Lançamento: escultora
Clube de Colecionadores do MAM São Paulo 2021
O curador do MAM São Paulo, Cauê Alves, recebe os três artistas que compõem a edição 2021/2022 do Clube de Colecionadores: Alex Flemming, Gabriela Albergaria e Xadalu Tupã Jekupé; para um bate-papo virtual sobre seus trabalhos e a participação no clube.
Gabriela Albergaria é uma artista visual, valecambrense, que vive actualmente em Bruxelas, na Bélgica.
Licenciou-se em pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
A artista interessa-se pelas relações da espécie humana com a natureza, voltando-se para colecções botânicas, seu processo de institucionalização e de classificação desde o final do século XVIII.
Em algumas obras ela alude às chamadas xilotecas: colecções de madeiras de museus de história natural.
A NATUREZA DETESTA LINHAS RETAS
A exposição A Natureza Detesta Linhas Retas é a primeira exposição antológica da artista, percorrendo os últimos 16 anos do seu trabalho, nos vários suportes que tem vindo a utilizar, desde a escultura, ao desenho, passando pela fotografia e pela produção de múltiplos.
OUTROS ECOS
Galeria Vermelho
Livrozilla.com
Porta33
A Leitura do Lugar e a Representação na Paisagem
Gabriela Albergaria, Nuno Henrique e Delfim Sardo
Europress
UMA OBRA IMPROVÁVEL E SURPREENDENTE, DEDICADA ÀS ARTISTAS MAIS AUDAZES QUE OUSARAM ROMPER AS FRONTEIRAS TRADICIONAIS DAS ÁREAS DISCIPLINARES DA PINTURA E DA ESCULTURA.
São raros os livros dedicados a mulheres artistas em Portugal.
Oferecendo-nos uma notável antologia visual, esta obra vem contrariar essa escassez, reunindo um conjuntode estudos ímpares, resultantes de investigação realizada por autores prestigiados, que nos mostram o que de mais criativo se fez e vai fazendo.
Entre estas mulheres está Gabriela Albergaria.
Lisboa Livre
Térmico, no Pavilhão Branco do Museu da Cidade, em Lisboa, é o momento oportuno para o reconhecimento de um caso singular da arte portuguesa.
E de uma obra que encontra nos espaços naturais o material do seu fazer.
Uma árvore tombada em cuja base alguém acoplou um parafuso.
Uma massa de terra feita escultura e destituída de fertilidade.
Outra árvore e um desenho de fundo que, juntos, criam um cenário. Um desenho de uma paisagem.
Eis a descrição possível das obras que Gabriela Albergaria (Vale de Cambra, 1965) apresenta em “Térmico”, exposição individual, com curadoria de Delfim Sardo, que fica no Pavilhão Branco do Museu da Cidade, em Lisboa, até meados de Junho.
Ao todo, são três desenhos e duas esculturas em que as técnicas da botânica “servem” como dispositivos da arte dirigidos à experiência e ao conhecimento do espectador – descubram no pavilhão os ramos de árvores que “são” desenhos, ou a matéria orgânica como forma escultórica.
É esta capacidade de “trabalhar”, com várias disciplinas (desenho, escultura, fotografia), espaços e lugares associados ao universo da natureza – como os jardins, as florestas, as estufas – que faz de Gabriela Albergaria um caso singular da arte portuguesa.
O seu percurso permanece porém, relativamente “secreto”, pelo que se justifica o devido “flashback”. Façamo-lo.
Formada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes do Porto, desceu no início dos anos 90 a Lisboa, tendo aí desenvolvido a primeira fase da sua carreira.
Expôs gravura na Galeria Monumental, trabalhou em ilustração e ensinou na Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, antes de conseguir em 2000 uma bolsa enquanto artista residente no programa internacional da Kunstlerhaus Bethanien, em Berlim.
Desde então vive na capital alemã e expõe com mais frequência no estrangeiro do que em Portugal.
As razões que ditaram a partida foram prosaicas – necessidade de tempo para desenvolver o trabalho, fuga às preocupações económicas -, mas as consequências da deslocação acabaram por ditar um salto.
“Já tinha abordado antes o tema dos jardins, mas em Berlim comecei a estabelecer uma relação especial com os espaços e o exterior, ao perceber a forma como as pessoas viviam os lugares.
Isso ajudou-me a pensar mais especificamente o meu trabalho à volta das questões da natureza”, recorda.
O confronto do corpo com a cidade também contribuiu para outras coordenadas.
