça a secar e ir vendê-la. Produzia loiça tosca: fogareiros, assadores de castanhas, caçoilas, púcaros, canecas, tigelas, assadeiras de ir ao forno, tendo chegado a fazer panelas de três pés com pega e cuja forma copiou pelas de loiça vermelha . Depois de seca a loiça era cozida numa cova, que se situava debaixo de um telheiro.
Tal como nos outros locais onde se cozia em cova*, também aqui, a loiça deveria ser previamente seca no sequeiro.
No entanto, segundo informação prestada por Maria da Conceição Bastos, filha de Almiro Rodrigues da Silva, a António Manuel Silva e a Manuela Ribeiro, “antes de ir a cozer, a louça secava em prateleiras na cozinha, com o calor do lume” (SILVA; RIBEIRO, 1998: 41).
Quando pretendiam cozer, os oleiros colocavam a loiça na cova*, encastelando-a uma sobre a outra, borcada.
À volta fazia-se um murete com adobes, deixando-se entre estes espaços por onde se ateava o fogo com caruma.
Por cima, a loiça era coberta com cacos e telhas velhas. Quando a loiça começava a ficar “toda em brasa como se fosse um ferro quente”, cobria-se com terra.
Depois, o oleiro tinha de se manter vigilante para que não bafejasse*, ou seja, não entrasse ar. A loiça desenfornava-se no dia seguinte.
As peças produzidas eram em tudo semelhantes às de Ossela. No entanto, o oleiro Almiro, apesar de brunir algumas das suas peças e de as decorar com motivos impressos, tal como o faziam os seus colegas de Ossela, não produzia bules, chávenas ou açucareiros de loiça fina.
António Manuel Silva e Manuela Ribeiro informam que “toda a família colaborava nesta tarefa, às noites, aos Domingos e nos dias de chuva” (SILVA; RIBEIRO, 1998: 42).
Vendiam a loiça em Vale de Cambra e Oliveira de Azeméis, na feira dos 9 e dos 23, em Cesar e em Arrifana. Os homens levavam a loiça às costas, dentro de sacos, e as mulheres, à cabeça, dentro de canastras.
Locais de venda de loiça de Castelões, no séc. XX
Freguesia | Distância máxima em Km (entre local produtor e de venda) |
Oliveira de Azeméis (Oliveira de Azeméis, Aveiro) | 9 |
César (Oliveira de Azeméis, Aveiro) | 12 |
Arrifana (Santa Maria da Feira, Aveiro) | 16 |
Almiro Rodrigues da Silva e Ana de Bastos, para além de venderem a loiça que produziam também negociavam loiça que compravam.
Deste negócio paralelo com a feitura de loiça preta tirava o oleiro e sua mulher, no dizer da filha Conceição, mais proveito do que da produção daquela.
Para o efeito tinham uma loja alugada, em Vale de Cambra, que usavam a meias com uma das filhas, a Irene, residente em Macieira.
A filha dedicava-se à venda de loiça de Sacavém e da Vista Alegre, em paralelo com a venda, nas feiras e romarias das redondezas, de doces, regueifas, sardinhas…
Com a morte do oleiro Luís Barbosa Coimbra, em Ossela, em 1959, e do oleiro Almiro Rodrigues da Silva, em Castelões, em 1974, extingue-se a arte da loiça preta em Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra.
Isabel Maria Granja Fernandes
Tese de Doutoramento em História
A loiça preta em Portugal: Estudo histórico, modos de fazer e de usar [pdf]