Arqueologia
Balanço de um século de tentativas Arqueologia
por Gonçalves Guimarães *
* Mestre em Arqueologia pela E.L.U.P. Docente da Universidade Portucalense Infante D. Henrique: Director do Solar Condes de Resende/Casa Municipal de Cultura de Vila Nova de Gaia
Como para muitas outras terras do nosso país, não deixaram os memorialistas do passado de salientar as antiguidades de Vale de Cambra baseados ora na toponímia, ora na documentação medieval conhecida, ora nas lendas e tradições que os vestígios topados aqui e ali justificariam.
O Século, de 19 de Janeiro de 1902, publicava a seguinte notícia:
«…..monte de fórma conica e irregular. Visto de longe, nada apresenta de extraordinário, mas, estudado de perto e com attenção, podem os olhos do observador intelligente descobrir os fragmentos quasi apagados de um antigo acampamento romano.
O povo chama-lhe Crasto e attribue aos mouros esses pequenos vestígios de fortificações levantadas em volta do monte…… Hoje, quasi nada existe d’esse campo fortificado: apenas uma capellinha, cuja construção é muito recente, mostra ao viandante que, nesse mesmo logar onde os santos se conservam rodeados de silencio e veneração, retumbavam outrora as trombetas do combate e da victoria.
Diz o povo que, quando foram cavados os alicerces para a edificação da capella, os pedreiros encontraram uma grande câmara de tijolo, onde estavam depositados alguns esqueletos ainda em bom estado de conservação.“
Este extracto sob o título de Notícias Várias: 1. Antiguidades dos arredores de Macieira de Cambra, foi coligido e comentado por José Leite de Vasconcelos (1) no vol. VII de O Archeologo Português, Lisboa, Imprensa Nacional, 1903. pag. 54/55, remetendo afí o leitor para os Extractos Arqueológicos das “Memórias Paroquiais de 1758”, publicados na mesma revista por Pedro A. de Azevedo (2) no vol. III, 1897, pág. 101-106:
“O que se apura d’esta notícia é que ao pé de Macieira de Cambra há um castro, que não data certamente da época romana, mas de época mais antiga; e que ahi se encontram sepulturas, que, porém, podem ser de época romana“.
Damos assim por terminada esta primeira época da arqueologia cambrense aliás sem qualquer consequência prática no que diz respeito aos estudos locais.
Será preciso esperar por 1917 para que Aristides de Amorim Girão (3), que no ano seguinte se formaria em Geografia na Universidade de Coimbra, ao percorrer as serras que delimitam o Vale do rio Vouga descubra várias estações arqueológicas, nomeadamente a necrópole megalítica da Pedra da Moura, entre Sever do Vouga e Vale de Cambra e, neste concelho, a anta do Coval/Ouguedêlo, cuja planta publica nas Antiguidades Pré-históricas de Lafões. Contribuição para o Estudo da Arqueologia de Portugal, Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, 1921 (CASTRO et al., 1956, 471 e seg.).
Ao apresentar em 1922 a sua tese de doutoramento sobre a Bacia do Vouga, refere igualmente a existência, na serra do Arestal, de monumentos pré-históricos (SOUTO, 1938, Nota 1).
E assim termina a segunda época da arqueologia cambrense com promissoras referências numa obra académica.
Já também em 1917 Alberto Souto (4), num artigo do jornal A Capital atribuía à falta de estudiosos o ineditismo a que estava votada a “…zona serrana da margem direita do Vouga, flanqueada por este rio e pelos seus afluentes Teixeira e Caima…”, o que o levaria, entre 1929 e 1931, “ao estudo da sua arqueologia prehistorica” (SOUTO, 1932, 285).
Inicia-se assim uma terceira época que decorrerá até 1940 e que será protagonizada por este estudioso. Logo em 1930 apresenta no 15. Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Préhistórica, que decorre em Portugal entre 21 e 30 de Setembro nas cidades de Coimbra e Porto, uma comunicação intitulada “Un document nouveau de l’art rupestre galaico-portugais. Les sculptures de l’Arestal” (SOUTO, 1931) onde analisa as inscultura de Fornos dos Moiros, concelho de Sever do Vouga.
