Rancho Folclórico A Primavera

Da Revista “A Primavera”, n. 1/2023

Rancho Folclórico A Primavera

São 65 anos de História.

O Rancho Folclórico “A Primavera”, de Vila Cova de Perrinho, surgiu a 18 de fevereiro de 1958, por iniciativa do Padre António Carvalho, pároco da freguesia de Vila Cova de Perrinho e da professora Maria Iolanda Cabral Nogueira.

A 24 de junho de 1958 actuou pela primeira vez em público nas festas do padroeiro da freguesia – São João Baptista.

A sua história confunde-se com a história contemporânea da freguesia tornando-se assim, o Rancho Folclórico mais antigo do concelho de Vale de Cambra.

O grupo iniciou-se após o término do bastante conhecido Rancho de São Pedro de Nabais, grupo esse que contava com muitos elementos da freguesia de Vila Cova de Perrinho, herdando uma enorme influência nas suas danças e cantares.

De facto, essa influência ainda está presente na memória de todos. Grande parte dos elementos que fizeram parte desse rancho folclórico acabaram por ajudar a fundar o Rancho Folclórico “A Primavera”, entre eles, destacam-se todos os irmãos dos “Panos”, assim conhecidos na região, deixaram de dançar no agora extinto Rancho de São Pedro de Nabais e juntaram-se ao recém formado – Rancho Folclórico “A Primavera” de Vila Cova de Perrinho. 

O grande responsável por importar a influência do extinto Rancho de São Pedro de Nabais foi o Sr. Justiniano Gonçalves Ferreira, que ao longo de várias décadas, assumiu um papel de relevo na freguesia e no Rancho Folclórico “A Primavera” transmitindo as primeiras influências e recolhas de usos e costumes da nossa região.

As tradições e costumes desta região são riquíssimas devido ao facto de Vila Cova de Perrinho estar inserida numa região de transição entre o litoral e o interior.

Assim, após várias e apuradas recolhas de usos e costumes, o Rancho “A Primavera” apresenta os trajes ligados às actividades laborais e as danças e cantares típicos desta região dos finais do século XIX até meados do século XX.

Nos séculos passados, esta povoação como todas as sociedades agrárias sempre se dedicou à agricultura de subsistência, tendo em especial relevância a cultura do linho, forma de sustento de grande parte da população, dado o microclima deste vale virado a sueste.

As mulheres da classe rural usavam saias compridas em armur, merino ou chita, com saiotes e saias brancas, aventais em chita lisa, florida, largos ou estreitos.

Usavam ainda lenços na cabeça ou lenços chineses caídos sobre os ombros. As mulheres rurais usavam ainda cinto preto para apanhar as saias e chapéus de veludo preto.

Os homens usavam calça em lã preta, cotim, linho, borel e estopa, chapéu preto de abas largas, coletes com quadrados nas costas, camisas de linho ou estopa, riscado com peitos feitos em “popeline”, usavam ainda cinto preto, tamancos, socos ou botas grosseiras.

São estes os trajes que o Rancho Folclórico “A Primavera” tenta preservar ao longo da sua história. Mas a sua influência cultural ficou a dever-se à região da costa litoral.

A influência etnográfica das terras de Cambra deveu-se também ao famoso triângulo místico “serra-mar”, traduzido nas romarias da Senhora da Saúde da Serra, São Paio da Torreira e o Senhor da Pedra em Espinho, que levou ao cruzamento de várias culturas entre os diferentes peregrinos destes três locais religiosos.

As romarias a outros locais fora da freguesia e do concelho serviram não só por influenciar os trajes, mas também as danças e cantares.

Os poemas e danças são, para além de uma recolha local e regional, uma influência deste privilégio geoestratégico que Vila Cova de Perrinho detém.

As coreografias, demonstram uma mistura das danças em roda, típicas das zonas vareiras, com danças em colunas, típicas das zonas serranas, onde a influência Celta ainda está patente no inconsciente coletivo dos povos.

A recolha de todas estas influências foi acontecendo ao longo dos anos, trazendo até aos dias de hoje, com o máximo rigor a história popular da freguesia de Vila Cova de Perrinho e do concelho de Vale de Cambra.

