Henrique Sousa Pinto, de Lordelo, Vale de Cambra, foi notícia no Diário do Norte numa entrevista de curiosos pormenores.
Leitura cómoda do artigo do jornal
Não estava na minha imaginação ser motorista da Rainha de Inglaterra, – confidenciou-nos, confundido, o guarda da P.S. P. do Porto que guiou a velha caminheta aberta que conduziu o régio casal.
Para conduzir Sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, durante a visita ao Porto foi posto à disposição das entidades oficiais, pelo sr. Delfim Ferreira, um luxuoso “Cadillac”.
Foi nesse automóvel – conduzido pelo sr. Manuel Moreira, motorista do grande e prestigiado industrial – que a régia visitante fez o percurso de Pedras Rubras à Bolsa e desta à Feitoria.
O facto de Sua Majestade, a Rainha Isabel II, ter desejado viajar de regresso a Pedras Rubras, numa “velha e incómoda” viatura policial, constitui um dos grandes acontecimentos da triunfante viagem de ontem.
Dificilmente se esquece, pelo que se revestiu de liberalidades, sobretudo, pela atenção que representou para a gente do Norte do país.
O próprio motorista ainda hoje julga estar a viver um sonho.
– Podia lá ser! Eu fiquei perturbado e custou-me a crer.
– Conte, conte lá como se passou o caso!
Com 34 anos de idade, o Henrique Sousa Pinto (de Lordelo – Vale de Cambra) – o 1403 – ingressou na PSP do Porto em 1953. Há dois anos, porém, passou a prestar serviço na Formação do Comando, como motorista.
– Eu – começou por dizer – quando a Rainha assomou à varanda do Palácio da Bolsa, verifiquei que fazia sinais para o meu carro. Suspeitei que alguma coisa se iria passar, mas nem sequer me passou pela cabeça do que era ou viria a acontecer.
– Depois?
– Depois, quando estava próximo da Feitoria, um senhor inglês perguntou-me se o carro era um “Rolls-Royce”. Disse-lhe que não, que era – e é – um “Diamond D”. Ele, no entanto, perguntou a quem pertencia e, depois de saber o que pretendia, dirigiu-se ao sr. Comandante Santos Júnior.
Entretanto – acrescentou – vieram dizer-me que a Rainha iria fazer o percurso de regresso na minha viatura. Não acreditei, claro. Insistiram, mas eu, verdadeiramente só fiquei convencido quando o nosso Comandante me ordenou para colocar o “Diamond D” diante da porta da Feitoria.
– Perturbado?
– Fiquei perturbado, sim senhor! Eu nunca tinha conduzido uma Senhora de tão alto prestígio e categoria. Seria uma vergonha – não acha? – se acontecesse qualquer acidente, pequenino que fosse. De certo modo estava em jogo o prestígio da Corporação. Não! Eu não queria que a Rainha viesse a arrepender-se da sua decisão…
– Durante o percurso?…
– O carro portou-se, apesar de tudo, magnificamente.
– Recorda-se de algum episódio?
– Junto da Praia Internacional, o intérprete perguntou-me para que serviam os paus que se alinham no campo fronteiro. De tal modo na entrega ao desejo de conduzir bem, que informei mal; disse que eram para a seca do bacalhau, quando afinal, servem para secar as redes da pesca. Mas o senhor não ponha isso no jornal… porque foi um fracasso…
– Naturalíssimo – replicamos.
– A Rainha – continuou – viajava satisfeita. No Largo António Calém, ordenou-me que parasse, a fim de receber um ramo de flores que um grupo de crianças quis entregar-lhe. Na Cantareira, impressionou-se com a manifestação, alegre e entusiástica, que um grupo de mulheres, de avançada idade, lhe prestou.
Vivendo o acontecimento:
– Não! Francamente, não esperava por tanta honra!
De salientar, entretanto, que os jornalistas, que viajavam no “Diamond D”, por gentileza expontânea do sr. Tenente-coronel Santos Júnior, ilustre Comandante da PSP, que, através do seu gesto, pretendeu facilitar a todos, portugueses e estrangeiros, o serviço de reportagem, imediatamente passaram para outra viatura, um “Station”, da mesma corporação.
O DIÁRIO DO NORTE regista o facto, grato. E mais, pois que este mais representa um imperativo de consciência: o trabalho prestado pela PSP do Porto excedeu o óptimo que se desejava, para honra de todos – e do próprio país.
Recolha de Álvaro Henriques de Almeida