“Foi lá que passei a aumentar os desenhos, pois tinha um estúdio muito maior.
Comecei, também, a fazer outras coisas em termos de escala, porque vivia-a de outra maneira”.
Outro momento relevante: a série de visitas que Gabriela Albergaria realizou a jardins e parques, acompanhada do curador e historiador Peter Lang.
Não apenas na Alemanha, mas também na Polónia e na República Checa.
“Interessava-me, sobretudo, a relação desses povos com a natureza.
Visitámos, por exemplo, o jardim Dessau-Wörlitz [construído no final do século XVIII e inspirado nos ideais do iluminismo] e o Bad Muskau, criado pelo conde Fürst Pückler, com amostras de alguns cultivos da Alemanha e uma pirâmide de terra sob a qual está sepultada a amante do conde”.
Uma natureza substituta
O jardim como espaço de vivência física e emocional é o tópico central de “Un jardin à ma façon” (2006), obra apresentada pela primeira vez no Centro Cultural Calouste Gulbenkian de Paris e refeita para “Térmico”.
Consiste numa peça inspirada na correspondência de Calouste Gulbenkian com o arquitecto da sua casa/jardim de campo Les Enclos.
A artista desenhou, a lápis de cor e sobre papel, um dos caminhos descritos pelo coleccionador; depois, paralelo ao desenho, colocou uma árvore caída num suporte de madeira.
Pela sua qualidade formal e estética, é uma das peças mais desconcertantes: os ramos parecem desenhos tridimensionais e o desenho de fundo ganha a qualidade de um cenário.
A artista, no entanto, mostra-se pouco inclinada para certas categorias.
“Gosto de criar nas minhas peças um conjunto de harmonias, não tenho medo do belo.
Mas creio que o meu trabalho se afasta desse conceito. É mais importante para mim a questão da experiência.
Não me interessa a via mística, mas desejo que as pessoas tenham uma relação com as peças que não passe apenas pelo olhar”.
De facto, é difícil descortinar o “belo” na escultura “Árvore com parafuso” (2010).
Sem raiz, substituída por um parafuso de aço galvanizado, suspenso por cabos e atravessado por espigões, o tronco de uma acácia configura um ser uma situação tão violenta quanto artificial.
Não há vestígios de paisagem, apenas um objecto que se desenha no espaço e delimita a presença do corpo do espectador.
Um desafio semelhante à percepção do objecto e do espaço toma forma em “Couche Sourde” (2010), inspirada numa técnica homónima de cultivo.
Explica a artista: “É um método de germinar sementes através do composto e do adubo, e que existia antes das estufas.
A terra, quando está a formar o composto, ganha calor e força a semente a abrir.
Concebi-a em Oxford durante a residência no Botanic Garden, onde existe um arboreto com uma área de terra com composto orgânico.
Interessou-me o volume, a cor, o facto de ser uma matéria simples, as possibilidades que oferece”.
Entretanto, a artista prensou a terra (através do processo da cofragem) e retirou-lhe oxigénio, impedindo a germinação.
No seu lugar, criou um objecto artístico, uma escultura que, vista de um ângulo particular, sugere uma linha no espaço, sem volume ou espessura.
Voltemos a um dos motivos mais recorrentes na obra de Gabriela Albergaria: o jardim.
Afinal de que forma a artista o aborda? Como material, dispositivo, tema?
“Para mim é uma espécie de substituto da ‘natureza pura'”, responde.
“Se num primeiro momento surge e surgiu como fascínio, é na sua analise exaustiva que encontro sentido.
Na vivência do espaço físico ou nas impressões do local, físicas e mentais.
Passear num espaço natural é para mim uma forma de ‘desacelerar’ e de me relacionar com outro tempo com as coisas”.
O jardim, resume, é “um ponto de partida para pensar sistemas de conhecimento e de poder”.
Novas formas de vida
“Under An Artificial Sky”, o segundo desenho de “Térmico”, é um bom exemplo desse entendimento.
Gabriela Albergaria reconstituiu um cenário natural de uma das mais importantes estufas da Alemanha, construída na ilha de Pfaeuninsel e destruída num incêndio em 1880.
De grandes dimensões, envolvendo o espectador, o desenho deixa entrever pequenas invasões, desenhos sobre desenhos, uma ficção: flores e plantas exóticas misturadas com a flora local.
Gabriela Albergaria alude, assim, a uma situação de artificialidade (a estufa) e à colonização das plantas em território europeu.