Foi assim, após toda esta recolha inicial de usos e costumes que o Rancho Folclórico “A Primavera” iniciou as suas actividades.

Composto por gentes de Vila Cova de Perrinho, tinha cerca dez pares de dançarinos, todos eles na flor de idade, motivados por dar a conhecer a sua freguesia ao país. 

  • Padre António Carvalho
  • Maria Iolanda Cabral Nogueira 
  • Maria Tavares de Bastos “Maria do Inácio”
  • Emília “do Peso”
  • Carminda “do Peso”
  • Norberta 
  • Arminda da Pinheira
  • Benilde 
  • Olívia
  • Adélia  
  • Maria Augusta “do Rego”
  • Aldina “do Rego”
  • Palmira “do Baptista”
  • Adelaide “do Curro”
  • Augusta “do Elias”
  • Floriano
  • Pedro “de Saril”
  • Gabriel “de Saril”
  • Abdiel 
  • Césaro
  • Joaquim “do Alves”
  • Franquelim “do Inácio”
  • João “da Loja”
  • Joaquim “de Chave”
  • Manuel “da Loja”
  • Jaime Santana
  • Almiro Ferreira
  • Albino Ferreira
  • Adriano Ferreira
  • Justiniano Ferreira
  • Armando da Costa
  • Pedro Ferreira
  • Domingos Ferreira
  • Abel Santos
  • Joaquim “da Pinheira”
  • Joaquim de Pinho

É graças ao contributo destes elementos e à sua força de vontade, que hoje Vila Cova de Perrinho vive com grande entusiasmo o folclore.

São eles os responsáveis por transmitir às gerações atuais as tradições e costumes vividos no passado e a eles devemos o maior respeito e carinho pelo trabalho desenvolvido ao longo de décadas.

Em finais dos anos cinquenta do século passado surge também em Vila Cova de Perrinho o Rancho Infantil de São João Baptista , composto por elementos que estavam descontentes por não pertencerem grupo formado.

No início dos anos sessenta do século XX, tanto o Rancho Folclórico “A Primavera” como o Rancho Infantil de São João Baptista suspenderam as suas atividades por falta de elementos para compor os pares e também surgiam já as primeiras discórdias pessoais entre elementos do grupo.

Com a suspensão dos dois grupos folclóricos, Vila Cova de Perrinho perdeu a sua hegemonia no que diz respeito à preservação da cultura popular do concelho de Vale de Cambra.

Foi necessário esperar por meados dos anos setenta do século passado para o Rancho Folclórico “A Primavera” iniciar novamente as suas atividades, agora com uma união com os elementos que tinham feito parte do Rancho Infantil de São João Baptista.

O início das atividades foi marcado por momentos controversos, havendo apenas memória de uma única atuação com o grupo todo unido, por altura das comemorações do 25 de abril desse ano.

Os momentos controversos ainda estão latentes nos dias de hoje e presentes na memória de todos. O regresso da atividade ficou mesmo marcado pela cisão definitiva do grupo.

Um dos grandes motivos que levou à cisão foi o facto de alguns dos elementos do Rancho Folclórico “A Primavera”, decidirem cobrar a atuação nas festas da freguesia.

O clima de instabilidade já era visível e esse acontecimento veio agudizar o problema. O clima instalado na freguesia dividiu-a e abriu duas correntes de opinião.

Os elementos que não estavam de acordo com essa opinião, acabaram por dar continuidade ao grupo, passando a ensaiar em casa do Sr. David da Costa preparando a atuação para as festas de São João Baptista de Vila Cova de Perrinho.

Assim, o Rancho Folclórico “A Primavera” continuou com menos elementos mas decididos na sua missão, representar a freguesia e trabalhar para a cultura da mesma.

Esses mesmos elementos do Rancho Folclórico “A Primavera” que decidiram continuar, colocaram em primeiro lugar o interesse da freguesia e depois os interesses individuais do grupo.

Em Outubro de 1977, o Rancho Folclórico “A Primavera” lavrou a sua escritura e fundou oficialmente o grupo, publicando os seus Estatutos em Diário da República em novembro desse ano.

Iniciou-se assim uma enorme caminhada até aos dias de hoje, representando o concelho de Vale de Cambra por Portugal e no estrangeiro.

