Capela de S. Gonçalo

(Coelhosa – Vale de Cambra) Capela de S. Gonçalo

Capela de S. Gonçalo - Coelhosa

por MHG

Corria o ano de 1899 foi exarado no lugar de Coelhosa, freguesia de Castelões, concelho de Macieira de Cambra, o seguinte documento.

“Aos três dias do mês de Setembro do ano de 1899 da era cristã, sob o pontificado de Leão XIII, sendo Rei de Portugal D. Carlos I, da casa de Bragança, Bispo do Porto D. António de Sousa Barroso e Pároco collado de S. Pedro de Castelões Thomaz Ferreira Gomes de Pinho, no lugar de Coelhosa, freguesia de Castelões, concelho de Macieira de Cambra, comarca de Oliveira de Azeméis, Distrito de Aveiro, procedeu-se, com a devida autorização, à benção e colocação da primeira pedra desta capela, mandada construir a expensas do benemérito cidadão José António Martins, deste lugar de Coelhosa, à qual foi dado o título de S. Gonçalo, – procedendo-se em tudo conforme o rito e costume da nossa Egreja e Reino que em tais casos se observam.”

Depois de ter vivido durante mais de 30 anos no Brasil, para onde emigrou em 1866 e donde regressou em 1898 e de ter amealhado naquele país uma grande fortuna, José António Martins radicou-se na sua terra natal de Coelhosa a retemperar a saúde e a dar largas ao seu espírito altruista, sempre acompanhado pela esposa, D. Alzira Oliveira Martins, e também por seu irmão Abílio Martins de Pina, igualmente regressado do Brasil, como aliás outros grandes beneméritos de Cambra, como foram Joaquim Henriques Tavares Bastos e Luis Bernardo de Almeida.

Mas a acção de José António Martins não se limitou à construção da bela Capela de S. Gonçalo e ao grandioso palacete que a família passou a habitar, alargou- se a obras de interesse colectivo a que ele acudia sempre com generosidade e espírito de bairrismo, tais como a reconstrução da ponte sobre o rio Vigues, ao fundo de Coelhosa, a plantação das primeiras árvores no Santuário da Senhora da Saúde e, juntamente com seu irmão, a abertura de uma estrada desde o Côvo até ao Santuário, melhoramento este que ali possibilitou o acesso dos veículos automóveis, cerca dos anos 20.

Mas se não teve oportunidade de realizar o sonho que Ayres Martins profetizou no opúsculo dedicado à Capela de Coelhosa, isto é, a construção de um hospital, o certo é que sua filha D. Carmen contribuiu em grande parte para isso, legando à Misericórdia um património valioso.

No entanto, as inexoráveis leis da vida fazem passar as pessoas e atingem também as coisas, por mais meritórias que sejam.

E assim, esta família de beneméritos se foi escoando e as suas obras sofreram a corrosão do tempo, obrigando, por um lado, a lembrar a sua memória e exemplo e, por outro, a cuidar de manter o seu espólio no melhor estado de conservação possível.

Este foi o espírito que presidiu à restauração da Capela de S. Gonçalo pela Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra, não só respeitando a memória dos doadores, mas também os seus estatutos assistenciais e religiosos.

O templo encontrava-se de facto muito degradado, ao fim destes quase 90 anos, e a primeira preocupação da Misericórdia foi repará-lo de acordo com a traça original, mas desde logo surgiu uma dificuldade insuperável pois não se conseguiu arranjar quem reparasse o tecto, todo trabalhado em gesso artístico, senão dentro de uns 8 anos, o que se não compatibilizava com a urgência das obras.

Assim, optou-se por um tecto em madeira exótica, reparações em todas as paredes e pinturas interiores e exteriores, obras no adro, no coreto, nos muros de vedação, enfim, em todo o conjunto, nas quais se gastaram já perto de 12.000 contos, tendo a população local contribuido com 1.300 contos.

Mas a acção da Santa Casa não se limita a este sector, digamos estático. Tem-se alargado, nos últimos anos, a uma actuação dinâmica que cobre várias situações etárias, desde a infância à terceira idade.

Assim, a Misericórdia tem já em funcionamento, há 10 anos, a Creche-Jardim de Infância José António Martins, com capacidade para 103 crianças; e desde há 10 meses o Centro Infantil de S. Gonçalo, com capacidade para 30 crianças consideradas em risco pelos Tribunais e que constitue uma autêntica e impressionante experiência piloto.

Qualquer destas instituições dispõe de instalações modelares, assistência diária, piscina, apoio de técnicos especializados em educação infantil, etc, num conjunto que espelha a nossa modesta mas nobre Misericórdia.

Mas outros sectores merecem o apoio da instituição e dentre eles salienta-se o serviço de apoio aos idosos que leva a casa de pessoas já com avançada idade e em precário estado de saúde a assistência de que necessitam, em comida, géneros, roupas, medicamentos, enfermagem, etc.

Outro sector cujos benefícios se consideram incalculáveis são os que vão ser prestados pelo novo Lar de Idosos e Centro de Dia, que a Misericordia está a construir na sua quinta em Burgães e cujos trabalhos vão adiantados, estando já quase concluida a fase de pedreiro.

Terá capacidade para 128 utentes e o seu custo global está avaliado em cerca de 300 mil contos, abrangendo instalações para pessoas de fracos recursos, outras para quem possa pagar a sua estada e ainda outras para quem as queira e possa adquirir a título vitalício.

Naturalmente que estas iniciativas implicam enormes despesas e a Misericórdia – apesar de ser das mais recentes e mais modestas ao lançar-se em tais empreendimentos, tem contado com apoios extraordinários, mesmo comovedores, de alguns dos seus Irmãos, e em grande escala de organismos oficiais, dos quais é justo destacar os decisivos apoios do Ministério da Justiça, através da Direcção Geral dos Serviços Tutelares de Menores, e da Secretaria de Estado da Segurança Social, através do Centro Regional de Segurança Social de Aveiro.

A Misericórdia não pode também olvidar nesta data festiva, em que inaugura a reconstrução da Capela de S. Gonçalo e o Centro Infantil de S. Gonçalo, a cooperação da Câmara Municipal e de alguns particulares, esperando que esta semente frutifique cada vez mais em terras de Cambra, para que se possa continuar a dizer: “terra verde e gente boa.”

Julho de 1991

M. H. G.