E, dessa forma, interroga não apenas as fronteiras entre o natural e o artificial, mas também o seu próprio processo de trabalho.
“Ao criar uma relação privilegiada e até de encantamento, uma estufa torna-se mais real do que o próprio jardim exterior que a envolve.
E eu, ao importar técnicas da agricultura para o meu trabalho, crio plantas fora do seu ambiente natural, e até novas formas de vida”.
A artificialidade da natureza perante a artificialidade da arte, como acontece exemplarmente em “Un jardin à ma façon”?
A meio do primeiro piso, revela-se outro desenho.
“Foi a última peça que fiz para aqui. Teve vários momentos. Pensei em fazer uma frase desenhada na parede, como noutros projectos, mas escolhi a moldura.
Tirei-lhe assim a conotação romântica e ficou um enunciado minimal e poético que aglutina a exposição.
Fundamentalmente, o solo numa estufa recolhe o calor do sol e liberta-o durante a noite.
Quanto maior a estufa, mais calor retém.”
Revista da TAP
A UP Magazine – TAP (sítio já inexistente e que aqui recuperamos) publicou este artigo intitulado:
Gabriela Albergaria – O cultivo da arte
ON APR 1, 2015 IN EMBARQUE IMEDIATO
A viver há quatro anos em Nova Iorque, Gabriela Albergaria cria plataformas de relações entre o homem e a natureza.
Representada pela Galeria Vera Cortês, em Lisboa, e pela Vermelho, em São Paulo, o trabalho da artista está em vários museus nacionais internacionais e é um work in progress onde as questões ambientais também se manifestam.
Ter nascido e crescido em Vale de Cambra (entre Douro e Vouga), no tempo em que a cidade ainda era campo, talvez seja determinante na relação de Gabriela Albergaria com a natureza.
A artista escolheu partir dos jardins e dos parques porque são fruto directo da relação do homem com o meio ambiente.
“Os jardins eram o acesso mais fácil para perceber o que é a natureza neste contexto cultural.
Já a fotografia digital surgiu [tem formação em Belas Artes – Desenho e Pintura] como uma espécie de continuação do que é o trabalho de desenho.”
Isto tudo aconteceu nos anos 90.
“Queria uma coisa que fosse a continuação da mão e do olhar. Com a câmara digital podia tirar meia centena de fotografias e no fim escolher apenas uma.
”Em 1995, faz uma primeira série de fotos digitais a que chama:
Tenho sete anos e o buxo dá-me pelos ombros.
Inicia um novo processo de trabalho. E começa a fazer maquetes.
“Transformei a sala no jardim da minha infância. Feito de memória. Era o jardim onde jardinava com o meu pai.”
Estas recordações são sobretudo importantes enquanto experiência.
“Quando comecei a fazer estes trabalhos não tinha consciência de ter começado a jardinar com o meu pai, é intuitivo.
Não tive noção de que havia ali elementos da minha experiência pessoal.”
A sua aproximação à natureza coincide com uma aproximação à fotografia digital.
As fotos das maquetes, com esse ambiente mais nocturno, relaciono-as mais com uma ideia de memória”, dirá a Sérgio Mah, num documentário sobre o seu trabalho.
O desenho só entrará na equação artística mais tarde.
Gabriela estuda, visita, fotografa e desenha o objecto de estudo, depois leva esse material para o ateliê e em seguida elabora uma série de peças tentando misturar as várias linguagens.
“Interessa-me aprender as várias linguagens da natureza, seja da agricultura, da jardinagem ou da biologia.”
A primeira vez que montou uma escultura, a partir de árvores, foi no Centro Cultural de Belém (2004), com Collect, transplantar, coloniser.
“Quis trabalhar com a árvore e modificar-lhe a morfologia.
Apercebi-me da existência de várias técnicas de manipulação das plantas, nomeadamente uma que é o enxerto.
Aprendi a técnica com agricultores e depois importei essa linguagem para a escultura.”
A árvore da vida
Nunca desenhou árvores simplesmente pelo facto de serem bonitas: “há um sentido qualquer, são árvores que estudei. É a árvore ou o lugar que me chamam à atenção por qualquer razão”.
O mesmo acontece com a escolha da temática dos parques.
“Para mim é mais interessante perceber como controlas o mundo através da natureza, do que através de processos políticos.
Por outro lado, passear por estes lugares permite-me uma certa reflexão, o isolamento, andar ou fazer trilhos nas montanhas.”