Foi sócio fundador da Federação de Folclore Português e é até aos dias de hoje filiado no INATEL.

O trabalho de recolha e preservação continuou de forma afincada e tudo isso se deveu ao ainda atual Diretor Técnico do Rancho Folclórico “A Primavera” de Vila Cova de Perrinho. 

Albino de Jesus Ferreira, foi o grande impulsionador do grupo após o seu irmão, Justiniano Gonçalves Ferreira e Almiro Ferreira, este último também ensaiou o grupo durante vários anos.

Ao Diretor Técnico, o Rancho Folclórico “A Primavera” agradece a recolha rigorosa da cultura do linho, actividade que o rancho ainda hoje representa nas suas atividades.

A origem exacta da cultura do linho é desconhecida mas sabe-se que esta fibra é cultivada pelos Homens há milhares de anos, talvez no Egipto, a partir do aperfeiçoamento do linho selvagem.

Desta fibra se fizeram os tecidos que acompanharam o Homem durante centenas de anos até à introdução do algodão, da seda e das fibras sintéticas.

A qualidade do linho usado em Vila Cova de Perrinho é o chamado linho galego, cujas hastes rondam os 40cm de altura.

O arranque do linho é feito no início do Verão, geralmente sessenta dias após as sementeiras, antes dos frutos, chamados de baganha secarem, para que as fibras do caule sejam mais macias e mais fáceis de separar da parte mais lenhosa.

Depois de arrancado é ripado no ripo para separar a baganha do caule e é levado a curar nos largos, charcos ou ribeiras em molhos pequenos onde as bactérias atuam, ajudando a separar com mais facilidade a fibra do linho, perdendo a cor esverdeada e tomando a cor amarelada. 

Depois de retirado dos lagos é posto a secar nos lameiros sendo posteriormente malhado em eiras com um mangual e levado ao engenho engenho onde a fibra é triturada, começando aí as diversas fases de transformação do linho em tecido – varas de linho.

Depois do engenho é o memento da espadelada, onde, com a ajuda de uma espadela de cortiça e um cutelo de madeira se separar as fibras do linho das arestas, chamadas de tomentos.

Em seguida é usado o sendeiro, uma peça de madeira com dentes – puas – alianhados em fila e que serviam para separar a fibra fina da fibra grossa – linho assedeado da estopa.

Após essa sepração passava para a roca e o fuso. A roca uma vara de madeira rachada com bojo feito de aduelas de cana, onde o linho é enrolado para ser fiado.

O fuso é um instrumento de madeira roliça com ponta de metal que adelgaça o linho para fazer as maçarocas. As maçarocas são apenas os novelos de linho enrolado pelo fuso.

Após termos as maçarocas, o linho segue para o sarilho, um aparelho de madeira, cuja rotação enrola os fios das maçarocas para fazer as meadas.

Estas vão branquear em barrelas feitas no cortiço barreleiro com água, sabão rosa, cinza de vides até ficarem branqueadas e postas a secar em estendais feitos de cana.

Assim, após estarem secas as meadas passam para a dobadoura, um aparelho que transforma o fio da meada em novelo e esse novelo vai para o caneleiro, peça de madeira que passa o fio de linho da dobadoura para as canelas usadas nos teares.

Chegou o momento de o linho entrar o tear, uma máquina de madeira acionada pelos pés e que urdia o fio da canela em trama cruzada, tecendo assim o linho, que chega até nós em forma de tecido.

Após esta recolha mais detalhada do cultivo do linho, o Rancho Folclórico “A Primavera” leva consigo nas suas atuações estas tradições típicas da freguesia.

Através das miniaturas destes instrumentos, explica a todo o seu público a forma e os processos de produção do linho. Toda esta recolha foi fundamental para a preservação das tradições da freguesia de Vila Cova de Perrinho. 

É também em 1977 que o Rancho Folclórico “A Primavera” elege a sua primeira composição dos Órgãos Sociais, composta pelos seguintes elementos: 

Manuel Correia da CostaJoaquim Oliveira FernandesAbílio Teixeira de BastosManuel Teixeira de BastosManuel da CostaManuel Bernardo MoreiraAbel dos SantosAmadeu Soares AmorimJoão Fernandes Tavares e António Ferreira Dias.