Mas logo em 1932 publica na revista Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, vol. V, um artigo intitulado “Arte Rupestre em Portugal (Entre Douro e Vouga): As insculturas da serra de Cambra e de Sever do Vouga e a expansão das combinações circulares e espiraloides no noroeste peninsular” (SOUTO, 1932), onde assume a continuidade do estudo dos monumentos levantados por Amorim Girão e aqueles que entretanto vai descobrindo.
Neste trabalho apresenta a primeira descrição e tentativa de interpretação pormenorizada do Outeiro dos Riscos, freguesia de Cepelos, Vale de Cambra. Aqui refere também o espólio arqueológico que vai recolhendo pela região e depositando no museu arqueológico de Aveiro que estava a organizar.
Em 1938 refunde este artigo e publica-o de novo no Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. IV. com o sobretítulo “Arqueologia Prehistorica do Distrito de Aveiro…” (SOUTO, 1938). Estava assim definitivamente lançada a problemática da arte rupestre da região e o conjunto gravado do Outeiro dos Riscos passa a ter reprodução e referências obrigatórias em todos os trabalhos de Arte Pré-histórica daí em diante.
Já no trabalho de 1932, para além das gravuras, referia que tinha estudado “seis castros, três dos quais… descobrira, e que em 1938 são já “sete castros, quatro dos quais identifiquei e explorei”.
Porém só em 1940 vem a publicar no Arquivo de Distrito de Aveiro, Vol. VI uma pequena nota intitulada “Fichas e Nótulas O Castro de Ardes”, onde dá conta da sua localização e situação arqueológica: “Dado o adiantado da hora e o cansaço… não me foi possivel fazer trabalhos de excavação nem de minuciosa pesquisa” lamenta-se, apenas evidenciando “o resto da muralha”, “minusculos fragmentos de vidro e de cerâmica de pasta rude” (SOUTO, 1940, 282).
E era tudo! A Arqueologia portuguesa da época era assim, um pouco por todo o país.
Em 1942 Alberto Souto publica ainda nos T.S.P.A.E., vol. IX (4), págs. 283-328 um trabalho intitulado “Romanização no baixo-Vouga. (Novo “oppidum” na zona de Talábriga)” mas que para Vale de Cambra apenas regista o Castro de Chão do Carvalho, na freguesia de Arões, a que já se referira em 1940.
Seguem-se quinze anos de deserto editorial no que diz respeito à Arqueologia cambrense. Efectivamente o Estado Novo muito pouco fazia para promover os estudos científicos do passado do território nacional e do ultramarino, sobretudo neste período de guerra mundial generalizada.
As mistificações literárias desse passado, cujo mais alto expoente foram os concursos de “Lendas de Portugal”, e a prospecção destruidora dos curiosos locais eram-lhe suficientes.
Por isso, só alguma teimosia, algum diletantismo e a associação da actividade arqueológica com outras actividades profissionais, como aliás sempre acontecera ao longo destas épocas de Arqueologia amadora, é que vão permitir que o interesse pelas estações locais ressurja já na segunda metade da década de cinquenta, dando assim origem a uma quarta época, que se prolongará, com escassos resultados, ao longo de mais de dois lustros.
Nos anos cinquenta, Luis de Albuquerque e Castro (5), Octávio da Veiga Ferreira (6) e Abel Viana (7). patrocinados pelos Serviços Geológicos de Portugal, pelo Serviço do Fomento Mineiro, pelo Centro de Estudos de Enologia Peninsular e pelo Instituto de Alta Cultura, voltam a estudar o megalitismo da Bacia de Vouga, dando continuidade aos estudos de Amorim Girão (CASTRO, et al., 1956, 471).
Em 1956 apresentam um breve relatório no XXIII Congresso Luso-Espanhol, celebrado na cidade de Coimbra entre 1 e 5 de Junho e promovido pela Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências.
O trabalho, intitulado “Acerca dos Monumentos Dolménicos da Bacia do Vouga”, foi publicado em 1956 no Tomo VIII, 7. Secção-Ciências Históricas e Filológicas.