Todas estas motivações estavam lá quando se propôs fazer uma residência artística no jardim de Wave Hill, no Bronx, em Nova Iorque, ou quando quis conhecer os parques históricos em Paris.
“O teor político influi na escolha dos parques. Ao trabalhar a natureza, não são as questões românticas do século XVIII que me interessam, mas as questões sociais e de poder.
Quero também perceber como é que uma árvore se altera ao longo de um ano.
Então fiz uma peça que representa as quatro estações do ano.
Gabriela fala do “Catálogo de cores das folhas de árvores recolhidas no Jardim Botânico de Brooklyn” que integrava a última exposição na galeria lisboeta Vera Cortês, intitulada Time Scales.
“Foi esse estudo que me levou a trabalhar de uma forma abstrata com as cores do tempo que passa.”
Dos doze meses que passou em Paris, entre 2005 e 2006, resultou a exposição “Herbes Folles” (2006) na Vera Cortês e um livro homónimo.
Na cidade-luz teve contacto com outra realidade artística.
“Fiquei na Cité des Arts [uma residência artística] no Marais.
Paris é uma cidade para andar a pé. Na altura vivia na Alemanha e os pormenores climáticos são importantes para quem trabalha no exterior.”
Apesar de residir há quatro anos em Nova Iorque, Berlim continua a ser a sua cidade preferida.
“É facílima. Enorme e ao mesmo tempo parece que estás numa quinta. Sentes também uma dinâmica de grande aldeia onde as pessoas se relacionam de maneira muito calma.”
Foi ali que começou o nomadismo e foi ali também que descobriu um grupo de artistas cuja relação com a natureza era intensa, sem se fixarem no tema da paisagem.
A aventura começou em 2000 quando, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, foi para a residência artística Künstlerhaus Bethanien, onde todas as semanas recebia a visita de galeristas e de curadores, berlinenses e dos quatro cantos do mundo.
Ali, encontrou um campo muito próspero para desenvolver o seu trabalho.
“Participei em vários projectos na paisagem que decorrem no Verão e que são uma espécie de sketchbook a três dimensões.
Foi nessa altura que surgiram os enxertos, as ideias relacionadas com a terra e com as composições das coisas.
É nesta época que se dá a mistura entre a história e as linguagens da jardinagem e da agricultura.
”Do processo surgem a exposição Forking Paths, na galeria Vera Cortês, fruto de uma residência de artista no Jardim Botânico da Universidade de Oxford, a exposição Counting Seeds na Ermida Nossa Senhora da Conceição, em Lisboa, e o livro Duas Praças, Um Jardim Belém, Lisboa, que é uma espécie de guia onde sugere “várias formas de ver a natureza”.
O apelo do campo mantém-se.
“Nós viajamos pelo menos duas vezes por ano para os parques nacionais que, apesar de selvagens, também são – embora não pareçam – bastante intervencionados pelo homem.
”No último ano trabalhou peças de dimensões consideravelmente pequenas que encontrou perto do estúdio em Brooklyn, para onde vai todos os dias.
“Encontrei umas madeiras a flutuar no canal de Gowanus que é o mais poluído dos EUA.
O contrassenso é que as casas à volta estão a ser alvo de especulação imobiliária.
Este género de polémica interessa-me.
Estes pedaços de madeira vêm com cimento agarrado. Há toda uma problemática de edução ambiental.”
A descoberta resultou na peça “Planificações de 5 madeiras encontradas no Canal Gowanus, Brooklyn (NY)”, incluída na exposição Balanço da Árvore Exagera a Tempestade, na Galeria Vermelho, em São Paulo.
Desta exposição, outro trabalho que destaca é a peça “Endangered and Vulnerable”, onde, a partir de uma lista internacional de árvores em extinção, a artista criou uma xiloteca com desenhos monocromáticos de cada uma das madeiras das árvores que constam da lista.
Ultimamente Gabriela anda interessada numa temática lançada em Harvard e chamada Landscape Forensics, que consiste em “aprender a identificar na paisagem o que foi intervencionado humanamente e é impossível de descodificar a olho nu”.
A artista já não faz planos para o futuro.
Sabe que, algures, um pauzinho de madeira poderá atravessar-se no seu caminho.
“No início calculava o que ia fazer. Hoje o estímulo para produzir pode ser até uma pedra da calçada.”
Se as considerações são fruto de uma certa maturidade perante o próprio trabalho, as temáticas acabam por vir ao seu encontro.
Talvez porque esteja mais predisposta para as receber.
por Maria João Veloso, foto Vasco Colombo