Foram vários aqueles que passaram pela Direção do Rancho Folclórico “A Primavera” e todos eles acabaram por deixar uma marca muito positiva neste grupo, que trabalhou desde sempre para o futuro cultural de Vila Cova de Perrinho.  

Um dos presidentes que mais marcou as diversas Direcções, foi o Sr. Manuel Barbosa, presidente da Direcção durante várias décadas, acompanhou o rancho desde 1977 até à sua morte, em 2021.

Ficará sempre na memória colectiva, por todos os anos que acompanhou e chefiou o Rancho Folclórico “A Primavera” de Vila Cova de Perrinho.

As memórias do Rancho Folclórico “A Primavera” são feitas através das suas actuações, quer em festas ou em festivais de Folclore.

Ninguém esquece nem esquecerá a presença do grupo em terras algarvias, que deliciavam os mais jovens.

Foi pela primeira vez, em 1988 que o Rancho Folclórico “A Primavera” de Vila Cova de Perrinho se deslocou a Monchique a convite do Exmo. Sr. Padre Coelho, natural de Macieira de Cambra. 

Todos que por aqui passaram, recordam com saudade os tempos passados em Monchique, Portimão, Armação de Pêra e outros locais por onde o nosso grupo passou.

O grupo encantou todos os algarvios durante as suas actuações. A participação em Festivais de Folclore são incontáveis e isso está bem patente no estandarte, que carrega consigo os locais e eventos por onde o Rancho Folclórico “A Primavera” de Vila Cova de Perrinho passou.

O grupo percorreu milhares de quilómetros, por vezes, tinha duas atuações por cada fim de semana. o Rancho Folclórico passou por: Castelo de Paiva, Castro Daire, Portimão, Castelo Branco, Santa Maria da Feira, Braga, Paredes, Mealhada, Monchique, Peso da Régua, Mira, Sabrosa, Vila Real, Chaves, Tábua, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Almeirim, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Vila do Conde, e por muitos outros locais que se perdem na conta. 

A história do Rancho Folclórico “A Primavera” também é feita por aqueles que fazem ou fizeram parte do grupo.

Não podemos deixar de falar das vozes magníficas que por aqui passaram, uma das vozes mais marcantes é a da nossa cantadeira Maria Alice Silva, que infelizmente não se encontra connosco mas recordámo-la com saudade.

Apesar de já não se encontrar connosco, a sua voz, a sua jovialidade e a sua dedicação ficará sempre na memória de todos os vilacovenses.

Também não podemos deixar de recordar e agradecer a todos aqueles que cantam ou cantaram no Rancho Folclórico “A Primavera”, a sua voz é fundamental para perpetuar os poemas e cantigas tradicionais da nossa freguesia.

A música também é parte fundamental do Rancho Folclórico “A Primavera”, os sons típicos do acordeão da concertina, do cavaquinho, dos ferrinhos, do bombo, do violão e da viola braguesa são característicos do nosso rancho folclórico.

A voz e a música são de facto importantes para o Rancho Folclórico “A Primavera”, mas aqueles que dançam também desempenham um importante papel no grupo.

É difícil enumerar todos aqueles que por aqui passaram, pois a lista seria demasiado extensa.

Recordamos apenas os momentos em que todos trabalharam para acertar o pé, levantar os braços e mostrar o sorriso, pois é isso que demonstra a felicidade e orgulho pelo trabalho que é desenvolvido diariamente.

O caminho por vezes é duro, todos se recordam dos pequenos “desacertos” que foram acontecendo ao longo seis décadas e meia, mas faz parte do folclore. 

As memórias e recordações são imensas e os novos tempos trazem novos desafios.

O folclore já não desperta à atenção como outrora o despertava, pois grande parte dos jovens perderam esta ligação com as aldeias e com a importância do folclore.

Chegados aqui, o Rancho Folclórico “A Primavera” procura em 2023, resgatar as suas raízes e promover o folclore na sua freguesia e no seu município.

Os desafios são imensos, mas o grupo encontra-se coeso para alcançar todos os seus objetivos.

São 65 anos de trabalho que hoje revelam o sucesso alcançado, e no que depender deste grupo, o folclore em Vila Cova de Perrinho não terá fim. 

Rancho Folclórico A Primavera

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