Neste relatório se dá conta da situação dos monumentos da Pedra da Moura, nos limites entre Sever do Vouga e Vale de Cambra, hem assim como do espólio recolhido no Museu de Aveiro, de que era director Alberto Souto.
Pelo mapa publicado neste relatório só um monumento, Pedra da Moura n. 10, estaria dentro dos limites administrativos de Vale de Cambra, o que, como é evidente, não tem nenhum significado arqueológico (op. cit pag. 474).
Em 1958, Dulce Alves Souto (8), publica no A.D.A. 24 (96), págs. 241-276 uns «Subsidios para uma carta arqueológica do Distrito de Aveiro no período da romanização, onde se refere ao Castro «… de Vale de Cambra (cujos achados estão nos Serviços Hidráulicos de Lisboa)» (SOUTO, 1958, 259) e que comprovariam a sua latinizaçin Faz ainda alusão ao aparecimento de tegulae na barragem do Caima “na vertente do lado de Macieira” (op. cit. 262)
Em 1963 D. Domingos de Pinho Brandão (9) publica o primeiro estudo sistemático de materiais arqueológicos cambrenses na revista Lycerna, 3, 114/118, num artigo intitulado “Achado da “época do Bronze” de Vila Cova do Perrinho, Vale de Cambra”, que teria aparecido em 1959 no Monte Crasto e sido recolhido pelo Dr. Ribeiro Martins na sua colecção.
O conjunto de objectos compunha-se de machados, escopros, lâminas de punhal, fragmentos diversos e um colar ou bracelete, acompanhados de um vaso cerâmico.
Infelizmente, e como sempre sucede nestas circunstâncias, estava perdida a maior parte da sua lição arqueológica. Este achado voltará a ser várias vezes reinterpretado posteriormente.
Entre este ano e a década de oitenta apresenta-se um novo hiato arqueológico sem investigação e sem publicações.
Terminada esta quarta época, que dera à arqueologia local a dimensão épocal entre a Idade do Bronze e a Romanização, será necessário esperar por 1980 para Philine Kalb (10) reinquadrar os bronzes de Vila Cova do Perrinho, num contexto mais amplo, ao publicar “O “Bronze Atlântico” em Portugal” (KALB, 1980).
Em 1983, André Coffyn (11) igualmente estuda este achado, apresentando as suas conclusões num trabalho intitulado “La fin de l’Age du Bronze dans le centre-Portugal”, publicado em O Arqueólogo Português, 4. série. 1. págs. 169/196, estudo esse que retomou em Le Bronze Final Atlantique dans la Peninsule Ibérique, Diffusion Cultural, Paris, 1985, o qual será ainda revisto por Armando Coelho Ferreira da Silva (12) em A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paços de Ferreira, 1986, pág. 76 e seg.
Um ano antes Celso Tavares da Silva (13) numa comunicação apresentada ao Congresso, Os Portugueses e o Mundo, Porto, Maio de 1985, tinha revisto “A arte rupestre da região do Vouga e a problema da sua cronologia”, publicada nas respectivas Actas, tema esse que um ano depois será glosado num artigo síntese de Vitor Oliveira Jorge (14) intitulado Arte Rupestre em Portugal e publicado nos T.A.E., S.P.A.E., Porto, vol. 26, fasc. 1.4, 1986, dando finalmente consistência à exclamação de Alberto Souto proferida mais de cinquenta anos antes: “L’art rupestre est à l’ordre du jour” (SOUTO, 1931, 410). E de novo o Outeiro dos Riscos volta a estar em evidência.
Após o 25 de Abril de 1974, um pouco por todo o país, surgirá um renovado e generalizado interesse pelo Património Cultural, nomeadamente o arqueológico, que nem sempre foi devidamente enquadrado por parte dos profissionais que existiam mas que eram insuficientes para acorrer às operações de recolha, detecção e salvamento para que eram solicitados em todo o país.
Foi necessário esperar que das universidades do Porto, Coimbra e Lisboa, saísse uma nova geração de licenciados que, muitas vezes orientados por alguns dos seus professores que tinham problematizado a estagnada Arqueologia oficial dos anos sessenta e setenta, se lançaram à pesquisa arqueológica enquadrados pela Portaria n. 269/78 de 12.5.78 e depois pela Lei n.° 13/85 de 6.7.85 e pelo Instituto Português do Patrimonio Cultural (1.P.P.C.).
É assim que em 1982, Ana M. S. Bettencourt (15) volta a estudar o espólio de alguns monumentos megalíticos da Serra do Arestal, existente no Museu de Aveiro, mais propriamente da necrópole situada entre os concelhos de Sever do Vouga e Vale de Cambra e já referidos por Alberto Souto (SOUTO. 1932, 285300) e por Luis de Albuquerque e Castro, Octávio da Veiga Ferreira e Abel Viana (CASTRO et al., 1957, 472 e seg.).
O breve estudo intitulado “A propósito de um vaso tronco-cónico do Museu de Aveiro” aparece na revista Arqueologia, n. 5. Porto, 1982. Anos depois a mesma arqueóloga voltará a intervir na Mamoa I da Cerqueira, integrada na necrópole acima referida naquela obra de 1957.
O exaustivo estudo deste monumento foi depois publicado na revista Arqueologia, n. 19, Porto 1989, com o título “Campanha de Escavação e Consolidação da Mamoa 1 de Cerqueira (Serra do Arestal – Sever do Vouga)” embora, como ai se refere, a necrópole se estenda por ambos os concelhos.
O megalitismo da região vai voltar a ser objecto de vários trabalhos académicos. Em 1986 Maria Miguel Marques da Silva (16) apresenta à disciplina de Pré-história Peninsular e Europeia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra um estudo intitulado “Megalitismo na Bacia Hidrográfica do Baixo Vouga” elaborado a partir dos apontamentos inéditos de Alberto Souto, no qual refere alguns monumentos em Vale de Cambra.
Em 1988, na mesma Faculdade e para a disciplina de Técnicas de Investigação Arqueológica, Teresa Maria Homem Rebelo(17) elabora o relatório “Informação Arqueológica: Arões, Castelões e Junqueira (Vale de Cambra)” onde completa e acrescenta com muitos dados inéditos o estudo anterior.
No ano seguinte, Ana M. S. Bettencourt e Teresa M. H. Rebelo fundem os trabalhos sobre o megalitismo da região que tinham realizado durante a licenciatura em História – Variante de Arqueologia e entregue no Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra e publicam na revista Portugália, Nova Série, vol. IX-X, Porto, 1989 o trabalho intitulado “Monumentos Megalíticos da Serra do Arestal (Sever do Vouga – Vale de Cambra).
Inventário Preliminar” onde fazem o contraponto entre tudo o que antes sobre os mesmos se tinha escrito e o levantamento no terreno da sua situação actual.
São ali correctamente referenciadas:
- Mamoa das Águas (Chã, Junqueira);
- Mamoa do Alto do Cruzeiro (Arões);
- Mamoa da Cerqueira 7 (talvez a Pedra da Moura 10 de CASTRO et al., 1957) e
- Mamoa da Cerqueira 8 (com as mesmas hipóteses) de Cercal, Arões;
- Mamoa do Cimo do Lameiro (Chã, Junqueira);
- Mamoa da Cruz/Lameiro Longo (Folhense, Junqueira);
- Mamoa do Lameiro (Junqueira): Mamoas das Novas (Novas; Arões);
- Mamoa da Preirada/Outeiro Castelo (Folhense, Junqueira);
- Mamoa da Presa Grande 1 e
- Mamoa da Presa Grande 2 (Cha, Junqueira); a Mamoa da Sobreirinha (Agros, Junqueira);
- Mamoa do Vale Mau (Mouta Velha, Arões),
num total de 13 monumentos situados no concelho de Vale de Cambra, para além de referências sobre monumentos destruídos ou não localizados em Campo d’Arca, Arões (Mamoa da Costa d’Arca): Chã, Junqueira (Mamoa da Fonte Cebola); Irijó, Cepelos (Mamoa de Irijó); Merlães, Cepelos (Mamoa de Merlães) confirmando mais uma vez a pujança do megalitismo da Serra do Arestal.
Entretanto, desde 1983 que Fernando Augusto Pereira da Silva (18) vinha também estudando sistematicamente o “Megalitismo e a Tradição Megalítica no Centro – Norte Litoral de Portugal…”cujo “breve ponto da situação apresentou no 1º Congresso de Arqueologia Peninsular organizado pela Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e que decorreu no Porto entre 12 e 18 de Outubro de 1993 (SILVA, F. A. P. da: 1993, 94). tendo igualmente revisto dados anteriormente apresentados por CASTRO et al., 1957 e GIRÃO, 1921.
O seu estudo abrange portanto “… uma vasta área que se estende entre a margem esquerda do Rio Douro, a Norte, e os limites da Bacia do Vouga, a Sul; para Este está delimitada pelo Rio Paiva e pelos cimos aplanados da Serra de Montemuro; a Sudeste, a delimitação passa pelas serras da Gralheira e do Caramulo: a Ocidente, o limite é marcado pela costa atlântica” (SILVA. F. A. P. da: op. cit., 95), o que naturalmente engloba o concelho de Vale de Cambra, se bem que, mais uma vez, devamos referir o quão negativo é para os estudos científicos do passado remoto a utilização das divisões administrativas pós-mediévicas.
Obviamente que não há megalitismo deste ou daquele concelho, mas “apenas”, quando tal referimos, queremos dizer que hoje tal monumento ou necrópole se situa neste ou naquele município, segundo a divisão administrativa actual.
Chamamos aqui a atenção para este facto pois, nesta matéria, qualquer excessivo regionalismo é extremamente negativo, impedindo muitas vezes a compreensão total de estações que obviamente ignoram as “fronteiras” que não existiam à data da sua criação, como aliás já tinham advertido alguns autores atrás citados.
Enquanto, desde 1983, Fernando Augusto Pereira da Silva estudava o megalitismo da região de Vale de Cambra, sensivelmente desde a mesma data e para a mesma região, António Manuel S. P. Silva (19) estudava a “Ocupação Proto-histórica e romana no Entre-Douro-e-Vouga litoral…” (SILVA, A. M. S. P.; 1993, 427), no qual inclui os povoados datados de entre o Bronze Final e a Baixa Romanidade do actual concelho de Vale de Cambra, sendo também aqui verdade o que acima dissemos para o megalitismo, pois os territórios castrejos nem sempre coincidem com julgados ou concelhos mediévicos ou com os actuais municípios, não devendo ser tal facto motivo impediente para o seu estudo, mas antes factor de boa colaboração intermunicipal e regional.
Entretanto, em 1986, Armando Coelho Ferreira da Silva publicava A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal (SILVA, A. C. F. da; 1986), obra notável que enquadrou todos os estudos anteriores sobre a matéria e relançou toda uma nova perspectiva no estudo da Arquelogia Proto-histórica da região.
Aí são referidos os povoados de Vila Cova do Perrinho, no Monte Crasto; de Roge em Sandiães ou Castelo e Arões, em Chão de Carvalho ou Castro de Arões.
Continuando a desenvolver os seus estudos no âmbito da sua dissertação de Mestrado em Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, António Manuel S. P. Silva, sob a orientação de Armando Coelho Ferreira da Silva, apresenta em 1994 a sua tese intitulada “Proto-história e Romanização no Entre-Douro-e-Vouga Litoral – Elementos para uma avaliação crítica”, onde sistematiza, enquadra e reavalia os conhecimentos bibliográficos e a prospecção no terreno sobre os povoados da região e, concretamente no que ora nos interessa, sobre o Castro de Chão de Carvalho e o Castro de Parada, ambos na freguesia de Arões e já referidos por REBELO, 1988; o Castelo de Sandiães em Roge, já referida por SOUTO, D. A.; 1958 e o Castro do Perrinho, já assinalado em SILVA, A. C. F. da, 1986.
Refere ainda uma possível necrópole de fossas não estudada que terá aparecido há cerca de 40 anos a poente do Castro de Perrinho (SILVA, A. M. S. P.; op. cit., 103).
Estamos pois já longe da época dos achados fortuitos ou das devastações mais ou menos eruditas realizadas nas estações arqueológicas à procura das “antiguidades da terra” ou de objectos descontextualizados para encher as vitrines dos pseudo-museus regionais ou locais.
O tempo é agora de estudos sistemáticos levados a cabo por arqueólogos profissionais, que naturalmente produzirão resultados muito mais abundantes e duradouros do que as canhestras intervenções do passado.
Para se ter uma ideia da diferença entre a arqueologia amadora que perdurou até aos anos setenta, da semiprofissional dos anos setenta e oitenta e da profissional que agora procura implantar-se, não são precisas grandes discussões teóricas: basta comparar os estudos produzidos.
Digamos que até aos anos setenta pouco mais se avançou do que uma limitada arqueografia; com a intervenção dos alunos das Faculdades de Letras das Universidades do Porto e de Coimbra aparece realmente uma arqueologia e, com a definição da profissão de arqueólogo apareceu uma inevitável arqueosofia.
Vejamos então o que se produziu em termos de Arqueologia local ao longo destes quase cem anos:
– 1ª época – 1902 – Notícias sobre o Castro de Macieira de Cambra.
– 2ª época – 1917-1922 – Levantamento de monumentos megalíticos e algum espólio.
– 3ª época – 1929-1942 – Levantamento de gravuras rupestres e dos castros e algum espólio desenquadrado.
– 4ª época – 1956-1963- Levantamento, recolha e estudo do espólio de monumentos megalíticos e dos castros e estudo de espólio da Idade do Bronze descontextualizado.
– 5. época – 1980-1994 – Revisão dos dados arqueológicos de Vale de Cambra, no que se refere à Idade do Bronze, à Arte Pré-histórica, ao Megalitismo, à Cultura Castreja e à Romanização, à luz da nova metodologia arqueológica.
A simples análise destas “épocas” de maior interesse arqueológico dispensa-nos de mais comentários. Por outro lado os estudos produzidos até à data, mesmo os mais próximos, estão longe de serem exaustivos, pois a recente monografia de Vale de Cambra, da autoria de Maria Clara de Paiva Vide Marques (MARQUES, 1993) indica outros locais potencialmente arqueológicos nas diversas freguesias do Concelho.
Mas há ainda muito a iniciar. Não existem para esta área – que nós saibamos – quaisquer outros projectos de investigação para além dos aqui mencionados.
Estão assim temporariamente desertificadas as arqueologias altimediévicas e medieval. a pós-medieval, a rural e a industrial, não obstante as inumeras referências documentais e toponímicas que assinalam um universo de potencialidades particularmente cativante.
Mas com certeza que a seu tempo a comunidade cambrense não deixará de apoiar o trabalho de arqueólogos profissionais que lhe darão a conhecer a riqueza do seu passado perpectuado nos vestígios materiais que apenas se adivinham.
Ora a Arqueologia não é uma actividade divinatória. Por isso pensamos ser altura de encerrar este século de tentativas e prosseguir um trabalho metódico, programado e com objectivos definidos.
Então teremos finalmente uma Arqueologia de Vale de Cambra que muito valorizará o capital cultural do município.
Nota final: Para a elaboração deste trabalho contamos com a colaboração de diversas pessoas e instituições a quem queremos deixar aqui expresso o nosso agradecimento: antes de mais ao Mestre Dr. António Manuel S. P. Silva, arqueólogo e presidente da Direcção da Associação Profissional de Arqueólogos e ao Dr. António Huett de Bacelar Gonçalves, do Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que nos facultaram diversa bibliografia sobre o tema.
Também à Margarida Cunha, que dactilografou os manuscritos deste trabalho, igualmente os nossos agradecimentos.
Os dados biográficos dos arqueólogos referidos neste trabalho foram obtidos na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira de Cultura, na revista Beira Alta, no Centro de Documentação da Casa Municipal de Cultura/Solar Condes de Resende e junto da Associação Profissional de Arqueólogos (APA) e da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), entidades a que igualmente agradecemos, A desigualdade de tratamento deve-se à escassez de dados nessas fontes sobre alguns dos arqueólogos referidos.